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    1º Dia

    10h27

    O tempo insiste em não passar, tenho dificuldades de crer que este relógio não esteja quebrado. Não que eu esteja ansioso pela próxima aula, longe disso. Todavia para que o horário de eu voltar para casa chegue, é preciso que este intervalo também acabe logo.

    Ao passo no qual aguardo entediado pelo fim do intervalo, olho pela janela da sala de aula e vejo a mesma coisa de sempre. Garotas sorridentes e garotos barulhentos emanando esta escandalosa aura da juventude.

    Algo quebra meus sistemáticos xingamentos a felicidade alheia. Percebo um movimento fora do padrão. Longuíssimos cabelos louros claros. 

    Seria uma jovem metida a delinquente? Que coisa estúpida. Achei que esse tipo de gente não poderia se matricular numa escola de renome como esta.

    Ela olha para mim, e vendo seu rosto retiro as críticas que acabo de formular. 

    Não se trata de uma delinquente. 

    Não fiquei sabendo de nada a respeito disso. Conhecendo aquele ser, eu deveria estar involuntariamente muito a par deste caso. 

    Desvio o olhar por alguns instantes e quando volto a focar onde ela estava, percebo que ela sumiu.

    A voz de uma colega de classe quebra os meus pensamentos.

    — Johann-kun, tudo bem?

    — Que foi? — respondo.

    Antes que ela pudesse responder, outro elemento intrometeu-se em meu espaço com leves tapas em minhas costas.

    — Você estava pensando no que cara? Do modo que estava tão concentrado, só poderia ser uma garota. Acertei?

    Não da forma que você imagina.

    — Nem todos são como você, Shoucchi. O Johann, assim como eu, prefere garotas 2D — manifesta-se o último membro do manicômio.

    — Eu nunca o vi andando com bonecas e armas de brinquedo na mochila.

    — Não são bonecas, são action figures!

    Por que ele me incluiu nisso? De qualquer forma, estes três chatos já estão reunidos para me infernizarem.

    Os dois começam a discutir erroneamente sobre minhas preferências até serem parados por um mínimo de sensatez que, de tempos em tempos, incorpora em Miyu.

    — Shimizu-kun, Manabu-kun, parem, por favor!

    — Ei Miyu-chan, eu já disse para me chamar de “Shou-kun”. Por que você só chama o Manabu pelo nome? — protesta Shou.

    — Poxa, isso não importa agora.

    Acho que eles não vão me deixar falar. De qualquer forma, tudo o que dissesse entraria por um ouvido e sairia pelo outro. 

    Depois da conversa deles se acalmar, os olhares voltam para mim.

    — O que aconteceu Johann-kun? Você ficou olhando para fora com os olhos arregalados estaticamente por minutos. Parecia que tinha visto um fantasma.

    É sério que se passou tanto tempo?

    — Eu vi uma garota — começo a relatar sobre o caso da assombração.

    Ao iniciar tal sentença, um grito tomou conta do lugar.

    —WOOOOOOOOOOW! NÃO DISSE MANABU!? O Johann não está no time 2D! — Shou aponta para Manabu enquanto esnoba sua conclusão precipitada.

    — Como você pode abandonar o clube Jocchi? Eu até te emprestei os meus eroges — Manabu volta-se para mim com sua voz chorosa e inconformada.

      Eu nunca estive no seu clube de fracassados.

    Cubro meu rosto com minha mão direita, suspiro e reúno energias para dialogar com eles.

    — Vocês entenderam tudo errado… E-eu — tento mais uma vez explicar, mas de praxe, outro comentário indesejado corta minha fala.

    — Mas quem poderia prender a atenção do Johann-kun? Só poderia ser a Kaichou.

    — Sinto muito por te tirar do clube do Manabu. Mas se você estiver a fim da Kaichou, desista. A Yukihara-senpai está em outra dimensão, nem mesmo eu tentaria investir nela.

    Eles nunca me deixam terminar um mísero raciocínio e tiram conclusões precipitadas da forma mais aleatória possível. Seria muito trabalhoso tentar fazê-los desacreditar do que Miyu acabou de alegar, uma abordagem um pouco diferente deve funcionar.

     — Não era ela. Eu vi uma garota estrangeira.

    — Ah, então o seu tipo são garotas estrangeiras?! Por que estou surpresa? Você também é estrangeiro, talvez isso seja natural — pergunta Miyu.

     Apenas suspiro. 

    Não, Miyu. A sua teoria não tem cabimento. 

    Mas meu plano aparentemente funcionou, é só uma questão de tempo para que Shou termine de processar a informação, fisgue a isca.

    — WOOOOOOOOOOOOOW! Uma estrangeira. Mal posso esperar para conhecê-la.

