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    Era um momento pelo qual eu sonhava desde que Nix partira. A saudade apertava meu coração, um nó se formando na garganta. Tudo o que eu queria era ver minha raposinha de novo, sentir sua presença ao meu lado. Mas nem nos meus sonhos mais loucos eu poderia imaginar que nosso reencontro aconteceria dessa maneira.

    Era rir para não chorar.

    Eu estava esparramado no chão, caído em cima da Alana, que continuava a me chamar de “papai” repetidamente. Enquanto isso, eu tentava me levantar, explicar e me desculpar com Nix, tudo ao mesmo tempo, apenas para ser interrompido pela outra vulpina que a acompanhava.

    Ela cruzou os braços, arqueando uma sobrancelha enquanto me analisava com um olhar divertido e ligeiramente incrédulo.

    — Esse sem-vergonha mulherengo é o meu cunhado?

    Foi assim que conheci Niana, irmã de Nix. Meu primeiro contato com minha cunhada foi nessa situação absurda.

    Niana era mais nova que Nix, mas curiosamente mais alta. Seu cabelo e sua cauda tinham um tom amarronzado, diferente do pelo acinzentado da irmã. Seus olhos eram mais escuros, seu semblante mais selvagem. Havia algo nela que me transmitia uma sensação de perigo, como se estivesse sempre pronta para atacar. Ela não ostentava nenhuma marca de escrava, o que significava que a viagem delas havia sido um sucesso. Essa constatação trouxe um alívio momentâneo, mas não tive tempo de me aprofundar nisso.

    Com algum esforço, me desembaracei de Alana e fui até Nix, erguendo as mãos em um gesto de paz. Sua expressão fechada foi se suavizando gradualmente, até que ela riu. Respirei aliviado. Estava me preparando para um gelo daqueles, como da vez que fui flagrado com Selune.

    Atrás de mim, Alana se levantou, limpando a poeira da roupa.

    — Quem é essa, papai? — perguntou, a curiosidade estampada no rosto.

    O sorriso de Nix sumiu imediatamente. Gelei.

    — Calma, não é nada disso que você está pensando — tentei acalmá-la, virando-me em seguida para Alana. — E você, por gentileza, fique quieta.

    Alana fez um biquinho, emburrada, mas obedeceu.

    Nix cruzou os braços, olhando-me fixamente.

    — É bom você me explicar direitinho essa história, senhor Lior Aníbal.

    Apontei para umas caixas no canto do cômodo.

    — Vamos nos sentar ali. Vou explicar tudo. Além disso, quero saber o que aconteceu com vocês durante a viagem.

    Ao mencionar a viagem, uma sombra passou pelo rosto de Nix. Algo dentro de mim se apertou.

    — Quanto a isso… Selune… — ela começou, mas eu a interrompi.

    — Eu já sei. Bem, mais ou menos. Mas já sei.

    Nix ficou em silêncio, apenas assentindo. Olhei para Alana.

    — Você, volte ao seu posto de vigia.

    Ela bufou, claramente contrariada, mas obedeceu. Suspirei, aliviado. Pelo menos um problema a menos para lidar naquele momento. Mas a menção a Selune ainda me pesava no peito. Tentei afastar esse pensamento por ora.

    Levei Nix e Niana até as caixas e comecei a contar tudo o que havia acontecido desde que elas partiram. Falei sobre o restante do meu treinamento com Pandora, Marius e Marreta, sobre a luta interrompida contra Germano pela invasão. Contei como lutamos no Matadouro e conseguimos repelir os inimigos, ao menos temporariamente.

    Quando cheguei na parte em que tive que entrar nos sonhos de Pandora para salvá-la, hesitei. Essa foi uma parte particularmente difícil de reviver.

    Expliquei como, ao me conectar ao oceano de mana dela, desencadeei a luta contra o Avatar do Deus do Vazio. Como, ao vencer, adquiri as lembranças de Mahteal e expulsei o Avatar da minha consciência. Mas, para sobreviver, ele se agarrou às conexões que ele possuía com Shade e Selune e invadiu seus corpos. Tinha sido graças a mim, era minha culpa, e Selune, justo ela tinha tentado me avisar.

