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    Três semanas haviam se passado desde minha primeira vez no laboratório. Cada procedimento me deixava mais forte, mais rápido. Meu novo corpo era uma obra-prima. Eu ainda não sabia exatamente o que estava sendo feito comigo, mas uma coisa era certa: o circuito de mana quebrado, minha antiga limitação, estava consertado, parecia ter sido esculpido em meu corpo com precisão cirúrgica. Não era só minha carne que Drael havia alterado; parecia que ele havia esculpido minha própria alma.

    Mudanças haviam sido feitas em todo o meu corpo. Ossos, músculos, tendões, até mesmo meu sangue — agora de um vermelho mais vivo e denso. A cada nova operação, ele ia modelando uma versão minha que eu mal reconhecia. Naquele laboratório precário, Drael conseguia realizar um feito que não poderia ser copiado nem mesmo entre os maiores pesquisadores do Império humano.

    Com o tempo, Drael passou a me tratar com uma cortesia sombria. Dez dias atrás, ordenara que colocassem uma cama em nossa cela e nos forneciam três refeições diárias, tanto para mim quanto para Nix. Em um dia especialmente estranho, mandou até que levassem uma tina de banho com água quente e sabão, permitindo que nós dois nos lavássemos. Era como se o “mestre” estivesse ansioso por nossa gratidão, ou algo ainda mais obscuro. Na presença dele, Nix e eu agíamos com uma lascividade fingida que ele parecia apreciar, mas, mesmo com a marca de escrava, eu mantinha a promessa de respeitar seus limites e sua autonomia, algo muito valorizado pelos Therians, como os homens-besta se chamavam, conforme ela me contou.

    Nix, por sua vez, aceitava a marca, mas eu havia prometido a ela que a libertaria quando tudo terminasse.

    Ela estava ao meu lado, removendo cuidadosamente as ataduras de meu rosto. A última intervenção, feita dois dias antes, envolvera minha cabeça e meu rosto, deixando-me apreensivo com o que eu poderia encontrar.

    — Não está feio, não — ela disse com um sorriso, examinando meu rosto descoberto. — Você não parece mais você… está até mais bonito, na verdade. — Ela completou, selando suas palavras com um beijo em minha testa.

    — Precisamos agir hoje — falei, com um senso de urgência. — No máximo em um ou dois dias ele vai completar todo o experimento. Sempre me dão uns dias para me recuperar, e amanhã completa três dias da última cirurgia.

    Observando o lugar e suas rotinas, notei que Drael ficava letárgico durante o dia, provavelmente descansando, se é que mortos-vivos chamavam isso assim. Nesses momentos, ele se trancava em sua câmara, enquanto os esqueletos assumiam uma patrulha mais passiva. Talvez exigisse menos de sua concentração. Esse detalhe me levou a ajustar o plano.

    Agora, nosso plano era que eu atraísse as patrulhas de esqueletos, enquanto Nix aproveitaria a distração para entrar no laboratório e tentar danificar a joia que continha a consciência de Mahteal, o tal mestre. Logo na primeira vez que vi a joia, notei uma rachadura, algo que parecia escapar por ela. Se causássemos mais danos, minha esperança era que a consciência desse “mestre” fosse prejudicada, talvez até destruída.

    Nix foi até a porta e abriu a cela. Antes de sairmos, sussurrei:

    — Não se esqueça… conte até 100 antes de sair para o laboratório. O osso está aqui. Tente quebrar o máximo possível daquela joia. — Ela assentiu com um olhar determinado, e então eu parti.

    Corri na direção oposta do laboratório, pisando forte e provocando o máximo de barulho para chamar a atenção dos guardas esqueléticos. Cada passo meu ecoava pelas paredes úmidas e sombrias do calabouço. Esperava deixar o caminho livre para a garota fazer sua parte.

    Cheguei ao fim de um corredor, sem nenhuma saída visível. Atrás de mim, os passos cadenciados dos esqueletos ressoavam, aproximando-se como uma muralha implacável. Eles vinham bloqueando todas as rotas de fuga, me cercando. Mas eu sabia que precisava atrasá-los — qualquer segundo ganho poderia ser o suficiente para Nix cumprir nossa parte do plano. Tudo que eu queria era afastar qualquer suspeita dela, fazer com que minha pequena “rebelião” se limitasse a mim, não queria que ela sofresse nenhuma retaliação.

    Os primeiros esqueletos vieram para cima. Meu corpo, revitalizado, respondeu sem hesitação: meus punhos golpeavam e as ossadas explodiam, como se fossem frágeis, sem qualquer resistência real. Era uma força que jamais imaginei possuir, algo quase inacreditável. Meu novo corpo era uma máquina de combate. Sentia-me invencível enquanto a mana circulava em minhas veias. Me sentia indestrutível.

    Foi então que ouvi a voz seca e mordaz de Drael ecoando pelo corredor.

    — Pare com isso, é inútil.

    Olhei para frente, e ali estava ele, parado, seu rosto em um sorriso debochado. Uma de suas mãos segurava Nix pelos cabelos, e ela se debatia, as orelhas achatadas de dor. A visão dela naquela posição foi como um golpe direto em meu peito. Senti minhas forças oscilarem por um momento, como se a simples presença de Drael fosse suficiente para drenar qualquer esperança de vitória.

    — Você realmente achou que eu estava alheio aos seus planos? — ele disse, com um tom de diversão que só servia para aumentar a minha sensação de impotência.

    O chão parecia desaparecer sob meus pés. Os esqueletos ao redor me agarraram com firmeza, suas mãos de ossos apertando meus braços e ombros, enquanto a voz de Drael sussurrava com aquele tom cruel.

    — Sabe o que é preciso para destruir uma consciência? A gente dá um pouco de esperança… só para arrancá-la de uma vez. Quebrar o espírito de alguém é tão mais eficaz do que quebrar seus ossos.

    Drael me observava com aquele olhar vazio e desdenhoso, e eu podia sentir o brilho de prazer sombrio que ele extraía de cada segundo. Eu olhei para Nix, impotente, e ela me encarou de volta, o rosto lavado de lágrimas. Mesmo que se debatesse, ela parecia já saber que era inútil. Um sentimento de culpa e desespero tomou conta de mim, era como se tudo que havíamos feito fosse apenas uma ilusão, nosso breve sonho de liberdade foi desfeito em segundos.

    O sorriso macabro de Drael se alargou.

    — Sabe por que eu deixei sua “amiguinha” viva até agora? — ele perguntou, com uma entonação que fez meu coração vacilar. — Por que eu a dei para você? Não foi por acaso, tolo. Cada um de vocês tem um papel a cumprir. Assim como o corpo de um humano é maleável, e aceita minhas intervenções, a alma de um therian é forte… Ela é o combustível para que meu mestre retorne. A consciência dele precisa de energia suficiente, e ela é perfeita para isso.

    O rosto de Nix assumiu uma expressão de pavor absoluto. Eu queria gritar, fazer qualquer coisa para tirá-la dali, mas meus músculos estavam presos, minha voz estrangulada na garganta. Drael me observava com aquele olhar odioso, deleitando-se na minha impotência.

    Ele virou-se para sair, arrastando Nix com ele.

    — Levem-no — ordenou aos esqueletos, que me puxaram com brutalidade. — Está na hora de trazer o mestre de volta.

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