Capítulo 7 – Lar doce lar
Usando a chave entregue pelo avô, Akemi destrancou o portão de correr e o deslizou, um estalo foi deixado pelo material antigo.
O garoto parou por um instante na entrada e observou o pequeno mundo que chamava de lar. Era curioso como aquele espaço, tão silencioso e comum, sempre parecia maior depois de um tempo fora.
O interior da casa era minimalista e destacava pisos de tom claro e paredes revestidas de madeira escura. No centro da sala principal, havia um tokonoma — um altar baixo — decorado com objetos de memórias e histórias antigas: pequenas estátuas dos deuses dos elementos clássicos e pinturas desbotadas.
A disposição do mobiliário incluía um sofá espaçoso e uma poltrona; a cozinha estava logo atrás, e ao lado, um corredor levava a dois quartos e ao único banheiro.
À esquerda da sala, encontrava-se um amplo quintal com um gramado aparado e diversos elementos de destaque, como lanternas, cascalho, decorações espirituais, bonsais e arbustos bem cuidados. Somente uma cerca alta separava a moradia das residências vizinhas. Estava tudo em perfeita harmonia.
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“Preciso de um banho. Mesmo que eu não esteja fedendo, faz tempo demais desde o meu último banho decente depois do acidente.”
Sozinho, assim como era acostumado a viver, Akemi foi ao banheiro, um simples espaço revestido por painéis de madeira, com lavatório, banheira de imersão, chuveiro de mão e um vaso sanitário.
Sem roupas, o garoto analisava suas cicatrizes pelo espelho, percebendo que elas partiam da sua barriga e desciam para as coxas, linhas que sempre iriam renascer lembranças dolorosas.
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“Hm, meu corpo mudou tanto em tão pouco tempo. Será que chamarei atenção se eu ficar sem camisa…?! Calma! Não em um mau sentido!”
Após alguns segundos, Akemi afastou os pensamentos e submergiu na banheira; a água quente que abraçava seus músculos tensos o fez soltar um suspiro de alívio.
Era bom estar longe das pressões do hospital, do estágio, do medo; mas não durou muito até chegarem os pensamentos sobre o avô, a ASA e o que os próximos dias reservavam.
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O comportamento recente de Isao não saía de sua cabeça. Era algo diferente, mas o jovem não conseguia apontar exatamente o quê…
Após o banho, Akemi envolveu-se em uma toalha e dirigiu-se ao seu quarto, onde estava o seu armário cheio de vários conjuntos idênticos e repetitivos: camisas brancas, calças azuis, sapatos e chinelos.
“Eu só uso as mesmas roupas de sempre. Mas está tudo bem, não sou nenhum mestre estilista.”
Vestido e em busca de algo para comer, a pequena cozinha com vista para a sala principal foi o seu novo paradeiro, mas sorrateiramente, um barulho da porta da casa sendo aberta o deixou em alerta, espiar de longe era a melhor opção.
Quando a porta se abriu, revelou-se uma figura cansada de Isao.
— Vovô? — disse Akemi, surpreso. — Você chegou mais cedo?
Profundas olheiras faziam o idoso parecer ainda mais velho. — Você já recebeu alta?
— Sim, mas… você chegou bem mais cedo, o que aconteceu?
— As pessoas da usina acharam que eu não estava em condições de trabalhar, devo estar com a maior cara de quem vai cair duro a qualquer momento. Vou ali lavar o rosto, eu volto daqui a pouco — Isao tentou sorrir, mas o efeito foi apagado pelo cansaço.
O avô se afastou devagar, desaparecendo no corredor. Akemi se sentou no sofá, inquieto, ele sabia que precisava falar sobre a ASA, mas também sabia que o avô não facilitaria a conversa…
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[ 3 minutos depois… ]
Finalmente, Isao voltou à sala e se acomodou ao lado de Akemi no velho sofá de estofado gasto. Mesmo passada uma água no rosto, seus olhos ainda transmitiam um cansaço profundo, mas havia ali uma chama de… curiosidade? Não, era preocupação.
Akemi foi quem começou. — Você parecia agitado no hospital, o que foi aquilo?
— Estou bem, apenas quero saber o que fizeram com você.
