Capítulo 3: A escrava e o captor
Fui arrastado para um vasto laboratório esculpido em pedras ásperas e imundas, onde o ar pesado estava impregnado de um odor repulsivo — uma mistura sufocante de produtos químicos, sangue velho e carne em decomposição. No centro do teto, um enorme candelabro de ferro sustentava inúmeras velas que lançavam uma luz bruxuleante e instável sobre o ambiente.
O aposento se abria em uma estrutura circular, como um anfiteatro macabro, com uma plataforma elevada rodeando uma parte inferior. Na parte superior, duas longas bancadas de pedra abrigavam uma coleção desordenada de instrumentos que julguei serem para alquimia: tubos de vidro de tamanhos variados, recipientes com líquidos coloridos, e uma infinidade de aparatos desconhecidos e estranhos.
Em uma das bancadas, repousavam os restos desfigurados de uma criatura presa a correntes grossas, como se tivesse morrido em meio a um procedimento de dissecação interrompido. Atrás das bancadas, estantes repletas de frascos de vidro exibiam amostras e fragmentos de criaturas submersos em líquidos turvos. A camada de poeira nos frascos era tão densa que agradeci por não conseguir discernir os detalhes do que havia dentro.
Na parte mais baixa, no centro, um altar rudimentar estava manchado com sangue em vários estágios de coagulação, quase formando uma camada escura e repulsiva. Na cabeceira desse altar, uma pedra escarlate se destacava, irradiando uma energia estranha e perturbadora.
A mana que emanava daquela pedra era diferente de tudo o que eu já tinha sentido. Onde a mana comum trazia uma sensação de calor e vitalidade, essa exalava uma frieza pegajosa e opressiva, lembrando um óleo denso e corrupto. Observando mais de perto, percebi uma rachadura minúscula na superfície da pedra, de onde a energia escura parecia vazar lentamente, como um veneno liberado gota a gota.
Fui conduzido até uma escrivaninha na plataforma superior, onde pilhas de livros encapados em couro se amontoavam ao lado de diagramas de círculos mágicos complexos e desenhos detalhados de dissecações recentes, claramente traçados pela mão da criatura obesa.
Ela se acomodou à minha frente, lambendo os lábios com um prazer sádico, seus olhos opacos brilhando de antecipação.
A figura encapuzada colocou a mão direita na testa, em um gesto reverente.
— Sou Drael, humilde discípulo do grande mestre Mahteal, o Corruptor.
Os esqueletos mantinham-me preso, segurando-me pelos ombros enquanto ele continuava:
— Tivemos realmente sorte com sua aparição. Estamos há muito tempo tentando criar um corpo adequado para o mestre. Precisávamos de um humano… e você apareceu, respondendo nossas preces.
Ele se levantou e, de dentro de seu manto, retirou uma adaga. Um dos esqueletos ergueu minha mão esquerda, expondo meu pulso. Com um movimento rápido e preciso, ele cortou fundo a pele. O sangue começou a escorrer, mas Drael prontamente recolheu-o em uma cuia de bronze antes que pingasse no chão.
— Isso basta por enquanto — comentou, guardando a cuia. Ele me estendeu um pequeno frasco com um líquido denso. Eu o encarei, hesitante, o que o fez continuar com uma expressão de impaciência.
— Beba. É uma poção de cura. Mortos-vivos não podem usar magia de cura, apenas poções. Ou acha que quero que você morra de infecção ou exaustão? Você ainda é valioso, garoto.
Ele então se virou para os esqueletos e ordenou:
— Levem-no. Deem-lhe comida e água decentes. E tragam o orc; vamos finalmente usá-lo.
Os esqueletos me arrastaram de volta à cela. Quando chegamos, eles entraram antes e cercaram o orc, que os fitou com um olhar feroz, soltando um grito em sua língua e brandindo o osso que usava para bater nas grades. Por mais que fosse grande e forte, seu corpo estava debilitado, e o número de inimigos o tornava impotente. Ele foi dominado e arrastado para fora, ainda lutando.
Ao invés de me jogarem de volta, um dos esqueletos sinalizou para que eu entrasse. Quando passei pela entrada, vi a garota raposa me observar com olhos arregalados, como se não conseguisse processar o que estava vendo. Caminhei até a parede oposta e me sentei, olhando para ela com um sorriso provocador.
— Acho que você não esperava me ver de novo, não é?
