Índice de Capítulo

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    Alex não era exatamente difícil de agradar, pelo menos em teoria.

    Ainda assim, ali estava ele, encarando a bandeja de barro no balcão, modesta e inofensiva, como se aquilo fosse um castigo imposto por deuses entediados.

    Dentro, as formigas-pote-de-mel vagavam sem rumo, escalando uma sob a outra incessantemente. Eram criaturas amarelas e resilientes — belas, até — mas algo naqueles abdômens transformados em reservatórios ambulantes de néctar fazia com que a ideia de comê-las fosse estranhamente desconfortante. O jovem entendia que, em tempos normais, tais seres seriam considerados um tesouro. Estas, porém, tinham algo errado. Eram maiores, mais pálidas e, de certa forma, mais apetitosas.

    — Vamos, mi corazón — murmurou Catarina, com o que para ela devia ser charme, mas que para Alex soava como provocação profissional. Seu cotovelo tocava de leve o braço dele, e o sorriso incrustado de gemas dançava entre insinuante e debochado, como sempre. — Es el último lote da temporada. Hasta las formigas están ficando escassas agora.

    — Não é exatamente meu tipo de prato.

    — Y cuál es tu tipo? — perguntou ela, com aquele sotaque que soava como se cada sílaba tivesse passado por uma onda salgada antes de chegar aos ouvidos dele. — Porque, se não gosta de mel, posso trazer algo mais… carnívoro.

    Ele não respondeu de imediato. Pegou uma delas com os dedos, sentindo o corpo inchado e tenso da criatura, quase prestes a estourar. A formiga se contorceu levemente, mas não o picou – talvez porque até ela soubesse que, neste mundo, resistir era inútil.

    — Você já comeu uma dessas? — Alex perguntou, não especificamente para Catarina, nem para Luiz, que observava de relance do outro lado do balcão. Ainda assim, o mentalista respondeu.

    — Claro que não. Mas dizem que o gosto é doce.

    O guerreiro ardente suspirou, e o abdômen estufado da criatura se moveu quase imperceptivelmente, como se dissesse: sim, você vai mesmo fazer isso. E ele fez. Colocou na boca e mordeu antes que o nojo tomasse a frente.

    O inseto estourou entre os dentes, e o sabor se espalhou – um mel denso, quase enjoativo, com um fundo terroso que não devia estar lá. Não era ruim, só era… demais. Como se alguém tivesse pegado o conceito de “doce” e o espremido até sobrar apenas o excesso. Ele engoliu rápido, mas o gosto ficou, grudento, na língua.

    Limpou a garganta, apoiou os braços sobre a mesa e olhou pela janela da taverna. Lá fora, um pequeno avião se arrastava pelo céu, como se estivesse arrependido da decolagem. O motor gemia baixinho enquanto o veículo deslizava até a pista improvisada. Suspirou.

    — O ouro tá acabando. E a desgraçada da Ana nada de aparecer.

    Luiz riu, mas o som saiu mais como um resmungo.

    — E a Niala? — ele perguntou, os dedos parando de tamborilar na garrafa da aguardente que ainda refletia se devia ou não beber. — Nem um “tchau”, nem um bilhete, nada. Achei que ela pelo menos daria um pio antes de desaparecer.

    Alex olhou para ele, lento, como se estivesse decidindo se valia a pena entrar nessa conversa de novo.

    — Você tem que parar com isso.

    — Com o quê?

    — Com essa mania de achar que a rainha-aranha alguma vez gostou de alguém aqui. Ela não gostava. Nunca gostou. Ela apareceu porque era útil, ficou porque era conveniente e foi embora porque acabou o que ela queria.

    — Eu sei. — O mentalista revirou os olhos, mas não conseguiu disfarçar o tom levemente cortado. — Só não achei que ela sumiria tão fácil, porra.

    Alex assentiu uma única vez, curto, quase como se fosse só uma contração muscular.

    — É sempre assim. A gente só se surpreende quando finge que não sabia desde o começo.

    Pegou outra formiga do pote – porque, afinal, se já comeu uma, por que não duas? – e mastigou com a expressão de quem está pensando em coisas mais úteis, como, por exemplo, como seria bom se o mundo simplesmente parasse de inventar novas maneiras de piorar.

    Catarina soltou um “hmm” que parecia meio ronronar e meio zombar. Com um gesto preguiçoso, também pescou algumas formigas do prato, deixando que seus brincos balançassem sob o clarão intermitente das lamparinas. Inclinou-se um pouco à frente, como se fosse dividir um segredo com o vento, mas decidiu falar mesmo assim:

    — Mi niño amargo… si sigue assim, vai ficar viejo rápido. 

    Alex passou a mão pelo rosto, sentindo a pele quente e o leve latejar do cansaço acumulado. Então soltou, num tom mais factual que indignado.

    — Dois meses é muito tempo pra ficar no mar sem a maior parte da tripulação.

    Era verdade, e não apenas por razões logísticas. A tensão começava a se empilhar, o desgaste de uma vida vadia em Mare Euphoria, também. Catarina bufou e encolheu os ombros, recostando-se de novo na cadeira com a elegância cínica.

    — No debería ser surpresa. Já deve estar más que muerta. — Disse isso como quem comenta que o vinho azedou, o que era um incômodo, mas não uma tragédia. — Superestimó su habilidade. Esa mujer achava que podía pelear contra o mar com vontade e um olhar feio.

    Dessa vez, quem se manifestou foi Madame, em um som baixo e rouco vindo de um canto mais afastado, onde a luz mal tocava, mas onde ninguém se iludia sobre sua atenção.

    — Talvez. Mas é melhor não montar o relatório de morte dela ainda… não queremos repetir o meu erro e espalhar mais desinformação.

    Catarina fez uma careta curta e puxou um novo punhado de formigas. Não teve a menor cerimônia: mastigou com um grunhido que oscilava entre o tédio e o desprezo — fosse pelas formigas, fosse pela situação, ou por tudo ao mesmo tempo.

    — Bueno — ela cuspiu um pedaço de asa minúscula no balcão. — Entonces esperamos. A ver si el mar es más amable que nosotros.

    Um silêncio curto se instalou.
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