— Não se preocupe, não fizeram maldade alguma comigo, mas… preciso te mostrar uma coisa. Promete para mim que não irá surtar?
Isao não deu uma resposta verbal. Seu olhar dizia: “Mostre-me logo.”
Akemi entendeu o recado e soltou o ar preso nos pulmões. — Tudo bem… observe — ele fez pequenas correntes elétricas percorrerem da ponta dos dedos de uma mão a outra. Um zumbido leve veio enquanto a aura se manifestava ao redor do corpo do garoto, fraca, translúcida, mas inconfundível.
— Então… é isso… — murmurou Isao, quase para si mesmo, seus olhos estavam arregalados.
Akemi sorriu, as correntes vibravam com sua empolgação. — Disseram que é uma aura de eletricidade, também me ajudaram a controlá-la de algumas maneiras, demais, não é?
Mas a reação do avô? Como esperado, foi um balde de água fria. — Escute bem, não use isto dentro de casa!
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O garoto murchou imediatamente, a aura desapareceu como uma lâmpada apagada. — Entendo… perdão.
— O que mais fizeram? — perguntou Isao, severo ao cruzar os braços.
— Um militar que estava lá me convidou para um teste na ASA.
— ASA? Hm, até parece que você recusaria. Como pretende ir para um lugar tão distante?
— Eles me buscarão daqui dois dias.
Isao bufou, ironicamente balançando a cabeça com negatividade ao dizer: — Compreendo…
— Agora você compreende?! — exalta Akemi, abusando da mesma ironia quando abriu os braços.
O velho focou no neto. — Olha, Akemi… — sua voz tomava um peso emocional; era um desabafo — durante toda a sua vida, tentei te afastar desse caminho. Mas, no fundo, sempre soube que esse dia chegaria. Você está crescendo, e eu já não posso te segurar. Tenho quase oitenta anos. Estou velho… e cansado.
A inquietação do rapaz era óbvia. — Então, se você sabia que esse dia chegaria, não tem nada a me contar sobre essa aura?
— Não se trata disso. É sobre a vida militar. Não posso mais te rotular, muito menos te proteger. — respondeu Isao, com um toque de amargura.
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— Mas e essa aura?! Eu a desperto com dezoito anos e você simplesmente… não tem nada a dizer?
— Isso… é uma surpresa descomunal para mim, não tenho o que dizer.
— Você anda tão misterioso nos últimos anos. Por que tem que ser assim?
O velho retomou a paz no espírito. — Meu neto, você tem um coração bom, é inteligente, e pelo visto, possui uma certa coragem, mas é desastrado e inconsequente, tem que melhorar muito para conseguir suportar aquele lugar. Existem muitas coisas que você não sabe sobre o exército asahiano e o mundo áurico… Enfim — Isao levantou-se — dormirei um pouco. Venha cá.
Akemi aceitou o abraço de prontidão.
— Se você realmente for, talvez não nos vejamos por muito tempo. Mas agora que não é mais trivial, precisa aprender a controlar sua aura, será melhor para você.
— Fique tranquilo. Vou provar que sou capaz!
Nostálgico, o velho riu. — Hohoho, realmente tem momentos que você é igual a sua mãe.
A menção arrancou de Akemi uma melancolia. — Queria ter a conhecido pra saber o quão é parecida comigo…
A lembrança da mãe era sempre um ponto delicado. Isao havia dito ter perdido o álbum da família em uma viagem, deixando as únicas evidências em foto de sua filha única com o cônjuge perdidas pelo mundo.
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Akemi não possuía um único vislumbre de seus pais.
— Saiba que sua mãe tem um orgulho genuíno de você — Isao virou-se e caminhou até o quarto — vou ao meu quarto descansar, tente não me acordar, ainda tenho que voltar ao trabalho amanhã.
“Ele continua o mesmo de sempre… Misterioso, cauteloso, mas com um coração extremamente protetor. Fico feliz em o ter como cuidador… Só que… infelizmente, terei que o desrespeitar dessa vez… A aura me espera!”
No quintal, o sol das dez horas da manhã iluminava as plantas, e o céu, de um azul cristalino, era perfeito.