De maneira curiosa, a garota raposa balançou a cabeça e se aproximou cautelosamente, como uma criança tímida ao encontrar algo estranho.
— O que aconteceu? Como você escapou? Não conheço ninguém que tenha ido lá e voltado.
— Ganimedes — apresentei-me, estendendo a mão de forma automática.
Ela hesitou por um instante, os olhos cor de mel focados na minha mão, como se não entendesse o gesto.
— Nix — respondeu, aproximando-se ainda mais, inclinando-se para cheirar minha mão. Senti o rosto esquentar; era estranho, mas ao mesmo tempo, aquilo parecia um reflexo natural para alguém como ela. Depois de um momento embaraçoso, ensinei-a o aperto de mãos, rindo da maneira curiosa com que ela se esforçava para copiar o gesto.
Enquanto ela estava mais próxima, pude observar Nix com mais atenção. Embora seu tamanho me tivesse feito pensar nela como uma criança a princípio, notei agora que era uma mulher, formada e robusta. Era apenas um pouco mais baixa do que eu, com longas orelhas de raposa que se inclinavam sutilmente em minha direção e uma cauda espessa e felpuda que se movia de forma inquieta. Seus olhos, de um tom mel quase dourado, refletiam uma mistura de fascinação e cansaço. Ao sorrir, percebi que seus caninos eram mais pontiagudos, acentuando ainda mais sua aparência peculiar. Em sua testa, ela carregava uma pequena marca, a marca deixada por um contrato de escravidão mágico.
Resumidamente, expliquei o que tinha acontecido na sala do necromante, omiti alguns detalhes mais sombrios, mas deixei claro que ele parecia precisar de mim vivo, pelo menos por enquanto. Em seguida, perguntei-lhe o que sabia daquele lugar. Precisava de todas as informações possíveis para bolar algum tipo de plano de fuga.
Ela me observou com cautela, como se ponderasse até onde podia confiar em mim, mas logo começou:
— Não sei muito sobre o que há além dessas paredes. Fui trazida por um mercador de escravos, que me capturou em Alkaria, minha terra natal. Ele achava que seria bem pago… mas foi um dos primeiros a morrer. — Um brilho sombrio passou por seus olhos. — Tentei escapar uma vez, mas fui pega. Nós, vulpinos, temos um pouco de magia que nos ajuda a abrir fechaduras, mas ao chegar lá em cima… — Ela estremeceu. — Há um depósito inteiro de esqueletos. Os que ele usa aqui são só uma pequena parte.
Ela continuava a falar, mas fomos interrompidos pelo som metálico das ferragens. Os esqueletos voltaram, trazendo uma coberta velha e uma troca de roupas secas, mas visivelmente gastas. Ao ver uma cuia de mingau quente nas mãos de um deles, o aroma reconfortante imediatamente me fez sentir mais desperto. Eles também carregavam um jarro de água, cuja visão me provocou uma sede cortante.
Entretanto, antes que pudessem me entregar qualquer coisa, um dos esqueletos voltou-se para Nix. Vi o pânico surgir em seus olhos, e num impulso, tentei me interpor, mas fui contido antes de poder dar um passo.
— Não… não… — sussurrava Nix, as orelhas abaixadas e o corpo encolhido. Foi então que notei um dos esqueletos trazendo um estranho cetro — um pedaço de madeira negra e retorcida, adornado com um pequeno crânio. Duas pedras verdes brilhavam nas órbitas vazias.
O esqueleto levantou o cetro, e no instante seguinte Nix ofegou, como se algo estivesse sendo arrancado dela. Uma névoa prateada escapou lentamente de sua boca e narinas, sendo sugada pelo crânio no topo do cetro. As pedras esverdeadas pulsaram intensamente até emitirem um brilho inquietante, e então, como uma marionete sem cordas, Nix desabou no chão, pálida e sem forças.
Assim que os esqueletos deixaram a cela, corri até ela. Verifiquei se ainda respirava, aliviando-me ao sentir o leve movimento de seu peito subindo e descendo. Mas seu corpo estava frio, e a respiração, superficial.
Puxei-a cuidadosamente para mais perto da parede, onde nos encostamos. Enrolei-a na coberta e dividi o mingau e a água com ela, tentando animá-la de alguma forma. O calor da comida parecia devolver um pouco de cor à sua pele, e uma expressão mais tranquila surgia em seu rosto, ainda que estivesse inconsciente.
Apertei minhas mãos com força para conter a raiva que ardia em mim. Precisava de um plano — e rápido.
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