    Conforme eu contava, via a expressão de Nix e Niana mudando. Elas estavam finalmente compreendendo o que havia acontecido, como algo tão distante acabou afetando diretamente sua jornada.

    — Caramba — exclamou Nix. — Agora entendo o porquê…

    Fiz um gesto para que esperasse. Eu ainda não tinha terminado, e sabia que, uma vez que começasse a falar, não queria interrompê-la.

    Continuei, explicando a situação da cidade, a horda dos mortos, os mausoléus e nossa estratégia para lutar contra aquilo.

    — E aquela ali? — perguntou Nix, apontando para Alana, que observava tudo à distância.

    Levei a mão à cabeça. Outra longa explicação a caminho.

    Respirei fundo e comecei, explicando devagar, dando tempo para que absorvessem todas as informações. Era muita coisa de uma vez só.

    — Então quer dizer que realmente você é o “pai” dela? — perguntou Nix, como se precisasse confirmar que havia entendido corretamente.

    — Isso. Ela é meio que filha de Mahteal. E eu… bem, eu sou meio que ele.

    Niana bufou, claramente nada convencida.

    — Muito conveniente sua história, cunhado.

    Lancei um sorriso brincalhão.

    — Só tenho a verdade do meu lado.

    Nix me lançou um olhar exasperado, mas antes que ela pudesse retrucar, resolvi tomar a dianteira.

    — Mas agora é a sua vez, meu amor. O que aconteceu na viagem de vocês? E como me encontraram?

    — Não se esqueça que ambas somos excelentes farejadoras. Fomos até a mansão. Ela estava abandonada. Fomos para a arena. Rosa nos informou que você tinha saído com o pessoal. Depois foi mais ou menos fácil seguir seu cheiro até aqui, só tivemos que lidar com alguns zumbis.

    Quis perguntar da mansão, de Jorjen, mas as notícias da viagem eram mais importantes para mim.

    Nix respirou fundo, como se quisesse organizar seus pensamentos, e começou.

    — Logo no dia que chegamos fomos à arena de Lurdz e vimos minha irmã lutar. Imagine minha surpresa: minha irmã lutava com abandono e um sorriso nos lábios. Ao contrário do que eu imaginava, ela gostava daquilo. Sua mente havia regredido ao que chamamos entre nós de “Karmiza”, um estado onde voltamos a ser selvagens.

    Ela fez uma pausa, como se revivesse a cena na própria mente antes de continuar.

    — Ela não me reconhecia, só queria lutar, matar. Meu coração se apertou por ela… O que aconteceu para que se fechasse assim? Ao contrário de mim, que tive a sorte de encontrar você, ela só conheceu abuso e tortura. Não tenho coragem de dizer, não, nem de imaginar, tudo pelo que ela passou.

    Sua voz tremeu e, por um momento, ela ficou em silêncio, respirando fundo. Seus olhos estavam cheios de lágrimas. Niana andava para lá e para cá, os punhos cerrados, a mandíbula tensa, como um animal pronto para atacar. Sua presença me lembrava a elfa de Haroldo, que eu tinha enfrentado mais cedo.

    — Naquela noite — continuou Nix, finalmente — eu, Karlom, Shade e Selune voltamos para a hospedagem. E então… naquela noite, descobri algo que me deixou ao mesmo tempo muito chateada e muito contente. Selune está grávida.

    Ela deixou as palavras no ar, me encarando como se esperasse ver minha reação. Mas eu não consegui falar nada. Meu corpo travou. Meu coração perdeu uma batida. O mundo girou.

    — Minha irmãzona Selune está esperando um filho seu, Lior. — A voz dela ficou embargada. — Eu… eu, egoísta, queria que fosse eu. Estou tão arrependida… Se eu soubesse o que aconteceria depois…

    Senti o impacto como uma patada no peito. Selune. Grávida. Meu filho. Meu filho… e o Avatar. O que tinha acontecido com ele? Com o bebê que ela carregava? A realidade veio a galope, esmagadora, cruel.

    Meu estômago revirou. A mão tremeu ao passar pelos cabelos. A imagem de Selune, vulnerável, e da sombra do Avatar pairando sobre nós tomou conta da minha mente. O que diabos isso significava? O que eu havia feito?

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