O elevador descendia dos andares mais altos do edifício Iovem, e a visão panorâmica da cidade se aproximava cada vez mais do solo. Tyx estava encostado na parede, observando o sol e veículos voando à distância, através do céu azul.

    Antes de passar pelo térreo, a escuridão tomou conta do local, que agora era iluminado apenas pela luz artificial do teto. O elevador parou por um minuto ao chegar ao andar zero, mas logo continuou a descer, e o marcador de andares passou a mostrar números negativos.

    A lenta descida prosseguiu na escuridão até o décimo andar negativo, onde Tyx conseguiu finalmente ver através das paredes de vidro a Acrópole se desdobrando em uma vasta cidade invertida.

    O subterrâneo se perdia em uma escuridão profunda, enquanto luzes distantes piscavam como estrelas, revelando construções que desciam em direção ao desconhecido.

    Os prédios não apenas se erguiam para a superfície — eles mergulhavam nas profundezas da terra, cada estrutura parecendo ter vida própria. Diversas plataformas estavam espalhadas onde funcionários realizavam manutenção nos enormes pilares que sustentavam essa parte subterrânea da cidade. As colunas eram colossais e resistentes, como pilares que sustentavam o mundo.

    Os trilhos luminosos serpenteavam pelo espaço como veias pulsantes, conectando diferentes setores e permitindo um fluxo constante de pessoas e mercadorias. O ar artificialmente fresco envolvia-o enquanto sons distantes de maquinários preenchiam o ambiente vibrante. 

    Tyx olhou para baixo, encarando a escuridão do abismo que o rodeava. Seu corpo estremeceu e ele recuou e se encostou próximo à porta, fechando os olhos e respirando fundo.

    — Como eu detesto esse lugar…

    Quando as portas se abriram, ele adentrou por corredores vazios e metálicos que tinham linhas coloridas desenhadas, indicando diversos destinos. Ele prosseguiu em direção da linha azul, que segundo as placas, o direcionava para setor ECHO.

    Tyx caminhou até chegar a uma plataforma com base de metal e vidro ao seu redor, repleta de elevadores, mas não havia nenhum neste andar. Então, ele apertou o botão para chamar um deles e encarou a baixa velocidade que o indicador demonstrava o andar atual.

    — Tudo aqui tem que ser tão demorado?

    Suspirando, ele apertou os botões de outros elevadores mais próximos, estes, porém, também se moviam lentamente até o andar atual. 

    — Já que não tem ninguém…

    Ele pegou sua carteira de cigarros, mas viu a câmera no canto da sala. Estalando a língua, Tyx acenou com a cabeça para a câmera, guardou a carteira de cigarros e apontou para um aviso de ‘proibido fumar’, fazendo em seguida um sinal de afirmativo com o polegar.

    O elevador chegou após um tempo e ele o adentrou, descendo pela vasta escuridão em direção ao centro do setor ECHO que no momento se demonstrava como um enorme conglomerado de estruturas retangulares metálicas e com vidraças iluminadas que se destacavam na escuridão.

    — E lá vamos nós de novo… — ele disse ao encarar a escuridão e se escorar novamente para se distanciar do vidro.

    Karoline caminhava por corredores compostos por passagens retangulares, predominantemente metálicas, com um teto alto que refletia a luz suave dos painéis de LED nas laterais. A parte superior era feita de aço ultra inoxidável, enquanto a parte inferior era revestida por uma fibra plástica resistente, com minúsculas frestas nos cantos que permitiam a ventilação e mantinham o ambiente fresco.

    À medida que avançava, ela olhou para as telas nas paredes que exibiam dados sobre a temperatura do ambiente, um pequeno mapa de localização que identificava como setor ECHO e algumas notícias do dia. As informações sobre eventos na superfície e atualizações das operações da Acrópole piscavam em cores vibrantes.

    Ela parou momentaneamente para checar uma das telas, deslizando o dedo sobre a interface para traçar o caminho que deveria seguir. 

    — Tyx…

    Retirou o celular do bolso e observou novamente a mensagem de Tyx, encarando-a com uma expressão levemente aflita. 

    — O que você quer comigo? — ela teclou algo no celular, o guardou e seguiu pelo caminho ao encontro de Tyx.

    Em uma sala de tamanho médio havia lâmpadas brancas no teto, um chão de aparência amadeirada, estantes de livros em cada lado da sala, duas poltronas em frente a uma mesa grande de madeira no centro com várias pastas espalhadas, papeis, um notebook e um cinzeiro com vários cigarros. 