    Shou explode de emoção e fica correndo em círculos pela sala de aula, completamente eufórico. Ele para por alguns instantes a minha frente e pergunta.

    — Ei Johann, como as garotas estrangeiras são?!

    O que ele espera que eu responda? Que tenham algum interesse amoroso em malucos feito ele? 

    — Normais, eu acho.

    O brilho em seus olhos some e seu sorriso se desfaz.

    — Detalhes, por favor, você morou por bastante tempo na Alemanha. Deve saber alguma diferença que posso usar a meu favor — responde com um ar de insatisfação.

    Detalhes? Eu sinceramente não faço ideia do que ele espera que eu diga. 

    Apenas desvio o olhar para tentar encerrar a conversa.

    — Ei, Johann. Diga alguma coisa, não é justo que você tenha essa vantagem sobre mim! — exclama inconformado com o fato de estar sendo ignorado.

    Vendo a cena, Manabu e Miyu riem da situação de Shou.

    Toca o sinal para a próxima aula.

    12h33

    Aquela aula insuportável finalmente acabou. 

    Deixo minha mochila em minha mesa, pois, excepcionalmente, teremos aula nesta tarde. 

    Saio da sala e ando na velocidade mais rápida que posso sem começar a correr. 

    Por mais rápido que eu tenha me deslocado até o refeitório, eles ainda estão na minha cola. Não há mais ninguém a quem eles possam infortunar no meu lugar?

    Decepcionado, pergunto a Manabu, o qual acabou de me alcançar.

    — Por acaso você não tem nenhum amigo, Manabu?

    — Claro que tenho, sou amigo do Shoucchi, da Miyucchi e de você — olha desentendido para mim e responde.

    — E desde quando estabelecemos que somos amigos?

    — Não precisamos estabelecer isso, naturalmente ocorreu por sermos excluídos da sociedade convencional.

    É o tipo de resposta que eu daria estando na posição dele.

    Noto certa movimentação enquanto nos servimos. Ou melhor, falta de movimentação. A fila simplesmente parou. Constato que as garotas que estavam se servindo pararam para conversar com alguém.

    — Ei, Manabu. Consegue ver daí que droga é essa? — pergunto.

    Estando em um ângulo melhor que o meu, Manabu avista o que está chamando atenção.

    — Hmmm, aparentemente tratam-se dos populares do conselho — responde.

    Ah. Nestas horas eu gostaria de criticar as garotas por agirem sem o mínimo de racionalidade, mas não posso. Pois os garotos são no mínimo mil vezes piores, e tendo uma presidente do conselho tão bela, esta proporção torna-se quadrática.

    A fila volta a andar conforme alguns estudantes desinteressados conseguem “furar” a fila. E então posso ver mais claramente do que se tratava.

    Hasegawa Haruki e Arai Asahi. O primeiro é apenas um rapaz sorridente e carismático, mas isso o tornou muito popular, e não apenas com as garotas, afinal todo mundo quer ser amigo de gente assim. Já o segundo, apoia-se na suposta beleza, ele deve fazer o perfil de algum cantor ou artista que encanta as garotas que possuem um parafuso a menos, ou seja, quase todas desta faixa etária.

    — Podemos continuar a conversa outra hora, Asahi-kun e eu precisamos ir. Se não tomaremos uma bela bronca da Kaichou hahaha — diz Haruki.

    — Ah, que pena! Mas eu também teria medo da Kaichou — responde uma das garotas.

    — Fiquem tranquilas garotas, acho que posso almoçar com vocês. O Haruki vai me dar cobertura não é?! — Asahi discursa cheio de marra.

    — Por favor, Haruki-senpai! Devolvemos o Asahi-kun daqui a pouco! — outra garota anima-se com a proposição de Asahi.

    — Hmm. Eu não sei se isso dará- — Haruki tenta responder, mas é interrompido.

    — Isso não seria um problema para o nosso futuro presidente, não?!

    Haruki, então, rende-se. E desta forma apenas retribui com um sorriso enquanto observa o rapaz galanteador sair do recinto cercado de garotas.

    Bem, é uma cena interessante de se observar. É como visitar o zoológico e tentar captar o comportamento animal. Mas eu realmente agradeço que ele tenha ido embora, e desta forma a fila possa voltar a andar normalmente.

    Terminamos de servir-nos e nos dirigimos até uma das mesas mais afastadas no refeitório. 

    Poucos minutos depois, Miyu e Shou chegam à nossa mesa, provavelmente também foram vítimas da lerdeza da fila. Mas não parecem estar incomodados com isso, Shou até demonstra um olhar demasiadamente aguçado.

