Capítulo 91: Um novo caminho?
Confesso que me sentia envaidecido pelo fato de Pandora ter assistido ao meu duelo contra Roderick — e, principalmente, pelo fato de eu ter saído vitorioso. Saber que alguém do calibre dela havia dedicado tempo para me observar e avaliar meu desempenho era, sem dúvidas, um motivo de orgulho.
Mas Pandora me conhecia bem demais para deixar que eu me perdesse em pensamentos vaidosos.
— Tira esse sorrisinho do rosto, cabeçudo — disse ela, cruzando os braços e estreitando os olhos. — O que você fez no passado não vai mudar em nada o que você precisa fazer daqui pra frente.
Soltei um suspiro e tentei adotar uma expressão neutra, mas ela já havia percebido o brilho satisfeito no meu olhar. Pandora apenas balançou a cabeça antes de continuar:
— Se me lembro bem, eu disse que íamos encontrar um estilo de luta para você, não foi?
Assenti imediatamente. Esse era um dos momentos que eu mais aguardava desde que começamos nosso treinamento.
— Certo — ela disse, inclinando-se um pouco para frente, sua expressão se tornando mais séria. — Como você quer lutar? Com espada? Ou com magia?
Hesitei por um instante. Era uma pergunta direta, mas que carregava muito peso. Desde que comecei a treinar com Pandora, sempre me vi oscilando entre os dois caminhos. O combate físico fazia parte de mim, estava enraizado nos instintos que desenvolvi na Casa Vulkaris. Mas a magia… bem, eu era um mago, afinal de contas.
— Hum… Com os dois, acho eu — respondi, sem muita convicção.
Ela riu da minha indecisão, sacudindo a cabeça.
— Sim, eu já esperava essa resposta. Para ser sincera, eu também estava pensando nisso.
Ela se afastou um pouco, cruzando os braços enquanto avaliava algo em sua mente. Quando voltou a falar, seu tom era analítico:
— Apesar da sua falta de técnica refinada, seu corpo está em um nível impressionante. Coordenação, força, velocidade, vigor, recuperação… Todos esses atributos estão muito acima do que eu esperava. Você pode até não ter uma formação tradicional, mas sua resistência e capacidade de adaptação compensam muitas das suas falhas. Isso significa que você não precisa ter tanto medo de adversários do seu mesmo nível.
Ela fez uma breve pausa antes de acrescentar:
— Eu sei que o Marreta e o Germano ainda estão um nível acima de você. Eles têm mais experiência e refinaram melhor suas habilidades. Mas agora que você chegou ao quarto círculo incompleto, a diferença entre vocês não é mais tão grande quanto antes.
Eu absorvi suas palavras com atenção. Era verdade que, até pouco tempo atrás, Marreta e Germano pareciam inalcançáveis. Mas, considerando minha evolução recente, talvez eu estivesse mais perto deles do que imaginava.
Pandora então sorriu de lado, com aquele brilho nos olhos que indicava que ela já havia tomado uma decisão.
— Então é isso — disse ela. — Vou apostar em uma abordagem híbrida para você. Quero que lute como um guerreiro, mas se defenda como um mago.
Franzi a testa levemente.
— Como assim?
— Simples. Seu corpo já tem uma base forte o suficiente para você enfrentar inimigos de igual para igual no combate físico. Mas, em vez de depender exclusivamente da sua resistência e da sua habilidade marcial para se proteger, quero que use sua magia para reforçar sua defesa e ampliar suas oportunidades.
Ela fez um gesto para mim, como se estivesse apresentando uma teoria óbvia.
— Pense nisso como uma inversão de papéis. Normalmente, magos atacam à distância e guerreiros defendem com armaduras pesadas. Mas e se você usasse sua magia para se proteger, permitindo que seu corpo avançasse sem hesitação?
Eu não tinha pensado dessa forma antes. Fazia sentido. Se minha magia pudesse compensar minhas falhas defensivas, eu poderia me jogar mais livremente no combate corpo a corpo.
— O que acha disso? — ela perguntou, me observando atentamente.
Eu não respondi de imediato. Minha mente trabalhava a todo vapor, analisando as possibilidades desse novo estilo de luta. Combinaria com minha natureza, me daria uma vantagem contra inimigos que subestimassem minha resistência e, ao mesmo tempo, me permitiria explorar melhor minha magia sem precisar mudar completamente minha forma de lutar.
