Capítulo 55 – Isso Não é Feitiçaria
Ponto de Vista de Elena:
Ao ver minha aprendiz ainda mais forte que o nosso último encontro há dois anos, meu coração se aliviou por um momento. Eu segui meu caminho para a Torre Central de Shryne com um gosto doce na boca, que logo iria se desfazer ao me encontrar com minha velha amiga.
— O que foi? — fui direto ao assunto.
— Awn… — Melissa gemeu desapontada — por que você é sempre assim?
— Se me chamou aqui só pra bater papo, então já vou indo — virando-me de costas.
— Tá bom, tá bom… vou ser breve, então.
— Estou ouvindo.
— Vou te mandar para a Ilha de Magma.
— O quê? — perguntei chocada — explica direito.
— Você quer que eu vá direto ao assunto ou não? Você tem que decidir!
— NÃO ENCHE, PIRRALHA!
Antes que pudéssemos continuar, Melissa e eu nos sentamos ao redor de sua mesa.
— Do início.
— Vá para Ilha de Magma e fortaleça seu núcleo de mana. Não estou pedindo para voltar com a Amaterasu, caso não queira, mas as coisas estão começando a esquentar e precisamos de todo o poder que tivermos.
— Eu não sou idiota, se isso era tudo que tinha para me dizer, não teria me chamado até aqui.
— Tem razão.
— Então vai, desembucha — ansiosamente batendo meu pé no chão.
— Recebi uma carta.
— …
— De Hibéria.
— HIBÉRIA? ISSO É IMPOSSÍVEL!
— Foi o que pensei — jogando a carta em cima da mesa — “A alma pelo mal corrompida, para Mortalia caminha. Logo em sua morte viu, o que no coração sentiu. Pelo bem do conhecimento e da justiça, não os deixe a deriva” — recitou.
— Desde quando sabe ler em Hiberiano?
— Desde que recebi a carta e não temos ninguém que conheça o idioma.
— Só você mesmo… — resmunguei.
— Isso foi um elogio?
— Vai sonhando — deixando as trivialidades de lado, perguntei diretamente — Mortalha não está escrito errado?
— Ah… — deu com um suspirado exausto — não me faça lembrar da dor de cabeça que ganhei com isso.
— Do que está falando?
— Isso foi escrito de propósito — jogando imediatamente vários papéis na mesa — Isso foi tudo que consegui achar. Pelo contexto, acredito que mortalha esteja se referindo ao pano, 1 mas também pode ser um amontoado de cadáveres. A questão é que “Mortalia” não existe.
— Não existe uma grande chance de ser “apenas” um erro?
— Vou te poupar dos detalhes, o tempo está curto, mas resumindo, “Mortalia” está escrito com um caractere muito específico. Isso faz com que a forma correta de se lê seja “Mort – Alia”.
— Conheço esse nome. Já o vi em meios as pesquisas de Galliard.
— Mort Alia é uma magia poderosa, capaz de causar terror na mente do alvo. Ela também restringe seu bem mais precioso e te força a liberar mana até que não consiga mais se manter de pé.
— Entendi… — em um suspiro aborrecido, sabendo que não poderia rejeitar sua ordem, me levantei — Então sobrou pra mim encontrar o pergaminho onde essa magia foi selada e trazer pra cá, não é? — andando até a porta.
— É isso mes- — Melissa se calou surpresa — espera aí! Não quer saber como eu descobri tu-
— Não — interrompi — Isso não faz diferença pra mim. Vou imediatamente para Ilha de Magma.
— Humph! — sorriu por um instante — Não vai se despedir dos outros? Eles acabaram de chegar!
— Não precisa! — parei rapidamente ao me lembrar de algo importante — Aliás, sobre aquele caso em Nebuloria… mande-os para lá. Não se sobrecarregue tanto.
— Isso foi um conselho de amiga?
— Veja como quiser — respondi fechando a porta de seu escritório.
Ponto de Vista de Saki:
Noelle e seu mentor enfim descansaram. Após um longo tempo discutindo as infinitas possibilidades do universo, eles cessaram brevemente e se sentaram ansiosos.
— Não é querendo atrapalhar esse momento de vocês, mas me responde uma coisa — interrompi olhando para Galliard — O que são todos esses policiais nas ruas? E por quê não tem quase ninguém andando por aí?
— Ah, bem… er… — ele respondia entre gaguejos suspeitos — Não é nada de mais, é apenas um toque de recolher por conta de alguns assassinatos recentes… só isso.
— Toque de recolher? O sol nem se pôs ainda — apontando para a janela, dando ênfase no sol brilhante no céu.
— É que foram muitos assassinatos…— seu suor frio escorria pelo rosto.
— Hmm… — eu olhava no fundo dos seus olhos, esperando a verdade.
— É sério! — com um sorriso desconfortável.
— … — penetrando sua alma apenas com minha força de vontade.
— Tá legal, eu conto! — ele enfim cedeu.
— Você é um péssimo mentiroso, Sr. Galliard — comentou Noelle.
— Eu sei, não é meu forte.