    — Caramba, não consigo avistar a garota intercambista em lugar nenhum — diz Shou ao mesmo tempo em que olha para todas as direções, inclusive para cima e para baixo.

    Por que ainda me surpreendo? Qualquer alteração no comportamento dele só poderia ser causada por isso.

    — É possível que nem exista uma. Talvez o Jocchi começou a alucinar com sua waifu — replica Manabu.

    — Faz sentido. Eu provavelmente seria o primeiro a ter conhecimento disso. Meus informantes não deixariam um alvo tão interessante passar batido pelo nosso radar de garotas.

    — Radar? Você realmente está levando isso a sério. Bem, mas a questão de informantes não é muito diferente do que eu e meus semelhantes fazemos nos chans.

    E depois eles ficam chateados quando finjo que eu não os conheço.

    Então Miyu, um pouco irritada, interrompe o andamento da conversa.

    — Ei, chega desse papo. Já está nojento. Eu quero falar de outro assunto.

    Não é difícil que ela escolha um assunto tão ruim quanto.

    — E sobre o que você quer falar Miyucchi? — pergunta Manabu.

    — Jogos! Terá uma competição de jogos de tabuleiro, e a premiação está muito boa! — seu rosto sorridente vira-se para mim e continua — Johann-kun, quer participar?!

    — Não.

    — O quê? Achei que você gostasse de jogos de tabuleiro — Miyu surpreende-se.

    — Por que achou isso? Não gosto de jogos em geral, são entediantes. Para não dizer inúteis.

    — Achei que você fosse bom com jogos de tabuleiro porque é inteligente.

    — Minhas notas não têm muito a ver com isso. Jogos para mim, sejam eletrônicos ou de tabuleiro, são uma perda de tempo. Prefiro focar minhas energias em algo que possa trazer-me um melhor retorno.

    — Nossa, Jocchi. Nem mesmo eroges? Você é muito estranho — diz Manabu.

    Você é o último que poderia falar algo a respeito.

    13h03

    Logo após terminar de comer, levanto-me e ando em direção à sala. E como uma fatalidade, mais uma vez, os três resolveram me seguir. 

    Enquanto subimos as escadarias do bloco principal, Manabu e Shou conversam sobre algo que não me importa o que seja.

    Os dois cessam a fala, bem como param de subir as escadas. Miyu em seguida também para e olha para cima.

    Viro o meu rosto para cima, enquanto escuto sons de passos se aproximando. São nada mais, nada menos que os membros principais do conselho estudantil. 

     A maioria deles não parecem ser nada de mais, tanto que vejo a nossa representante de turma, Kobayashi Keiko, diariamente na nossa sala. 

    Todavia, a atmosfera sobre a presidente Yukihara Mikoto é completamente diferente. Parece que estou diante de uma princesa, ou algum membro da alta nobreza. Como meros plebeus, deveríamos apenas sair da frente dela.

    Ela está em um patamar completamente diferente de uma mera estudante popular como Haruki ou Asahi. Seus admiradores nem ao menos se atrevem a cogitar sobre qualquer proximidade a ela.

    Porém, não é o meu caso. Desta forma, apenas sigo em frente, e, sem nem ao menos trocar um olhar, cruzo com a bela aluna de longuíssimos cabelos pretos.

    Após terminar o lance de escadas, viro-me e vejo que os três ainda estão estáticos como ordinários reverenciando seus superiores. Apenas quando o conselho estudantil saiu do nosso campo de visão que o tempo voltou a passar para eles. 

    Entreolham-se, percebem o que acabou de acontecer e então aceleram o passo para me alcançar.

    — Ela realmente está em outra dimensão. Por isso não a coloco na minha lista de garotas a conquistar — comenta Shou.

    Outra evidência da presença sobrenatural dela é o fato do Shou adquirir o mínimo de racionalidade para concluir que não teria a mínima chance com ela.

    — É… a Kaichou é uma garota 3D com alma de 2D — fala Manabu.

    — Yukihara-sama… — murmura Miyu.

    — Vocês não acham que estão exagerando um pouco? — pergunto.

    — Exagerando?! Você não acha a Kaichou uma líder fantástica? — indaga Miyu inconformada.

    Por acaso feri o seu ídolo?

    — Sim, eu acho. Mas no fim, ela é apenas um ser humano comum assim como você ou eu.

    Olho para eles, e vejo seus rostos chocados. É como se eu tivesse quebrado um tabu.

    — Jocchi, você tem algumas opiniões tão estranhas — replica Manabu.

    — Estranhas? Você não pode estar falando sério que julga a conduta de vocês com ela como algo normal.

    — Pela definição de normal, sim. Você é a exceção por aqui.

    De fato. Às vezes eu esqueço que essa escola inteira não passa de um grande manicômio.

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