Capitulo 12: Seda Vermelha
Eu e Nix passamos o dia juntos, em meio a risadas e conversas leves. Eu a mimava, tentava distraí-la, enquanto procurava uma maneira de explicar e convencê-la a me deixar ir sozinho ao compromisso marcado no Seda Vermelha. Ela, no entanto, sabia bem como apelar para minha culpa. Me olhava com aqueles olhos brilhantes e inocentes, o biquinho tremendo de quem está prestes a fazer um drama.
Finalmente, soltou um suspiro exagerado, o lábio trêmulo:
— Se você tem que ir… vá logo resolver seus problemas…
Ela se levantou, caminhando de forma provocante, sua cauda balançando, até a mesa do quarto. Pegou uma faca e uma das salsichas que estavam em um prato ali em cima, e, com um olhar frio e calculado, cortou a salsicha ao meio, olhando em seguida diretamente para minha virilha. Engoli em seco.
Quando a noite caiu, me informei sobre sua localização e saí. O Seda Vermelha estava em um prédio imponente, de três andares, construído em pedra e cimento, com pesados tecidos vermelhos pendendo das janelas e ondulando ao vento. A entrada era guarnecida por um leão de chácara que, ao me ver, assentiu como se já estivesse me esperando.
— Alcova número três — disse, sem rodeios, e me permitiu a passagem.
O salão era iluminado por uma meia-luz. Balcões espalhados serviam bebidas refinadas, e mulheres seminuas, a maioria elfas e humanas, circulavam entre os clientes, trocando sorrisos e brincadeiras. Em um pequeno palco central, uma bela mulher dançava provocantemente. Guardas corpulentos permaneciam discretamente posicionados, atentos a cada movimento. Ao abordar uma das garotas e perguntar sobre a alcova número três, ela lançou um olhar curioso, pegou minha mão e me conduziu por uma escadaria larga, que levava a um mezanino. Ao chegarmos, ela abriu uma cortina de veludo, revelando uma pequena sala reservada.
Entrei na alcova privada, ainda me sentindo desconcertado com a atmosfera carregada do Seda Vermelha. O aroma denso de tabaco e incenso pairava no ar, e meus sentidos estavam atentos a cada detalhe ao meu redor.
Sentada em um divã, com um porte elegante e enigmático, uma elfa negra de beleza estonteante me observava. Seus cabelos prateados caíam em ondas até suas costas, destacando ainda mais a pele escura e os traços refinados. Ela tragava lentamente um cachimbo de jade, longo e ornamentado, e as brasas vermelhas iluminavam de forma sutil seu rosto perfeito. Suas pernas à mostra estavam cruzadas de maneira calculadamente provocante. Seu decote, mostrava o suficiente de seus fartos seios para endoidecer um homem. O olhar penetrante que ela lançou sobre mim foi o suficiente para me deixar nervoso e um tanto vulnerável. Ela parecia ler todos os pensamentos que eu tentava esconder. Ao seu lado, postado como uma sombra silenciosa, o ladrão encapuzado que me atacara no beco permanecia em pé, com os olhos semicerrados, como se analisasse cada um dos meus movimentos.
Ela sorriu ao notar minha reação ao ver o capanga, como se estivesse se divertindo.
— Sente-se, jovem mestre — disse ela, com uma voz aveludada e cheia de nuances que me fez arrepiar. — Estava ansiosa para conhecê-lo pessoalmente.
Sentei-me, tentando manter o máximo de compostura. A postura dela era de alguém que estava acostumada a dar ordens, e cada gesto parecia calculado para exercer controle. Quando percebeu minha tensão, ela riu de leve e inclinou-se um pouco mais para a frente, seus olhos prateados reluzindo na penumbra.
— Pode me chamar de Lady Selune — disse, em um tom baixo, cheio de mistério —, ou apenas Selune, se preferir.
Antes que eu pudesse responder, ela me disse:
— Aposto que está curioso sobre o motivo de eu ter chamado você aqui, não é?
Assenti e respondi:
— Por favor, Lady Selune. — Enfatizei o “Lady” para mostrar que eu não a trataria como amiga naquele momento. Ela tragou de seu cachimbo e sorriu, entendendo a minha ressalva.
Uma das moças seminuas entrou trazendo uma bandeja com uma bebida. Aceitei.