Por fim, sorri.
— Acho que pode funcionar.
Pandora assentiu, satisfeita.
— Ótimo. Então vamos moldar um estilo que só você pode usar.
O restante do treino perdeu a euforia inicial e se tornou um exercício de disciplina. Pandora exigia precisão, paciência e repetição.
Ela me ensinava posições de combate, ajustes sutis na postura e padrões de ataque que eu deveria repetir até que meu corpo os assimilasse. Cada passo na areia, cada giro do tronco, cada mudança de ângulo era observado com um olhar clínico.
— Seu peso está errado — corrigia ela, quando eu distribuía mal o equilíbrio entre as pernas.
— Está muito aberto — apontava, quando minha guarda ficava vulnerável.
— Você precisa fechar melhor os espaços. Pense em como um predador se move. Seu objetivo é limitar as opções do seu adversário, cortar suas rotas de fuga, forçá-lo ao erro.
Segui suas instruções sem questionar. Repeti os movimentos até sentir os músculos arderem. Minhas pernas estavam pesadas, os ombros rígidos, e cada nova sequência parecia exigir um esforço maior. Mas Pandora não diminuía o ritmo. Seu olhar atento captava cada detalhe — um deslize na base, um atraso mínimo na execução, um movimento desperdiçado.
As horas se arrastaram, e quando o sol cedeu lugar à noite, ela finalmente deu uma pausa.
— Trinta minutos — anunciou, cruzando os braços. — Respire, beba água. Depois vamos ver suas defesas e as magias que você tem para te ajudar.
Sentei-me sobre os calcanhares, sentindo a areia quente sob minhas mãos. Minha respiração estava irregular, e o suor escorria por minhas têmporas. Fui até o barril d’água e tomei longos goles antes de jogar um punhado na cabeça, tentando afastar o cansaço.
Enquanto descansava, expliquei para Pandora quais magias defensivas eu dominava. Mostrei minha especialidade: uma esfera azul brilhante que orbitava meu corpo, um escudo autônomo que bloqueava ataques físicos e mágicos. Antes, eu só conseguia invocar uma, mas agora, com minha evolução, podia manter duas ativas ao mesmo tempo.
Pandora observou com interesse, tocando o queixo.
— Isso é útil. Muito útil.
No fim, separamos três magias para treinar em combate real:
As esferas defensivas — pela versatilidade e pelo fato de operarem sozinhas, sem exigir minha concentração total.
Deslocamento explosivo — uma técnica que me permitia mudar de direção ou me reposicionar instantaneamente, podendo surpreender o adversário.
Uma barreira simples de mana solidificada — de baixo consumo de mana, para quando eu precisasse de defesa rápida sem esgotar meus recursos.
Treinamos as defesas da mesma forma que havíamos feito com os ataques. Pandora criava situações de combate, simulando adversários agressivos, calculistas ou imprevisíveis. Minha tarefa era reagir corretamente, usando cada uma das técnicas no momento certo.
— Se um ataque for previsível, sua primeira opção é desviar. Se for inevitável, bloqueie. Se houver uma brecha, contra-ataque. Você não pode apenas se defender, precisa punir qualquer erro do oponente.
Suas palavras martelavam na minha mente enquanto eu repetia os movimentos. Meus reflexos melhoravam a cada tentativa, mas a fadiga se acumulava. A certa altura, Pandora começou a aumentar a velocidade dos ataques, forçando-me ao limite.
A lua já ia alta quando ela finalmente encerrou o treino.
— Amanhã será só combate — disse, secando o suor da testa. — Faremos muitos combates simulados. Preciso que você internalize tudo que praticamos hoje.
Assenti, sem forças para responder. Meu corpo inteiro doía, minha mente estava esgotada, e minha mana quase zerada.
Pandora se afastou, caminhando na direção dos vestiários. Seu mancar estava mais evidente, resultado das horas de esforço sobre um corpo já ferido.
Eu pretendia segui-la depois de recuperar o fôlego, mas assim que me joguei na areia quente, o cansaço venceu. Meus olhos se fecharam antes que eu pudesse pensar em me levantar.
Adormeci ali mesmo — sujo, suado e completamente exausto.
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