    Tyx já estava estendendo seu sobretudo, agora demonstrando seu colete social que já parecia antigo por conta de alguns fiapos soltos. Ele ajustou as mangas e sentou-se, abrindo o notebook que estava sobre a mesa e conectando um dispositivo USB.

    Ele olhou inicialmente com seriedade para a tela; após teclar algumas teclas, ele sorriu, e estalou os dedos e o pescoço.

    — Hoje vai ser um dia bem trabalhoso…

    Ele se manteve acessando o notebook por cerca de uma hora, fumando esporadicamente em meio esse tempo; até o momento que notou que ao lado da porta havia um LED piscando em amarelo. Então ele fechou o notebook, retirou o dispositivo USB e o colocou em uma gaveta, e se levantou em direção à porta.

    Karoline esperava em frente a porta metálica encarando-a com os lábios comprimidos, até que enfim ela se abriu no meio revelando Tyx.

    — Pode entrar. — disse ele ao recuar e estender o braço.

    Karoline assentiu e adentrou a sala observando todo o ambiente com curiosidade.

    — Bom dia, Defensor Tyx. — Karoline disse inicialmente com um sorriso, mas tapou rapidamente o nariz com dois dedos. — Você gostaria de falar comigo…?

    Ao perceber o gesto da jovem, Tyx retirou um tipo de smartphone do bolso e por ele ativou uma função que começou a ventilar a sala e a remover lentamente a fumaça.

    — Não precisa do Defensor; heh, você fala como se não me conhecesse. — Tyx respondeu enquanto apagava o cigarro no cinzeiro. — Por favor, sente-se.

    A jovem se sentou em uma das poltronas, olhando ao redor enquanto Tyx organizava a mesa.

    — Pensei que a fumaça não a incomodasse.

    — Realmente não me incomoda. — Karoline respondeu encarando o cinzeiro. — É o cheiro do cigarro que eu não gosto.

    — É impressionante o que um aprimorado da “alta escala” é capaz. — Tyx disse ao pegar o cinzeiro e o guardar em uma gaveta. — Mas continue assim, fumar é péssimo para a saúde.

    — Então por que você continua fumando? 

    — É porque eu sou um fraco hehe. — Tyx respondeu com um sorriso torto.

    Com um aerossol, ele perfumou a sala após guardar o cinzeiro, deixando-a com um cheiro de lavanda. 

    — Bom, senhorita Crawford, desculpe-me pela bagunça; normalmente eu nem sequer desço aqui. — Tyx disse, olhando para os aparatos tecnológicos do local e a parede de metal. — É tudo muito… artificial.

    — Não tem problema. — Karoline respondeu, fazendo um leve gesto apaziguador com a mão e sorrindo com os olhos fechados. — É até interessante ver esse seu lado, afinal é difícil saber como você é realmente sempre atrás daquela máscara.

    — É claro, apenas não diga para o seu pai, caso contrário, ele vai me fazer descer aqui todo santo dia.

    Karoline riu de forma contida ao colocar uma mão sobre a boca, em seguida apenas concordando com a cabeça.

    — Mas por que você nunca tira esse visor? Eu acho que nunca te vi sem ele…

    — É que meu olhar é muito penetrante, imagina quantos admiradores eu teria por aí. — Tyx respondeu desviando o olhar ao guardar o aerossol.

    — Hum hum…

    Karoline apenas se expressou com as pálpebras levemente caídas e um tom de incredulidade.

    — Enfim, acredito que as últimas semanas devem ter sido complicadas para você, não?

    — Então é por isso que você me chamou… — Karoline contraiu os lábios e respirou fundo, em seguida demonstrando um olhar sincero de culpa. — Eu sei que tomei uma decisão estúpida—foi minha culpa ser tão impulsiva e prometo que não vai acontecer novamente…

    A jovem prestou seu discurso, com as mãos juntas sobre os joelhos e a cabeça abaixada. Tyx a observou por um momento, massageando o cavanhaque com os dedos.

    — Palavras do seu pai?

    Karoline se manteve em silêncio, encarando seus dedos entrelaçados enquanto seus lábios se arqueavam levemente para baixo. Tyx suspirou, acenando levemente com a cabeça e inclinando-se em sua cadeira.

    — Sei que seu pai não mede as palavras, mas ele também não mente. — Tyx disse com um tom de voz mais sério. — É importante que você entenda que nossas ações sempre têm o dobro do efeito, seja para o bem ou para o mal.

    — Eu entendo. Sinto muito.

    — Porém, eu não a convoquei aqui para lhe lecionar. — Tyx respondeu ao se inclinar na cadeira para trás. — Na verdade, é quase o contrário…

    — O que quer dizer?

    — Quero que você volte a atuar como Convergente.

    Uma das sobrancelhas da garota se levantou e seus olhos não pareciam compreender.

