Capítulo 63 de 22 — Pare de rir do meu irmão!!!!
Três dias se passaram e eu já havia recuperado totalmente o meu cabelo e, conforme me informou uma das mulheres que cuidava de mim, hoje seria o dia de ser encaminhada para a linhagem dos descartáveis. Eu não tinha uma compreensão clara do que esse lugar representava, mas pelo nome, era reservado para aqueles considerados fracassados.
Durante esses três dias, abandonei todas as esperanças: de ser útil para meu irmão, de ser um orgulho para a família e de ser forte. Aceitei resignadamente o destino de passar o resto de meus dias naquela linhagem.
Durante esse período, meu ex-irmão não apareceu. Sentia uma pontada de saudade dele, apesar de sua traição. Na última vez que o vi, ele simplesmente se despediu e partiu. Talvez tenha mesmo me abandonado.
No quinto dia, uma mulher com o rosto totalmente coberto apareceu para me levar até a linhagem dos descartáveis. Ela me explicou o caminho até o nosso destino.
Localizado em uma das extremidades da cidade, o clã ficava próximo à muralha, e a linhagem dos descartáveis estava ainda mais próxima dela. Para chegar lá, era necessário atravessar a linhagem secundária. Ao adentrar esse lugar, pude sentir os olhares de pena das pessoas sobre mim.
A linhagem secundária não diferia muito da principal. As casas eram construídas em estilo chalé, com diversos corredores ladeados por flores que serviam de guia. O piso variava entre tábuas e barro, e no centro havia um jardim pelo qual passamos. No entanto, percebi que tudo ali parecia menos cuidado do que na linhagem principal. Fiquei imaginando como seria a linhagem dos descartáveis.
Passamos por uma porta um pouco maior do que aquela pela qual entramos na linhagem secundária. Ao chegarmos lá, deparei-me com uma cena bem diferente do que eu estava acostumada. Os chalés estavam visivelmente desgastados, e alguns deles até possuíam mais de um andar. Parecia haver uma maior concentração de pessoas na rua, muitas delas parecendo vagar sem rumo.
O jardim estava completamente deteriorado, e várias das tábuas das casas e dos corredores estavam danificadas. O lugar parecia desprovido de vida, e as pessoas ali pareciam desanimadas, lançando olhares de pena em minha direção, enquanto alguns tentavam forçar um sorriso.
Continuamos por mais alguns corredores até chegarmos a uma pequena porta. Ao passarmos por ela, deparei-me com um campo de treinamento ao lado. Era um espaço amplo, cercado por arame farpado, e eu pude avistar algumas pessoas dentro, algumas delas meditando enquanto outras praticavam lutas ou exercícios físicos.
Continuamos nossa jornada até chegarmos a uma casa um pouco maior, que parecia ter cerca de dez quartos, distribuídos entre o térreo e o andar superior. Adentrei e deparei-me com várias crianças da minha idade.
— Nova integrante, cuidem dela — disse a mulher enquanto me empurrava para frente com firmeza, e então, sem mais delongas, foi embora.
Nenhuma das outras crianças parecia se aproximar de mim, mas uma garota negra, com um semblante desprovido de esperança, veio até mim e me entregou um papel. Era uma lista de regras da casa, contendo as normas básicas do dia a dia, como os horários de limpeza e a orientação para evitar fazer barulho após determinado horário. Além disso, havia informações sobre a cama que me fora designada: localizada no primeiro andar, na cama número sete.
Ao chegar ao meu quarto, encontrei algumas roupas à disposição. Eram poucas, mas suficientes para as necessidades básicas. Percebi que gradualmente estava me assemelhando às outras crianças ali. Parecia que eu simplesmente não estava mais vivendo. Não tinha certeza de como meu rosto estava, mas imaginei que também transmitisse essa sensação de desolação.
Eu te odeio, irmão.
Ainda alimentava sentimentos de culpa em relação a ele. Se não fosse por ele, eu não estaria nessa situação. A noite chegava e fui me deitar, mesmo estando faminta. Conforme as regras escritas no papel, os novos integrantes não comiam no primeiro dia.
Curiosamente, consegui adormecer sem dificuldades, o que me surpreendeu. Era como se meu corpo e estômago comportavam de maneiras diferentes, uma sensação de queimação constante, desconfortável, mas sem dor.
Quando finalmente me levantei, percebi que nenhuma das outras crianças estava mais no quarto. Desci para o andar térreo, vestindo minha túnica vermelha clássica dos clãs. Lá, encontrei todas elas em fila, e olhava para uma mulher vestida com uma túnica vermelho claro.
— Hoje será mais um dia de intenso treinamento, estão preparadas!
Todas as crianças gritaram e concordaram veementemente, demonstravam uma energia e entusiasmo que eu não havia visto nelas no dia anterior. Era como se uma chama tivesse sido acesa dentro delas.
— Certo, fiquei sabendo que temos uma nova integrante. Se apresente!
Quando a mulher começou a falar, todas as crianças se afastaram, deixando-me surpresa e um pouco confusa com a reação delas.
— Ah! Eh! Eu… sou Idalme.
— Mais alto!
— Idalme!
— Mais alto!
— Idalme!!
Gritando pela segunda vez, pude sentir um gosto estranho na minha boca, e eu conhecia bem aquele líquido. Era como se eu estivesse sendo queimada novamente na sala do fogo.
— Outra inútil. — Ela cuspiu no meu cabelo com desprezo.
— Certos seus inúteis, vocês têm dez minutos para o pequeno-almoço. Vão!
