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    Uma voz grave ecoou na arena.

    — Espere.

    Victor, nosso irmão mais velho, saltou das arquibancadas para a arena, movendo-se velozmente em minha direção. Sua face era uma máscara de ódio e rancor, os punhos cerrados e os olhos fixos em mim. Quando me virei para encará-lo, ele já estava a poucos metros. Então, em um piscar de olhos, meu pai, Tiberius Vulkaris, surgiu entre nós. Sua velocidade era tamanha que parecia ter se teletransportado.

    Com a mão firme sobre o peito de Victor, ele o deteve, sua voz ressoando pelo campo.

    — Não! Não nos envergonhe mais. 
     
    O tom era firme, mas havia algo de reprimida frustração em suas palavras. A expressão de Tiberius mostrava um desconforto evidente com a atitude do filho. Victor, muito mais poderoso que eu, só agravaria a situação se tentasse me desafiar naquele momento. Em vez de restaurar a honra da Casa Vulkaris, ele nos afundaria ainda mais em desonra.

    Virando-se para mim, meu pai ergueu a voz, para que todos ouvissem.

    — Qualquer desavença entre a Casa Vulkaris e você, Lior Aníbal, está resolvida. Isso é coisa do passado. Ninguém da nossa Casa o procurará novamente pelo que aconteceu na festa. O que foi, foi, e está decidido.

    Ainda processando suas palavras, olhei para a espada em minha mão—a espada dele. Uma obra de arte, ornada e elegante. Fiz menção de devolvê-la, estendendo-a em sua direção.

    — Fique. — Tiberius falou com autoridade. — Você a retirou das mãos do meu filho. Agora ela é sua.

    Ele removeu a bainha ornamentada que usava e me entregou, como um gesto definitivo.

    Fiquei imóvel por um instante, surpreso demais para reagir. Lentamente, cautelosamente, levei minha mão à bainha e a peguei. Tiberius acenou com a cabeça, confirmando sua decisão.

    Enquanto isso, um silêncio carregado pairava sobre a arquibancada. As palavras de meu pai e o resultado do duelo pareciam ecoar nos pensamentos de todos.

    Foi então que Claire abriu caminho pela multidão e entrou na arena. Sua presença era serena, mas a figura magra e calva que a seguia chamou ainda mais atenção. O homem vestia trajes formais, adornados com os símbolos de sua posição: um oficial imperial. Eu já o havia visto antes, brevemente, em eventos oficiais. Ele era um dos responsáveis pela organização do torneio.

    Tiberius notou sua chegada e fez um leve aceno de cabeça, que foi retribuído com respeito. O oficial parou no centro da arena, seus olhos examinando a cena à sua frente—primeiro eu, depois Roderick, meu pai, e, por fim, os espectadores nas arquibancadas.

    Ele pigarreou, limpando a garganta, e retirou um pergaminho de dentro de suas vestes. Quando começou a falar, sua voz, forte e poderosa, parecia pertencer a um homem muito maior.

    — Por ordem do Imperador, declaro que, considerando o resultado do duelo e o fato de os dois duelistas serem participantes do torneio, além de um precedente anterior, concedo a Lior Aníbal um total de 250 pontos antecipados no torneio.

    Uma onda de murmúrios percorreu a arquibancada, mas o oficial continuou, inabalável.

    — Concedo também 250 pontos antecipados a André Rulmar, líder da equipe à qual Lior pertence. A partir deste momento, quaisquer outros duelos ou atividades reservadas ao torneio estão proibidos até o início oficial do evento. Aqueles que desobedecerem estarão sujeitos a punições proporcionais à gravidade de seus atos.

    Com isso, ele enrolou o pergaminho novamente e deu meia-volta, retirando-se da arena.

    Enquanto ele partia, senti o peso de tudo que acabara de acontecer. O silêncio da arena era quase ensurdecedor. Tiberius me lançou um último olhar — uma mistura de avaliação e aprovação — antes de também se afastar, levando Victor consigo.

    Quando cheguei perto de onde meus amigos estavam, Nix disparou em minha direção e se jogou nos meus braços. A envolvi, sentindo o calor de seu corpo junto ao meu, e lhe dei um beijo caloroso, ignorando os olhares curiosos ao redor. Quando a coloquei no chão, pude ver nos rostos de todos a mistura de satisfação e orgulho.

