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    Na manhã seguinte, as garotas estavam todas reunidas comigo no jardim interno da mansão, sentadas em posição de lótus. A grama úmida reluzia sob a luz suave do sol nascente, e o ar carregava um frescor agradável, como se o mundo esperasse em silêncio pelo que viria a seguir.
     
    Se não fosse tão sério, seria até cômico ver aquelas quatro figuras compenetradas, olhos fechados, testas franzidas, tentando meditar como se o destino do mundo dependesse disso. Talvez, de certa forma, dependesse mesmo.
     
    A única que estava de fora era Alana. Ela me observava de longe, sentada sobre uma almofada, os pés balançando levemente. Tocando seu alaúde. Seu corpo era diferente, literalmente. Criada, não nascida, sua constituição não abrigava um núcleo de mana. A energia fluía por ela de forma difusa, como uma névoa dentro de um jarro de vidro.
     
    Para ajudá-la, eu teria que estudar mais profundamente sua estrutura… talvez até engolir meu orgulho e conversar com Naksa, que a havia construído. Só de pensar nisso, meu estômago revirava um pouco.
     
    Foi então que senti. Uma mudança sutil no fluxo de mana ao nosso redor. Uma oscilação… não, uma convergência.
     
    Abri os olhos e girei o olhar, atento. A energia ambiente se curvava, como folhas ao vento, e era puxada suavemente em direção a Niana, a irmã de Nix.
     
    As duas eram vulpinas, e por tradição, sua raça não cultivava. Não haviam sido ensinadas a acessar o oceano interior nem a manipular sua própria energia vital. Tinham talentos naturais, dons herdados da linhagem, mas nunca haviam passado por um treinamento real. Ensinei a base para elas na noite anterior, sem grandes expectativas.
     
    Mas ali estava Niana. Como se tivesse nascido pra isso.
     
    Era como se comportas tivessem se rompido dentro dela. A mana se derramava com uma voracidade silenciosa. Uma pequena explosão de luz espiritual tomou forma abaixo de seu coração, e lá estava. Seus círculos, estavam se fundindo. Era o início de seu sol de mana.
     
    Sorri, mais surpreso do que deixei transparecer.
     
    Ela abriu os olhos e me encarou com um brilho de travessura.
     
    — Consegui… de primeira.
     
    Cruzei os braços, tentando parecer impassível, mas minha voz saiu carregada de orgulho.
     
    — Eu percebi. Parabéns, Niana. As outras vão pirar quando souberem.
     
    Ela deu uma risadinha e empinou o nariz com orgulho. Tinha aquele jeitinho metido de quem acabara de ganhar uma competição que nem sabia que estava participando.
     
    — E agora? — perguntou, cheia de expectativa.
     
    — Agora vamos além. Vou ensinar magia pra vocês — respondi. — Não só as magias inatas dos vulpinos, mas canalização real. Complexa. E eficaz.
     
    — Uau… — ela sussurrou. — Se isso der certo, seremos as primeiras vulpinas magas da história.
     
    — E não só isso — completei, abaixando o tom. — Vou ensinar como canalizar a mana pelo corpo. Fortalecer músculos, acelerar reflexos. Em pouco tempo, vocês vão ser muito mais fortes, rápidas e resistentes. Vão ser praticamente outra pessoa.
     
    Ela assentiu, encantada.
     
    A semana passou num piscar de olhos. Cada uma das garotas, com esforço, suor e alguma frustração, acabou conseguindo formar seus próprios sóis de mana. A última, surpreendentemente, foi Claire, mas ela não parecia ofendida com isso. Pelo contrário, sua concentração quase fria e metódica era algo que a favorecia no longo prazo.
     
    Eu passava o tempo entre os treinos, sessões de meditação e longas discussões teóricas com Claire. Ela estava crescendo intelectualmente, absorvendo os conhecimentos como uma esponja. Aos poucos, ela se tornava não só uma maga promissora, mas uma verdadeira estudiosa da magia.
     
    E então, no final da semana, quando estávamos comemorando a conquista de Claire, com Nix praticamente pulando de alegria ao redor da amiga, Pandora chegou.

    Ela entrou na sala como um furacão elegante, armada com seu típico sorriso sarcástico e uma aura de confiança que quase empurrava o ar pra fora do ambiente.

    — E aí, gente? O que tá rolando por aqui?

    — Claire conseguiu! — Nix anunciou, pulando até ela. — Formou o sol de mana!
     
    Pandora arqueou uma sobrancelha. Seus olhos se voltaram imediatamente para mim, faiscando com aquela mistura de cobiça, desafio e curiosidade afiada que era marca registrada dela.
     
    — Sol de mana? — repetiu, como se saboreasse a ideia. — Conte-me mais, garoto prodígio…
     
    Antes que eu pudesse responder, Nix tomou a frente, como sempre. Lançou-se em uma explicação empolgada, cheia de gestos exagerados e olhos brilhando. Falou da meditação, da convergência de mana, da formação dos círculos e da criação do núcleo.
     
