Capítulo 37: Certamente, Ailiss von Feuerstein é uma garota complicada. (3/3)
Não posso dizê-la que a Mikoto me informou sobre ela, consequentemente ela saberá que estou a investigando. Ou num caso pior, pode tomar Mikoto como seu alvo por vazar suas informações pessoais.
— Sejamos francos, o nome de uma estudante intercambista não é uma informação tão confidencial assim. Tive acesso à lista de chamadas dos professores atualizadas.
Finalmente ela desprende a sola de seu sapato do meu crânio e eu posso me levantar.
A ausência deste peso é de um alívio magistral. Por alguns segundos pensei que eu fosse morrer debaixo de tanta pressão.
— Meu nome verdadeiro na lista de chamadas? Impossível. No entanto, continue explanando suas intenções.
Ela nem ao menos me dará tempo para respirar um pouco? Sendo assim, vou tentar ir direto ao assunto.
— Como eu dizia, a princípio eu estava atrás de seu suporte, tenho a impressão de que esteja mais a par sobre o que este jogo representa. Além disso, você parecia uma ótima escolha para formar uma aliança. Mas analisando bem, é muita coincidência toda essa bizarrice começar logo depois da sua chegada, além disso, possui uma arma de fogo — pauso e a fito nos olhos — Diga-me, você é a responsável pelas mortes dos últimos dias? Ou possui alguma relação com este jogo?
— Eu disse para você explicar suas intenções. Não me lembro de ter lhe dado autorização para fazer uma pergunta sequer a meu respeito — me encara ferozmente.
Ela não pode estar falando sério, sou repreendido por cada sentença. Qual o problema dessa garota? Qual o problema de ter uma dúvida embutida na minha explicação?
— Sinto muito. A minha explicação foi essa, contudo dependendo das suas intenções dentro deste jogo, o propósito de eu vir até você perde o sentido. Justamente por isso a questionei. Então, você cede-me permissão para questioná-la?
— Ok. Pude compreender o seu suposto objetivo, entretanto não significa que eu acredite nele. Ademais, a minha resposta para o seu questionamento é: sim e não.
— Como assim? Você está parcialmente envolvida?
— De fato, não há como esconder que sou uma assassina, a minha arma evidencia isso. Todavia, uma assassina profissional, jamais faria um trabalho tão mal feito desses. Então nunca me compare novamente a esse amador. E sobre o jogo… eu não sei ao certo qual seria o meu nível de envolvimento nele.
Assassina profissional? Eu acho que eu deveria estar um pouco mais surpreso, mas não há uma profissão no mundo que se encaixe melhor com a personalidade dela.
— Não sabe?
— “Não me lembro” talvez seja uma expressão mais apropriada. É algo muito longo para discorrer agora e não tenho a menor disposição de explicá-lo sobre isso. No mínimo, como pode perceber, sou uma jogadora. Isso é o que posso dizer no momento.
Quanto mais descubro sobre a natureza deste jogo, mais confuso tudo se torna. Por hora acho que não conseguirei me aprofundar em mais nenhuma informação que ela possa oferecer.
— E agora? Com as cartas de ambos os lados postas na mesa. O que pretende fazer comigo? Pela impossibilidade de me matar, serei um prisioneiro de guerra? — viro-me parcialmente para vê-la enquanto responde.
— É uma boa pergunta. Não tenho nenhum procedimento prévio para circunstâncias assim… — encosta seu indicador nos lábios e pensa por alguns segundos — Johann, né? Você veio propor uma espécie de aliança, correto? Muito bem, talvez seja benéfico para eu ter um dos outros dois jogadores sob controle.
— Ora, que honra lembrar-se do meu nome — digo ao me virar para ela.
Ela volta um pouco surpresa o seu olhar para mim.
— Seu rosto está imundo. Talvez eu deva o chamar de “Mistkerl”.
Cara de esterco, hein? Agora serei insultado em minha língua materna? E ela espera o quê ao esfregar meu rosto no chão?
Estranhamente isso me parece familiar. Alguma vez alguém já me chamou assim? Sinto como se tivesse ouvido isso há muito tempo, tão como recentemente. Quanto mais o nosso diálogo se desenvolve, mais forte fica essa impressão de que a conheço de algum lugar.
Seria uma surpresa em tanto se na verdade nós fossemos amigos de infância. É uma pena que não seja o caso, eu consigo me lembrar tranquilamente do nome de todos os amigos que eu possuí na infância. Obviamente, todos eram oriundos de uma radiciação negativa.
Tento lembrar-me da minha infância na Alemanha, porém não me recordo desse insulto no meu passado. Todavia, isso não é algo para ocupar minha mente no momento, há assuntos mais urgentes a tratar.
— Então, podemos dizer que somos oficialmente aliados? — pergunto mais aliviado.
Ela se senta em uma mesa do depósito e cruza as pernas. Fica pensativa por alguns segundos e então responde de mau grado.
— Sim, pode ser, mas preciso esclarecer alguns pontos. Caso eu perceba qualquer tentativa de traição da sua parte, eu te matarei. Se esconder qualquer informação crucial, eu te matarei. E se for conveniente abandoná-lo, não pensarei duas vezes antes de fazer isso.
Que raios de condições são essas?
— Não parece algo parcial demais para você?
