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    Ali, dentro do bar, todos me olhavam como se eu fosse o líder deles. Até mesmo Hass, Pandora, Marius e Marreta — todos mais experientes e calejados — aguardavam minha decisão, como se esperassem que eu tomasse as rédeas da situação.

    Era uma sensação estranha, carregar o peso daquela responsabilidade, mas eu sabia que hesitar agora poderia custar caro.

    — Tem algum jeito de chegar no telhado? — perguntei para a garçonete, tentando manter a voz firme e controlada. Precisava de uma visão mais ampla dos arredores, e do alto eu poderia avaliar melhor a situação.

    Pandora e Hass trocaram um olhar breve e concordaram com um aceno discreto, compreendendo minha intenção sem que eu precisasse explicar.
    A garçonete hesitou por um momento, talvez surpresa com o pedido, mas logo balançou a cabeça afirmativamente e apontou para uma escada de madeira estreita no canto.

    — Siga-me — disse ela, a voz trêmula, mas tentando manter a compostura.

    Acompanhamos seus passos pelo corredor até o segundo andar, onde havia um mezanino pouco iluminado. O cheiro de madeira velha e poeira impregnava o ar. Ela nos conduziu até um pequeno quarto usado como depósito, onde caixas e caixotes estavam empilhados de maneira desordenada. No teto, um alçapão enferrujado se destacava, e uma escada de apoiar estava encostada na parede.

    — Isso leva ao sótão — explicou ela. — De lá, é fácil destelhar uma parte e sair. Acho que somos o prédio mais alto da vizinhança.

    Assenti, lançando um olhar para Hass e Pandora, que pareciam prontos para qualquer coisa.

    — Vou subir primeiro — falei, e eles concordaram com um aceno silencioso.

    Apoiei a escada e subi, empurrando o alçapão com cuidado para não fazer barulho desnecessário. O sótão era abafado e apertado, e eu precisava manter a cabeça abaixada para não me chocar contra as vigas expostas. O cheiro de madeira seca e mofo era quase sufocante. Avancei até um canto onde o telhado parecia mais frágil e, com cuidado, pressionei as telhas soltas. Elas se moveram sem resistência, rangendo de leve.

    Afastei algumas, abrindo um espaço suficiente para passar o corpo, e me arrastei para fora. O vento fresco da manhã me atingiu de imediato, um contraste com o calor abafado do sótão. A cidade se estendia à minha frente, e a visão me fez parar por um instante, segurando o fôlego.

    — Uau… — murmurei, impressionado e ao mesmo tempo aterrorizado.

    Do alto, eu via que a situação era uma cena de guerra. A cidade, mesmo sob a luz nascente do sol, brilhava vermelha em alguns pontos, indicando incêndios fortes e ainda ativos. A fumaça subia em colunas escuras, manchando o céu com uma névoa opressiva.

    Barulhos difusos de luta chegavam até mim, distantes, mas intensos. O som de metal se chocando, gritos e urros indistintos. Respirei fundo, forçando-me a focar no que era importante. O objetivo agora era entender a movimentação ao redor e ter uma visão estratégica do que iriamos enfrentar.

    Olhei para os prédios vizinhos e calculei a distância até a torre de vigia mais próxima, a três telhados de distância. Precisava chegar lá para ter uma visão ainda melhor. Flexionei os joelhos, conferi o equilíbrio e dei um salto firme para o telhado ao lado.

    — Vamos ver o que temos aqui… — murmurei para mim mesmo.

    Atravessar os telhados exigia concentração, mas com minha agilidade aprimorada, não demorei a alcançar a torre. Subi com facilidade, escalando as saliências de pedra desgastada, até chegar ao topo.

    Quando finalmente alcancei a plataforma de vigia, pude ter uma visão clara do caos que tomava conta De grande parte da cidade. Lá embaixo, as ruas estavam quase desertas, mas manchas escuras e destroços indicavam confrontos recentes. Em alguns pontos, corpos mutilados estavam espalhados, como se uma onda de destruição tivesse varrido tudo pelo caminho.

    Mais adiante, grupos de criaturas marchavam de forma organizada, formando verdadeiras hordas que avançavam com brutalidade. Notei que cada grupo era liderado por um colosso, monstruosidades enormes com um montador em suas costas, que guiava os monstros com magia e urros guturais. Aqueles malditos eram os líderes das hordas.

    — Parece que a maior parte das criaturas está indo para lá… — murmurei para mim mesmo, franzindo a testa enquanto observava a direção que tomavam.

    Segui o movimento com o olhar até identificar o caminho: estavam indo para os boulevards da região mais rica da cidade, onde os nobres se abrigavam e os participantes do torneio dos jovens estavam alojados. Um aperto tomou conta do meu peito ao pensar em Cassiopeia e minha mãe. Será que tinham conseguido se proteger?

    Cerrei os dentes, lutando para controlar a ansiedade enquanto analisava a situação. A área ao redor do bar parecia mais tranquila, e concluí que isso se devia ao fato de as criaturas terem concentrado seus ataques na arena. As duas hordas que enfrentamos lá dentro preferiram nos emboscar ali, talvez confiando que a força dos números nos encurralaria sem chances de fuga.

    As poucas criaturas que permaneciam do lado de fora provavelmente eram guardas, estrategicamente posicionados para impedir que os sobreviventes escapassem. O pensamento fez meu estômago revirar, estávamos cercados desde o início, e qualquer movimento em falso poderia atrair mais inimigos para nossa localização atual.