— Então vai, desembucha! — o apressei.
— Céus, você está ficando igual a ela! — disse com uma voz trêmula.
Com uma breve explicação, Galliard contou a situação que Shryne se encontrava. Nos últimos anos, as tropas de Lilith começaram a se mover, trazendo o caos para todo o mundo. Algumas cidades e distritos já foram tomadas e existem suspeitas de que humanos e demônios estão cooperando entre si. As notícias se espalharam rapidamente por todos os continentes, o pânico fez com que os civis se trancassem em suas casas e os países tiveram que agir para tranquilizá-los.
— Entendi… — em um instante, acontecimentos passados transpassaram pela minha mente — Será que era disso que eles estavam falando?
— Está falando da mensageira? — concluiu Noelle — É possível, mas… todo esse caos por uma pessoa…
— É, ainda não me convence — um silêncio reinou na discussão, sendo possível apenas ouvir o ronco de Akira largado no canto — Falando em caos, Elena disse para perguntar sobre essa tal “Manipulação do Caos” — mudando completamente de assunto como se não fosse nada.
Galliard ainda vagava em sua própria mente, divagando sobre a quantidade de coisas que estavam acontecendo simultaneamente.
— Ah! Sim! A “manipulação do Caos”
“Ele tá perdidinho” pensei ao ver sua reação atrasada.
— Fico feliz por já ter abandonado o antigo nome, aquilo, além de errado, era horrível.
— Errado?
— Sim. Caos seria o nome correto para o seu caso, você já vai entender — ele andava apressado em direção a um quadro branco próximo à janela.
— Caos… — Noelle sussurrava sozinha — acho que já vi esse nome antes…
— Acho difícil, o “Caos” é um conceito recém descoberto. Nenhum escrito antigo possui informações sobre ele e-
— “Há algo que conecta nós humanos a mana, não sei ao certo como funciona ou o que é de fato, mas se assemelha há uma fusão caótica dos elementos. É possível sentir um misto de sensações em fontes mágicas ou Bosques Místicos.” — interrompeu com um caderno em suas mãos.
Diferentemente de mim, Galliard ficou estupefato com a informação que Noelle nos trouxe.
— C-Como você sabe disso? — perguntou boquiaberto
— Está tudo no caderno que minha mãe deixou para mim — estendendo o caderno para seu mestre.
— Esse caderno… — parecia que um flash de memórias passou diante de seus olhos — a Viollet anotava tudo nele…
— Sim, é como se fosse sua forma de se desculpar por não estar aqui…
— Então, além de tudo que fez, ainda fez um manual? — brincou sorrindo — E ainda estava estudando algo como isso…
— De certa forma. Mas algumas coisas não são tão claras, como no caso atual.
— O que quer dizer?
— Minha hipótese inicial era de que o corpo da Saki era como um feitiço, onde dentro dele altera as propriedades da mana.
— Entendo… faz sentido, por mais que esteja incorreto.
— Antes eu não havia ligado o “Caos” a este fenômeno, agora tudo faz mais sentido…
— Er… com licença! — fui obrigada a interrompê-los — podem falar em português, por favor?
— Ah, sim! Claro! Deixe me continuar — Galliard voltou para o quadro — Viollet estava correta ao afirmar a semelhança do Caos com “A Fusão Caótica dos Elementos”, afinal, essa é a definição perfeita para o Caos.
— Isso significa que eu consigo utilizar todos os elementos? — perguntei.
— Sim e não. Para simplificar, você é capaz de interagir com os elementos, mas não conjurar ou manipulá-los.
— Se é assim, o que é toda aquela força e velocidade que eu ganho quando envolvo meu corpo com ele?
— Infelizmente ainda não consigo responder, como já disse, é uma descoberta recente que fiz ao coletar as análises do seu treinamento e de suas lutas em Raven.
— Bom, pelo menos já temos alguma coisa, contanto que eu ainda consiga socar a cara de alguns cretinos, tá tudo certo.
— Hehe! Você é bem peculiar ein! — gargalhando — Mas antes de saírem por aí novamente, gostaria de fazer alguns testes, tudo bem?
— Por mim de boa.
Após acordar Akira com um belo sacode, enfim começamos os testes. Coletando diferentes análises de diferentes reações que meu corpo teve com vários elementos, até o anoitecer.
“BIP. BIP. BIP. BIP” um toque agudo e sistemático tocou.
— Galliard! Está aí? — uma voz familiar.
— Melissa? — Galliard deixou todos os seus equipamentos e foi até uma bancada presa na parede, logo abaixo de alguns armários — Estou aqui, o que houve?
— As crianças ainda estão com você?
— Sim, sim. Estamos fazendo alguns experimentos.
— Ótimo! Assim que acabarem aí, mande os para cá, tenho uma tarefa para eles.
— Você não perde uma oportunidade, não é mesmo?
— Na verdade, foi um pedido da Elena.
— Da Elena, é? Tá certo! Eles irão assim que possível!
Antes mesmo que pudesse virar para nós, o perguntei imediatamente.