    — Mas minha licença foi revogada pelo meu pai; eu não posso atuar como heroína… você sabe disso, não é?

    Karoline respondeu apertando os joelhos com os dedos, enquanto Tyx apenas demonstrou um sorriso torto.

    — De fato, você tem razão; entretanto, eu preciso que você lidere uma equipe de ajudantes. E como você deve saber…

    Tyx segurou sua fala, estendendo a mão em direção a Karoline e esperando que ela terminasse sua sentença.

    — Você precisa de um herói para liderar uma equipe…? — ela respondeu com uma expressão confusa. — Eu entendo, mas mesmo se meu pai restaurasse minha licença, eu retornaria como heroína de graduação inferior.

    — Não se preocupe; eu já conversei com o Visionário sobre isso e acredite ou não, consegui convencê-lo a reintegrá-la com a mesma graduação que você portava.

    Karoline demonstrou um enorme e lindo sorriso com cada palavra que ela escutava, levantando-se e apertando a mão direita de Tyx com as duas mãos, balançando-a energeticamente.

    — Sério!? Muito obrigado, Sr. Tyx! Eu não irei decepcioná-lo!

    Tyx deu dois leves tapas nas mãos da garota, que o soltou em seguida. Ele arrumou o chapéu que havia saído do lugar durante a agitação. 

    — Calma garota! Mas saiba que acredito bastante no seu potencial, por isso escolhi você. — Tyx disse com um sorriso leve no rosto. — Mas lembre-se: no momento, você só tem permissão para utilizar suas habilidades em treinamentos aqui na Acrópole.

    — Eu pensei que você tinha revigorado minha licença…

    — De fato eu fiz, porém, você deve entender que isso é um processo burocrático e levará tempo. Então é importante que você não seja vista utilizando suas habilidades em público; por enquanto, apenas treine em nossas instalações.

    Karoline observou Tyx com um olhar desconfiado e depois abriu um leve sorriso forçado enquanto olhava para suas mãos que abriam e fechavam.

    — Tyx, posso ser completamente honesta com você?

    Tyx apenas se manteve calado, acenando positivamente com a cabeça.

    — Sabe? Desde criança, meu pai não costumava conversar muito comigo. Era apenas treinamento e mais treinamento… 

    A jovem disse com a voz calma, inicialmente olhando em direção ao chão.

    — Mas eu costumava perguntar a ele sobre os outros Defensores. Às vezes ele me contava sobre a força do Titan, a inteligência do Visionário e as habilidades da Amazona, principalmente quando ela parou um tornado imenso…

    Tyx se manteve calado, observando o discurso de Karoline, que levantou completamente seu olhar e encarar o visor de Tyx com seriedade 

    — Mas ele mencionou você apenas uma vez… Ele me contou sobre o dia em que você salvou a vida do Visionário e perdeu parte de suas duas pernas por conta disso.

    Tyx inclinou levemente a cabeça para baixo ao escutar a garota, em um limite que ela não sabia se estava encarando onde estariam seus olhos ou apenas o visor.

    — Eu sinceramente achei seu ato incrível e que você era um grande herói, mas meu pai disse que você não fez isso porque era certo ou porque o Visionário era seu amigo, mas apenas porque fazia parte de sua missão…

    Neste momento, Tyx abaixou mais a cabeça, escondendo seu rosto completamente com o chapéu.

    — Ele nunca gostou muito de você e me disse para não me aproximar de você e nunca confiar completamente em suas palavras, pois você não faz algo pensando nos outros, mas sim em um objetivo. 

    Karoline disse encarando a figura de Tyx que agora ajustava levemente o seu chapéu. 

    — Eu gostaria que você fosse claro comigo como eu fui com você, Tyx. Qual é seu objetivo? Caso você não me diga, eu irei mostrar tudo o que você me disse para meu pai.

    A jovem demonstrou seu celular que estava em uma gravação de mais de vinte minutos. 

    Tyx se manteve completamente parado por um momento, observando os olhos esverdeados de Karoline que o encarava firmemente. Então ele sorriu, assumindo uma postura ereta na cadeira, retirando seu cinzeiro da gaveta e colocando-o sobre a mesa novamente.

    — Acredito que não existe outra maneira de prosseguir com você se não for de seu jeito, não é?

    O tom de voz austero de Tyx cortou o silêncio enquanto ele acendia um cigarro, inclinando-se para a frente e apoiando o cotovelo sobre a mesa. Karoline o encarou, fechando os punhos enquanto a figura de Tyx estava à sua frente, então ela negou com a cabeça.

    — Tudo bem… eu quero que você seja a minha Dama.

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