    Respirei fundo, tentando acalmar a mente. Precisávamos usar essa calmaria temporária ao nosso favor, reunir os sobreviventes e encontrar uma forma de levá-los de volta a arena.

    — Não podemos desperdiçar essa chance… — murmurei, já traçando um plano mental. Precisávamos agir rápido antes que mais monstros aparecessem.

    Desci com cuidado, saltando de telhado em telhado até alcançar a escada que levava de volta ao bar. Assim que entrei no mezanino, encontrei Hass e Pandora esperando, os olhos atentos e a postura tensa.

    — E aí? — Pandora perguntou, sem esconder a ansiedade.

    — A situação não é boa — respondi, firme. — Mas aqui está mais seguro que a maioria dos lugares. As criaturas se concentraram nos boulevards, provavelmente atrás dos nobres e dos participantes do torneio. Se alguém escoltar os sobreviventes de volta para a arena, estarão mais protegidos.

    Hass assentiu, cruzando os braços.

    — A arena ainda é o lugar mais seguro que temos — ele disse, pensativo. — Se conseguirmos levar esse pessoal para lá, podemos fortalecer as defesas.

    — Certo — concordei. — Vamos ver quem se habilita a escoltar os sobreviventes. Não podemos arriscar mandar gente indefesa pelas ruas.

    — Vou falar com alguns deles — Pandora disse, já se virando para descer.

    Hass fez um gesto para que eu continuasse.

    — Se puder, veja se achamos mais armas ou qualquer coisa útil por aqui — pedi, embora por dentro eu ainda sentisse o peso daquela responsabilidade. — Rosa vai precisar de todo tipo de mantimento para manter essas pessoas vivas.

    Ele assentiu novamente, sem uma palavra, e foi vasculhar os depósitos lá embaixo. Era bom ter alguém como ele ao meu lado — prático, eficiente e sem fazer perguntas desnecessárias. Enquanto ele descia as escadas, senti um pouco da tensão se dissipar.

    Estávamos tomando atitudes concretas, mesmo que a situação continuasse caótica.

    Mesmo com a preocupação pulsando em minha mente, havia uma centelha de esperança ao saber que podíamos usar aquela brecha para agir. Se fôssemos rápidos e eficientes, poderíamos salvar mais pessoas.

    Desci e encontrei Pandora já conversando com os sobreviventes, tentando manter a calma e dar orientações sobre a saída. Alguns estavam sentados, parecendo em choque, enquanto outros mexiam em mochilas improvisadas, preparando-se para a movimentação.

    — Eu irei com eles — disse Marreta, interrompendo a conversa. — Só vim até aqui por causa da Eliza.

    A garçonete loira pulou em seu pescoço e começou a enchê-lo de beijos na bochecha. O grandalhão riu, um som gutural e quase divertido, e a afastou delicadamente, segurando seus braços com mãos enormes.

    — Ei, calma aí! Não estou indo para a guerra, ao contrário, estamos indo para a segurança — brincou, fazendo alguns dos outros rirem, aliviando um pouco a tensão.

    Olhei ao redor e percebi que muitos rostos estavam voltados para mim, atentos às minhas palavras e atitudes. Eu podia sentir o peso de suas expectativas, como se estivessem tentando decidir se podiam realmente confiar em mim. Não podia deixar que duvidassem dele agora.

    — Concordo. Pode levá-los — falei, apoiando sua decisão. — Esperem só terminarmos de juntar todos os mantimentos. Rosa vai precisar de tudo que pudermos carregar para manter o Matadouro funcionando.
    Marreta assentiu, e sua voz possante ressoou pelo salão.

    — Se preparem para sair! Assim que tudo estiver pronto, vamos voltar para a arena!

    As cabeças sacudiram, concordando, e o clima no salão pareceu mudar. Havia um certo alívio, uma faísca de determinação nos olhos deles. Pandora continuou organizando os grupos, garantindo que ninguém fosse deixado para trás.

    Quando tudo estava pronto, finalmente saímos para as ruas. O ar ali fora parecia pesado e carregado de cinzas, mesmo sob o céu aberto. Alguns mortos-vivos errantes nos avistaram e vieram em nossa direção, cambaleando como se estivessem puxados por algum fio invisível.

    — Deixa comigo! — Marreta gritou, avançando com seu martelo e golpeando o primeiro, partindo o crânio ao meio com um estalo seco.

    Pandora e eu nos movemos para dar suporte, lidando com outros que tentavam nos cercar. Alguns golpes precisos e rápidos deram conta da situação, e logo estávamos seguros novamente.

    — Tudo certo — disse Marreta, batendo nas calças grossas.

    Observei o grupo reunido e acenei para eles, desejando boa sorte.

    — Cuidem-se e boa sorte — falei. Mesmo sabendo que aquela era a decisão certa, não deixava de ser difícil separar os grupos.

    Alana, a garota do alaúde, saiu do meio deles, os olhos brilhando com uma determinação que eu não esperava.

    — Não pense que vou deixar você ir embora sozinho — ela disse, cruzando os braços. — Quero meu alaúde.

    Olhei para ela, surpreso com sua ousadia.

    — Tudo bem — concordei, dando de ombros. — Mas primeiro vai me responder algumas perguntas.

    Ela ergueu a sobrancelha, desafiadora, mas permaneceu em silêncio, apenas aguardando. Havia algo na postura dela — uma mistura de teimosia e determinação — que me deixou intrigado. Precisava entender melhor quem era Alana e por que estava tão decidida a me seguir. Afinal, qualquer um que permanecesse ao meu lado precisaria ser alguém em quem eu pudesse contar, além de ser capaz de lutar pela própria vida.

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