    Pandora ouvia com os braços cruzados, um leve sorriso nos lábios. Dava pra ver que ela estava mais interessada do que queria parecer.
     
    A tempestade estava apenas começando. Mas dessa vez, eu não estava sozinho. Com Claire, Nix, Niana, Alana… e agora Pandora ali para treinar combate, as coisas estavam prestes a escalar para um novo nível.
     
    — Eu topo treinar as meninas — disse ela, num tom casual demais para quem estava prestes a transformar a rotina delas num inferno. — Mas não quero moleza. Em troca, quero aprender essa técnica de fundir os círculos. Também quero criar meu próprio sol de mana.

    — Fechado — respondi sem hesitar.
     
    Ela se espreguiçou como uma gata preguiçosa. Mas seus olhos diziam que ela já estava planejando um treinamento digno de pesadelos.

    — Ah, e pra treinar bem as meninas… melhor se eu me mudar pra cá, não acha? As coisas na arena estão paradas e não tem previsão pra voltar tão cedo. Basicamente, estou sem rumo no momento.
     
    Levantei uma sobrancelha.

    — Está bem — consenti. — decidiu algo sobre sua família, sua herança? Pensou sobre isso?
     
    Ela fez uma pausa, o sorriso sumindo um pouco. Sentou-se numa das poltronas como quem precisava descarregar algo do peito.
     
    — Era sobre isso que eu queria falar com você…
     
    Seus olhos não perdiam aquele brilho desafiador, mas havia um peso neles agora.
     
    — Lenora me mandou uma mensagem. Disse que desconfia de quem eu seja. Parece que Hass foi pressionado e abriu o bico. Contou tudo. Até que Annabela e Juliani foram responsáveis pela morte dos meus pais e irmão. Mas pediu que eu me mantivesse em silêncio… pelo menos por enquanto. Não sei se ela estava tentando me pegar…
     
    Fiquei em silêncio por um momento, digerindo aquilo.
     
    — Entendi. Parece que Lenora está mesmo querendo balançar as estruturas do Império.

    — Quanto a isso, não sei — ela respondeu, jogando a cabeça para trás. — Sempre fico com os dois pés atrás com esse tipo de gente. Políticos demais. Quando vemos estamos na rede deles, como com você.
     
    — Como eu? — repeti, sorrindo de canto.
     
    — É. Quando percebi, você estava de casamento marcado. A gente acha que está no controle… e de repente, está no meio de um tabuleiro, sendo movido.
     
    — Faz parte do jogo — murmurei.
     
    — — Pois é — ela respondeu, olhando para o teto. — Só precisamos garantir que, no final, não sejamos os peões.

    — Com isso só posso concordar. Vai pegar suas coisas. Hoje à noite, Claire vai te ensinar a desenvolver seu sol. A diferença de poder vai te impressionar, garanto.
     
    Pandora riu, sacudindo os ombros com aquele jeito irreverente, e se levantou num só movimento fluido. Saiu da sala com passos decididos, como se o mundo já fosse dela e só estivesse esperando ela recolher as chaves.
     
    Fiquei ali por alguns segundos, aproveitando o raro silêncio. Mas não durou.
     
    Nix se aproximou, passos lentos, calculados. O rosto era neutro demais para ser sincero. A cauda balançava atrás dela como o pêndulo de um relógio prestes a marcar a hora da punição.
     
    — Ela vem pra cá também? Hum… estou começando a perceber um padrão muito claro, senhor Lior…
     
    Ergui as sobrancelhas, confuso, ou fingindo estar.
     
    — O quê?
     
    — Você se cerca de mulheres — disse ela, parando bem diante de mim, olhando nos meus olhos com aquela intensidade toda dela. — Mulheres bonitas. Fortes. Interessantes. E agora… Pandora.
     
    Ela deu mais um passo, diminuindo o espaço entre nós. Seu tom era suave, mas havia algo afiado por trás. Uma ameaça brincalhona, quase felina.
     
    — Espero de verdade que ela seja a última, Lior.
     
    Engoli seco. Meu estômago deu um nó desconfortável, parte nervosismo, parte culpa mal disfarçada.
     
    — Não é como se eu estivesse fazendo isso de propósito… — tentei justificar.
     
    Ela estreitou os olhos, um sorriso dançando no canto dos lábios.
     
    — Espero mesmo. Porque se for… bom, digamos que nem todo mundo aqui vai aceitar dividir você pra sempre. Eu mesmo, não vou.
     
    Fiquei parado, absorvendo as palavras e o peso que elas carregavam. Nix se afastou, cauda ainda oscilando no ar como se ela tivesse marcado território, ou lançado um aviso.
     
    E eu ali, em meio a tantas mulheres poderosas, cercado de segredos e objetivos, comecei a perceber que o campo de batalha fora das intrigas políticas… talvez fosse até mais perigoso.

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