— Uma tarefa? — chocando meus punhos ansiosos por uma luta.
— Até que enfim — disse Akira se espreguiçando — já tava cansado de dormir!
— Você permaneceu em estado de sono durante toda a viagem… — Noelle rebateu com certo deboche.
— Hahahaha! — gargalhou — Os jovens são realmente cheios de energia. Já terminamos por aqui, podem ir!
Assim que Galliard nos liberou, corremos rapidamente para encontrar com a rainha. Infelizmente, tivemos que passar por toda aquela burocracia exaustiva de sempre, nos deixando ainda mais ansiosos.
— Rainha Melissa! — gritei arrombando sua porta, gentilmente, é claro.
Akira se curvou com respeito, mostrando lealdade.
A rainha estava virada para seu grande painel de vidro, observando a cidade vazia brilhando sob o luar.
— Nossa! Vocês vieram rápido — se voltando para nós.
Nosso amigo permanecia de cabeça baixa, enquanto isso, nós tentávamos segurar o riso o máximo que podíamos.
— Mas não precisam se curvar nem nada — com seus belos olhos gentis em esmeralda, afirmou — Não ligo pra essas coisas.
Assim que a mesma revelou, Noelle e eu ficamos sem ar de tanto rir.
— O QUÊ? VOCÊ DISSE QUE ELA ERA EXIGENTE E TIRANA!
— Oh! Então foi isso? — Melissa sorriu.
— Você tem que parar de ir na onda dessa garota! — resmungou olhando para Noelle.
— Hahaha! Tinha tempo que não vinham pessoas tão bem humoradas aqui!
— Por favor… — suspirou em uma súplica — não da corda pra ela…
— Certo, certo — respondeu em um tom leviano — então vamos ao motivo pelo qual os chamei aqui.
— Tem uma missão para nós, não é? — perguntei.
— Precisamente — ela deu a volta em sua mesa, rapidamente abrindo uma gaveta logo abaixo.
Melissa vasculhou por alguns breves segundos, em seguida, sem aviso, lançou um pequeno objeto no formato de um losango. O objeto pousou suavemente em minha mão como se fosse uma folha de papel.
— O que é isso? — perguntei confusa.
— Um pedido de ajuda — de repente, um ponto azul brilhou em uma das vértices do losango.
Projetando uma tela, um texto começou a ser transcrito bem na nossa frente.
“A-Alô?” uma voz ofegante e assustada saiu de dentro do dispositivo, acompanhando o texto “Se alguém estiver ouvindo isso, por favor, mande ajuda! Nebuloria está em perigo!”
— Nebuloria… — Noelle demonstrou um leve interesse no caso.
— Ele parecia apavorado… — comentei — quem era?
— O remetente não se identificou, mas a mensagem veio de um vilarejo perto de Nebuloria. Também existem boatos de que o Governante de lá está cooperando com demônios, provavelmente para revelar a localização do Etheris.
— Etheris?
— Sim, um dos 4 livros selados ao redor do mundo.
— Já ouvi falar disso… acho que consigo imaginar porque nos chamou aqui.
— Existe a possibilidade de ser apenas as lamentações de um cidadão comum, mas não podemos arriscar.
— Ei, ei, ei! Espera aí! — interrompeu Akira — Tá dizendo que vai deixar algo desse tamanho nas nossas mãos?
— Shryne está em um momento complicado agora. Não temos como nos mobilizar assim tão descuidadamente — com um olhar intimidador, o verde em seus olhos se escureceu, atingindo diretamente o nosso orgulho — Por acaso isso seria de mais para vocês?
Cada um de nós sentiu o desafio proposto por Melissa, até mesmo o covarde do meu amigo.
— Há! De jeito nenhum — esbravejei prontamente — Pode deixar com a gente.
— Que ótimo! — sua face gentil voltou a tona — Sabia que vocês aceitariam.
Saindo de trás da mesa, andou até nós carregando uma maleta em suas mãos.
— Aqui está! — colocando-a em minhas mãos — Vão precisar disso! Vocês foram treinados pelos melhores magos de Shryne, aqueles puseram os demônios para correr no meio da guerra. Vão se sair bem — nos incentivou olhando no fundo dos nossos olhos.
Agora, com uma grande responsabilidade em nossos ombros, partimos para Nebuloria no dia seguinte. Para facilitar a viagem, Galliard abriu uma fenda no espaço, nos levando para o destino em segundos.
— Sabia que ele podia fazer isso? — perguntei para sua aprendiz.
— Sabia — respondeu sem muita surpresa.
— Tsc — Akira bufou — Esperava pelo menos ter tempo pra conversar com o meu mestre.
— Nem esquenta! Mais cedo ou mais tarde você o encontra. Mas agora temos mais o que fazer!
Olhando de longe, avistei a grande capital, brilhante e cintilante mesmo durante o dia, tal qual Las Vegas. Meus olhos logo brilharam, empolgada para me divertir um pouco no lar dos demi-humanos.
- Mortalha é um paninho que envolve o defunto[↩]
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