Selune pousou o cachimbo em uma mesa lateral e, com um suspiro, começou:
— Vou lhe contar uma história… Era uma vez uma jovem e promissora maga élfica. Seu nome? Ah, isso não importa… Ela chegou à terra dos humanos como escrava, há muitos anos. Logo perceberam suas habilidades e potencial mágico, então a levaram a uma prestigiada escola de magia e até lhe concederam cidadania. Acredite se quiser. Essa maga era extraordinária, fantástica, incrivelmente talentosa e muito modesta. Superava todas as expectativas, e os professores disputavam por tê-la como discípula.
— Mas um dia, ela encontrou uma obra antiga e obscura na biblioteca, esquecida em uma prateleira. Fascinada, começou a estudar aquele volume. Experimentou uma coisa nova, uma nova forma de energia, e uma tragédia aconteceu. Sua mana, antes pura e cristalina, tornou-se negra e corrompida. Sempre que tentava canalizar magia, o miasma surgia em seu lugar. Ela não conseguia mais usar mana para alimentar seus feitiços. Os professores que antes a disputavam se afastaram horrorizados, murmurando “miasma”. Diziam que apenas os necros manipulavam o miasma, e que necros eram inimigos da humanidade.
Selune fez uma pausa, me analisando, antes de prosseguir:
— Acusada e ameaçada, ela fugiu. Aprendeu a sobreviver entre os marginalizados, roubando, mentindo, enganando… vendendo o corpo, às vezes, para ter o que comer. Com o tempo, a mana corrompida afastou sua verdadeira paixão, a magia, pois onde o miasma circula, pessoas adoecem, plantas definham, e até os mortos começam a se erguer, ela não podia mais circular sua mana. Você entende, agora, por que chamei você aqui? — Ela me olhou profundamente, esperando uma reação.
— Podemos nos ajudar mutuamente, Lior… ou seja lá quem você for. O que me diz? — Ela perguntou, com um tom persuasivo.
Olhei para o capanga encapuzado atrás dela. Sabia que não poderia esconder minha própria habilidade em usar miasma, então perguntei:
— E o que exatamente você me propõe?
— Soube que você andou pelo mercado de escravos procurando um tutor. Posso oferecer uma troca. Se você ajudar a “pobre elfa” desta história, terá não um, mas dois tutores. — Ela lançou um olhar sutil ao capanga. — Karlom é hábil em combate, e eu posso guiá-lo na formação de seus círculos mágicos. — Pela primeira vez, seu olhar mostrava uma curiosidade genuína, mas ela se conteve, esperando minha resposta.
— Não vejo como eu poderia ajudar… — falei, honestamente.
— Você realmente não entende? Depois que um mago corrompe seu núcleo, torna-se incapaz de usar mana pura. Mas você é diferente, garoto. — E enfatizou o “garoto” com uma pontada de raiva, por precisar se explicar. — Meu amigo aqui viu você usar mana e miasma. Quero entender o seu segredo.
Balancei a cabeça, o que a fez perder o controle, quase se levantando. Ela parecia incrédula, mas eu não sabia do que ela estava falando. Para mim, aquilo era natural; eu não tinha nenhum segredo para ensinar.
Minha sombra falou em minha mente:
— Aceite. Deixe que eu cuide disso… ela é poderosa e nos ajudará muito. Me entregue o controle.
— Não — murmurei baixinho, para minha sombra. Mas Selune achou que era para ela e, naquele instante, sua postura fria se desfez.
De repente, Selune se ajoelhou aos meus pés, numa súplica inesperada:
— Por favor… Eu jurei que jamais faria algo assim, mas… me tornarei sua escrava pelo período do treinamento, para garantir que nunca o trairei.
Fiquei sem graça. Não imaginei que ela se submeteria tanto. Mas aprendi a não recusar oportunidades.
— Tudo bem. Se aproxime para que eu possa marcar você como minha escrava.
Karlom, o capanga, tremeu de raiva e quase avançou para me atacar. Mas, com um olhar, Selune o conteve e se aproximou de mim.
Mais tarde, entramos no quarto da hospedaria. Nix olhou boquiaberta para Selune, que lhe deu um tapinha afetuoso na cabeça e, sem cerimônia, disse:
— De agora em diante, sou sua irmã mais velha.
Nix a observou, comparando a própria figura com a da elfa alta e imponente. Olhou de relance para os seios avantajados de Selune e depois para o próprio corpo, muito mais modesto. Em seguida, me lançou o mesmo olhar que tinha feito ao cortar a salsicha. Aproximou-se e me farejou, depois repetiu o gesto com Selune, que apenas sorriu, despreocupada. Engoli em seco, temendo que Nix encontrasse algum “cheiro” suspeito.
— Vou descer até a recepção para garantir mais um quarto… — disse rapidamente, saindo do quarto antes que Nix pudesse me interrogar.
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