Comecei a correr quando vi todas se dirigindo à mesa com os pães. Eu precisava de água desesperadamente, mas no momento em que avistei aqueles pães, uma sede de fome despertou em meu estômago.
No entanto, antes que eu pudesse chegar perto da mesa, algo bateu em minha cabeça e começou a esfregar-se em mim.
— Você não, está de castigo. Se apresente!
— Idalme!
— Muito baixo! — ela proferiu com um tom de escárnio enquanto aplicava sua bota com força sobre minhas costas, como se quisesse esmagar minha dignidade junto com meu corpo.
— Idalme…
— Baixo demais! Você quer morrer?!
— Não…
Ela persistia com sua agressão, pisoteando-me repetidamente com sua bota e eu jazia ali indefesa. Os outros terminavam de comer, eu sofria em silêncio, e alimentava um crescente ódio em relação ao meu irmão. Lágrimas escorriam pelo meu rosto enquanto eu me sentia impotente diante da crueldade daquela mulher.
— Chorando? — perguntou e depois agarrou meu cabelo com firmeza, forçava-me a encarar seu olhar penetrante. — Mas isso não é nada! — declarou e logo em seguida jogou minha cara com força no chão.
Desde aquele momento, percebi que viver uma vida sem vida não seria possível neste lugar. Aquela mulher, de pele negra, olhos verdes e cabelos pretos, vestida com uma túnica que normalmente um soldado usaria, fixou seus olhos em mim.
— Se preparem e vão ao campo de treinamento! Eu levo essa aí.
Ela me arrastou pelo cabelo até o campo de treinamento que havia visto anteriormente. No dia anterior, havia notado apenas pessoas mais jovens, mas agora o local estava repleto de crianças como eu.
O chão de barro estava completamente endurecido pelo sol que batia forte. Ela me conduziu até um banco e sentou-se, em seguida, colocou-me no chão e pressionou seu pé contra o meu rosto enquanto observava outras crianças lutando entre si.
— Veja, hoje é o dia do treinamento de mata-mata. Você tem a sorte de servir de tapete hoje. Ouvi dizer que você é de uma família importante da linhagem principal. Todos vocês são arrogantes, mas hoje vou te mostrar que arrogância aqui não vale de nada.
Ela continuou falando comigo como se eu fosse arrogante como todos os da linhagem principal. Eu nem sabia que as pessoas de lá eram assim, mas após a traição do meu irmão, isso se tornou mais claro para mim.
— Todas aquelas crianças vieram da linhagem secundária e descartável, mas você é especial. Por isso, vai se tornar minha putinha. Se prepare, vou fazer sua vida um inferno.
Após horas de conversa, o treino finalmente terminou e ela mandou todas as outras crianças irem para casa, enquanto me arrastava para outro lugar. Nos aproximamos da muralha, e nesse momento, eu deveria estar à beira da morte. Apesar da intensa dor e fome que eu sentia, ainda parecia que a morte estava longe de me alcançar. No entanto, aquela sensação persistente no estômago não desaparecia.
— Veja esses corpos, uma beleza.
— …
— Esses três são corpos frescos. Foi tão bom matar esses fracassados quando tentavam fugir. Principalmente aquele do meio. Fiquei sabendo que ele é descendente de uma linhagem principal. Quase gozei quando soube.
— …
— Veja — disse ela enquanto levantava meu rosto.
— Como foi bom matar aquele imbecil. Ele até era forte para alguém da linhagem descartável, mas no fim morreu miseravelmente.
Deparei-me com uma cena terrível: três pessoas estavam empaladas em estacas, como espetos de frango. Pelo que a mulher dizia, todas essas pessoas eram aquelas que tentaram fugir.
Bem feito para eles. Ninguém tem o direito de escapar do seu destino.
Ela apontou o meu rosto para o do meio, dizendo que esse era o mais difícil. Deve ter sido alguém que se achava arrogante. Um idiota, com seus cabelos laranja agora tingidos pelo sangue em seu rosto.
— Hum?
— Que foi, conhece alguém?
Olhos vermelhos, pele negra, vestes distintas… e aquele rosto inconfundível. Não havia como me enganar, eu me lembrava bem de quem era. Então, isso era o destino dele?
— Kikikiki! — Comecei rindo baixo, mas a risada se intensificava cada vez mais, até que ecoava pelo ambiente de forma quase ensurdecedora.
Era isso que você merecia, quem mandou fugir do seu destino. Você nem me pediu perdão por todo esse sofrimento. Você merecia tudo isso. Eu te odeio!
— O que foi, moleque? Ficou maluca? Chorando do nada.
Chorando? Eu? Não tinha como, afinal, o ódio era o único sentimento que me consumia naquele momento. Mas, ao levar a mão ao meu rosto, a surpresa me dominou ao perceber as lágrimas intensas que escorriam.
— Há! O que é isso?
— Não me diga que aquele do meio era seu parente? Haaarararara!
Sim, eu não me importava com ele, era uma certeza inabalável dentro de mim. Porém, aquela risada insistente, penetrante como uma agulha, desencadeava uma irritação crescente dentro de mim. Cada vez mais intensa, como uma chama que se alimentava de oxigênio, a irritação começava a se tornar palpável, quase tangível. Cada risada parecia um eco de deboche, cutucando feridas emocionais que eu preferia ignorar.
Pare de rir!
— Haaaararararara!
Pare de rir!!
— São parente mesmo! Haaaarararara!
— Pare de rir do meu irmão!!!!