“Vamos lá, Akemi. Respire fundo, feche os olhos e tente novamente sentir aquela energia…”
A aura emergiu e o envolveu novamente em uma forte luz amarela. Ao abrir os olhos, Akemi não conseguiu se segurar, por mais que ele sabia das ordens recentes do avô, a empolgação o tomou como refém.
“Isso brilha tanto, é até estranho de enxergar, tudo fica meio amarelado… Mas de fato é uma visão encantadora!”
A felicidade transbordava no sorriso.
“É tudo o que eu queria… É o melhor dia da minha vida!”
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Todavia, quando a energia começou a ascender descontroladamente, a empolgação virou preocupação.
“Espera, isso está ficando esquisito… Ai, caramba! Ela nunca ficou desse tamanho!” A aura crescia drasticamente, feixes elétricos se moviam no ar como serpentes de fogo. O rapaz entrou em pânico ao sentir o calor corporal aumentar. “Ah não! O que eu faço?! Não era para ser assim! Sai! Sai! Sai!”
Uma frenética batalha contra algo praticamente intocável se iniciava. Akemi tentava “limpar” a energia do corpo, esfregando os braços e pernas. Obviamente, nada funcionava.
“Eu tenho que pensar em algo! Pensa, Akemi! Pensa…! Ah! O major!”
Entre o desespero, instruções foram relembradas.
“Tenho que imaginar algo calmo…”
Uma floresta agitada por uma tempestade se formou em sua mente; o objetivo era acalmar o ambiente caótico imaginário.
O rapaz encheu os pulmões de ar e expirou lentamente, alinhando sua respiração com a tentativa de acalmar o vento da floresta… Sentindo-se mais calmo, ele abriu os olhos e visualizou sua aura esvaindo-se. “Ufa! Achei que seria engolido… Queria usar a minha aura até o vovô acordar, mas é melhor parar por hoje antes que ocorra um estrago.”
De volta à sala, o jovem decidiu passar o dia estudando, visando a prova que estava por vir. “Quem dera se biologia fosse fácil como exatas. Os seres de Asahi são inexplicáveis, ainda bem que nunca me deparei com algo selvagem.”
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[ 24 de abril de 1922, Toryu, Asahi. ]
Com o avô fora, Akemi aproveitava o dia de folga e a solidão no quintal, onde o silêncio só era atrapalhado pelos pássaros e seus cantos despreocupados.
O rapaz puxou todo o ar que podia e tentou se conectar à corrente elétrica familiar que sempre o respondia.
Entretanto, nada aconteceu.
Aumentando o foco, ele tentou novamente, mas a sensação de uma energia pulsando através de suas veias simplesmente não vinha.
— Ué? Não está… funcionando?!
Um pânico lento, mas crescente, tomou conta, subindo pelas veias como uma sombra invasiva. Restava apertar os punhos e lutar contra o medo que começava a dominar pensamentos.
— P-por que eu não sinto nada…?! O QUE TÁ ACONTECENDO???!!!
Ele apontava o braço para as paredes, para o céu, para qualquer lugar que pudesse servir de alvo… Porém, qualquer tentativa devolvia o vazio. Nem um brilho inofensivo percorria os dedos. O que antes era tão natural quanto respirar agora parecia… perdido.
— Por favor, por favor, por favor! Vamos lá, tem que sair alguma coisa…!
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Akemi encarou as próprias mãos, esperando que elas dessem uma explicação lógica, mas tudo o que encontrou foi a terrível ausência de respostas. Sua mente era inundada por perguntas que se atropelavam umas às outras. — Não pode ser… Por que eu estou passando por isso? Não me falaram que ela poderia sumir assim. Eu… — lágrimas escaparam — eu me sinto… vazio. Essa sensação… eu não lembrava o quão ruim era…
Apesar da tristeza, saber da chance de ingressar na ASA o ajudou a manter a calma. — Ai ai… — ele suspirou, enxugando as lágrimas — bom, tenho que distrair a cabeça. Voltarei a estudar, é o mais importante agora…
Em sua cama, a imersão nos livros permaneceram até o sol dar lugar à lua no céu.
“Eu nem sei se conseguirei dormir hoje, também, não adianta ficar pensando nisso, só o tempo dirá se os meus poderes retornarão. Que inferno!”
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