    — Cara, isso foi insano — Joaquim falou, ainda com os olhos arregalados.

    Abri a boca para dizer que não tinha sido grande coisa, mas Claire me interrompeu, a animação dela quase palpável.

    — Foi mais do que insano. Você fez algumas coisas ali que ninguém sequer pensaria em tentar! Porque é  impossível! — Ela me olhava com admiração sincera, os olhos brilhando. — Ainda bem que escolhi você como meu professor.

    O tom dela me arrancou um sorriso, mas antes que eu respondesse, Selune riu, cortando a tensão que ainda pairava no ar.

    — Foi mais perto do que gostaríamos, mas deu tudo certo no final. — Ela me olhou com um ar cúmplice, e eu soube que ela também sentia o peso do que havíamos feito juntos. A ideia da esfera de proteção fora dela, uma solução de última hora para conter os ataques à distância de Roderick, e que havia salvado minha pele mais de uma vez naquele duelo.

    Olhando para todos, senti o coração se aquecer. Eles estavam ao meu lado, compartilhando aquela vitória, e isso era tudo o que eu deveria desejar. Mas, ao mesmo tempo, algo sombrio espreitava no fundo da minha mente: a vontade de ser reverenciado, de ter aquele momento como o início de algo muito maior. Por um breve instante, tive um vislumbre perturbador — eu, sentado em um trono negro, cercado por uma corte de mortos-vivos que me veneravam como um deus. As sombras daquela visão pareciam sussurrar promessas ao meu ouvido. Respirei fundo, forçando a imagem a se dissipar, antes que pudesse fincar raízes em minha alma.

    — Vamos embora? — perguntei, pronto para deixar a arena e o alvoroço para trás.

    Mas a saída não seria tão simples. Antes que pudéssemos avançar, uma pequena multidão nos cercou. O espetáculo tinha rendido frutos, atraindo a atenção de muitos. Os murmúrios eram tantos que mal podia entender o que diziam, mas algumas frases se destacaram.

    — Incrível o que você fez.

    — Como você conseguiu?

    — Ensina pra gente, por favor!

    — Quero casar com você.

    Não consegui segurar uma risada baixa, mas o cansaço começava a pesar. Minha mana estava quase esgotada, e eu não tinha energia para lidar com aquilo. Só queria sair dali.

    Foi então que os vi. André e Alissande estavam adiante de nós, de braços dados, observando-nos com atenção. Eles se destacavam na multidão, que os respeitava como figuras importantes.

    — Parabéns — disse Alissande, sua voz carregada de um sarcasmo suave. — Foi um espetáculo, sem dúvida. Limpou o chão com meu querido irmão.

    O sorriso dela trazia uma ponta de provocação, um reflexo da antipatia que claramente nutria por Roderick. A satisfação pelo desfecho do duelo brilhava em seus olhos. Eu sabia que ela adorava cutucá-lo, mas não estava disposto a me envolver em mais intrigas familiares. Preferi responder com uma educação cuidadosa, mantendo o tom neutro e controlado.

    — Obrigado.

    André mantinha a expressão séria, os olhos cravados em mim, avaliando cada detalhe. Era evidente que tentava medir se eu seria um aliado confiável ou uma ameaça velada.

    — Precisamos conversar — disse ele, em um tom grave.— Você acabou de colocar todos nós no centro das atenções. Viramos alvos.

    Mantive o olhar firme e acenei com a cabeça, indicando a multidão que nos cercava com um leve gesto.

    — Não aqui.

    Ele assentiu, o olhar frio suavizando um pouco. — Certo. Espero você mais tarde, para um jantar na residência da minha Casa.

    Ele olhou para os meus companheiros e perguntou, curioso. — estamos todos no mesmo time, não é? Melhor que venham todos.

    Olhei para Nix e Selune ao meu lado e, sem resistir, disparei:

    — Posso levar minhas noivas? Esta é Nix, e esta é Selune.

    André piscou, visivelmente pego de surpresa, antes de coçar a cabeça, hesitante. — Claro, se você quiser.

    O tom dele era quase resignado, como se não soubesse exatamente no que estava se metendo. Aquilo me arrancou um sorriso enquanto começávamos a sair da arena.

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