— Foi você que me procurou, então esteja sujeito às consequências de ter me seguido até aqui. Esses são meus termos, é pegar ou largar.
— Sim, entretanto algo tão parcial ainda pode ser classificado como aliança?
— Se acha a palavra inadequada, não importa. Chame do que bem entender, submissão por exemplo.
Pelo menos é coerente semanticamente. Bem, acho que não tenho escolhas. Como ela bem disse, entrei em um caminho sem volta quando decidi entrar neste covil. É melhor me tornar um lacaio temporário do que um prisioneiro.
— Tudo bem, eu aceito. No fim você não pode me matar de qualquer forma, então não é um acordo tão ruim assim.
— Matar é meramente o modo de eu expressar-me. Durante o meu trabalho como assassina, houve vítimas das quais eu precisava retirar informações valiosas antes de me desfazer delas, e então recorri a métodos que fariam você suplicar aos céus para que fosse possível eu te matar.
Quanto mais eu falo com ela, mais sinto um calafrio subindo a minha espinha.
— Com nossa aliança consolidada, posso presumir que tenhamos os mesmos objetivos?
— Se com isso você refere-se a sobreviver ao jogo, basicamente sim. Para isso precisamos abater o assassino por ser um perigo em potencial e obviamente nos livrarmos de alguma forma do terceiro jogador.
Bem lembrado, ainda precisamos encontrá-lo. Eu espero que seja o próprio assassino, pois seria um pouco trágico se fosse algum inocente como eu que foi inserido contra a vontade neste jogo e precise ser morto.
— Já possui alguma estratégia em mente? — pergunto.
— Até possuía, porém o cenário do jogo mudou com sua aparição. Devo repensar um pouco para atualizar meus planos.
Por fim, cumpro com as condições que ela estabeleceu para cooperar comigo e conto tudo o que descobri nos últimos dias. Em especial sobre o estranho comportamento de Takashi, o qual me fez suspeitar que ele fosse o assassino.

18h17
Estamos em um silêncio constrangedor, pois o assunto a que vim tratar se esgotou rapidamente. Devo dizer algo? Olho para ela, e ela continua lidando com sua arma e munições como se a minha presença fosse irrelevante.
Nunca tive a oportunidade de aprender a usar um revólver, entretanto sinto que posso julgá-la como muito hábil com este tipo de equipamento.
Avisto uma mala semi aberta próxima aos seus armamentos. Entretanto, o seu conteúdo é bem diferente do que se espera de uma assassina. Uma saia e meias calças? Bem, na verdade é algo razoável. Pois é esperado que seja fornecido um uniforme para uma estudante intercambista.
— O que está bisbilhotando? — o silêncio é quebrado após quase uma hora sem nenhuma interação verbal.
— Nada. Apenas cruzei o olhar com a sua bagagem — respondo assustado — Mas aproveitando que você tocou no assunto, existe algum motivo em particular para ter recusado a usar o uniforme feminino da nossa escola? — pergunto.
— Não é óbvio? Iria sentir-me ridícula usando isso. Além do mais, calças são mais confortáveis e práticas para a locomoção — replica rudemente.
Na maioria das escolas ocidentais o padrão adotado é o uso de calças como uniforme para ambos os sexos. Então, a princípio pensei que fosse por uma questão de costume. Agora vejo que ela prefere manter um visual mais masculino conforme a sua personalidade. Apenas o seu longuíssimo cabelo louro é a exceção.
A beleza feminina extraordinária dela cria um contraste muito engraçado com esta aura masculina que ela passa. É literalmente a personalidade de um ogro manifestando-se no corpo de uma princesa.
Decido forçar alguma fala para quebrar este ambiente de tensão que se formou.
— Se a ideia era você se infiltrar na escola, talvez deveria ter adotado o uniforme padrão. Por que não experimenta para ver como fica? Acho que combinaria muito bem com você — comento.
Ela para de carregar a munição em seus revólveres e me encara de forma hostil. Tenho a impressão que ela avançará violentamente para cima de mim, tal como um leão que acabara de travar seus olhos sobre um pobre antílope, mas acaba hesitando e volta aos seus afazeres.
Deixei-me levar por um impulso. Não quero ter meu rosto deformado contra um chão empoeirado nunca mais.
Então algo surpreendente sucede. Um estrondo fortíssimo.
Isto pode ter sido um disparo?!
Ailiss arregala os olhos e, sem falar nada, sai correndo do esconderijo e obviamente eu saio correndo atrás dela. Atrapalho-me um pouco para passar pelo labirinto de entulhos, no entanto não perco o seu rastro.
Porém ela não está correndo na direção do som, mas sim para o lado oposto.
Onde ela está indo? Bem, seguir primeiro e perguntar depois.
Chegamos à extremidade do pátio da escola.
— O que está fazendo? Pensei que fosse ao local do disparo — pergunto.
— O que eu ganharia indo até lá? Quer cair numa emboscada por acaso? De qualquer forma as consequências do disparo não me interessam, e sim a possível causa dele.
Ela levanta uma lajota que estava meio solta na calçada e demonstra um olhar de raiva.
— Scheiße! — exclama irritada.
O que aconteceu?
Aproximo-me para ver o que há embaixo da lajota solta.
Não vejo nada. Talvez esse seja o problema.
— Esses cretinos roubaram minha metralhadora — fala olhando para o espaço vazio.
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