Capítulo 24 - Homem da Morte
Ao alcançar a porta, Derek se virou na direção por onde Amanda havia fugido. Sentia algo estranho, difícil de nomear — uma espécie de orgulho silencioso. Se ainda estivesse vivo, talvez estivesse chorando de felicidade.
Lembrou-se das incontáveis vezes em que tentou salvar alguém e falhou. Mas, dessa vez, não. Dessa vez, alguém escapou. E isso bastava.
Ergueu a cabeça com firmeza. Seu nariz, agora restaurado, se elevou no gesto involuntário de alguém que inspira o mundo ao redor.
E suspirou — seu pulmão também havia voltado.
E foi aí que tudo desabou.
Em um instante, caiu de joelhos. Os olhos se tornaram completamente brancos. O fedor da podridão invadiu suas narinas com brutalidade, uma avalanche invisível que quase o fez desmaiar.
Era como se o cheiro trouxesse à tona lembranças esquecidas — sensações amargas, ardentes, multiplicadas muitas vezes. Por um breve momento, Derek se arrependeu de ter recuperado o olfato. Não esperava que seria assim.
Atordoado, jogou-se no chão, pressionando as narinas com força, numa tentativa desesperada de bloquear o odor insuportável.
Quando os últimos raios de sol tocaram as paredes do hospital, ele já estava de pé novamente. Precisava continuar. A jornada não havia terminado.
Tapando o nariz, ele seguiu andando.
Mas e enquanto a Amanda?
Horas antes, assim que saiu da sala, Amanda correu instintivamente, impulsionada por puro terror. Não sabia se dos mortos-vivos que rondavam os corredores, ou da loucura que ameaçava engoli-la por completo.
Enquanto avançava pela escuridão, tropeçando nos escombros, uma enxurrada de pensamentos a esmagava por dentro. O rosto de sua mãe surgia com o sorriso cansado e os olhos ternos.
E, como fantasmas arrastando correntes, vinham também os rostos de todos que ela perdeu ali dentro. Lágrimas escorriam de seus olhos. A garganta queimava. O estômago roncava, seco e vazio. Ela não comia há dias, e a sede já fazia sua cabeça girar.
Mesmo assim, seguia correndo. Mas o pensamento que mais a assombrava era o do morto-vivo que a ajudou.
Ele não era como os outros. Havia algo nos olhos que parecia lúcido.
“Ele entendeu o que eu disse…”, pensava, enquanto corria. “Ele não me atacou. Ele… me deixou fugir.”
Isso a deixava ainda mais confusa. E assustada.
Após um tempo, encontrou claridade no segundo andar. Havia uma janela destrancada, abriu com esforço e tentou descer pela lateral do prédio. Os braços, fracos de fome, mal sustentavam o próprio peso. No meio da descida, escorregou. O corpo caiu como um saco vazio.
Na breve queda, abraçou a mochila com força, protegendo os remédios como se fosse um casulo.
A queda foi amortecida por um arbusto, mas a dor veio forte. O osso da perna se deslocou com um estalo seco, e Amanda tentou gritar, mas não saiu som — não tinha forças para gritar. Chorou, mas não havia lágrimas. O corpo já não tinha mais nada a oferecer.
Ainda assim, arrastou-se. Tentou andar. Mancou. E continuou, com os pensamentos embaralhados entre dor, medo e lembranças de tudo que havia perdido e do que ainda tinha.
A cada passo, o mundo girava mais.
Até que desabou.
No chão frio, sem forças, Amanda caiu de lado, o rosto pressionado contra o asfalto. O corpo inteiro tremia. A dor na perna era pulsante, latejante, mas já começava a se misturar com um torpor estranho — como se a mente estivesse se desligando devagar, para poupá-la.
A visão estava embaçada. Tudo girava. As cores do mundo pareciam lavadas, como se ela estivesse olhando através de uma vidraça suja.
E então, entre borrões de luz e sombra, uma silhueta surgiu.
Passos se aproximaram. Lentos e cuidadosos.
Amanda tentou levantar o rosto, mas o corpo se recusava a obedecer. Apenas os olhos se moveram, pesados, e foi tudo o que conseguiu fazer.
O vulto se agachou diante dela.
Ela viu apenas os pés — botas escuras, firmes, sujas de terra e sangue seco. Um leve farfalhar de tecido, um joelho tocando o chão. Depois, sentiu uma mão tocar seu ombro com suavidade.
A mente de Amanda tentou perguntar “quem?”, mas nenhuma palavra veio.
A escuridão a envolveu por completo. E, então, tudo desapareceu.
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Enquanto a noite engolia o céu e o hospital mergulhava em sombras espessas, Derek seguia resistindo. A escuridão avançava sem pressa, trazendo consigo o silêncio e o peso das horas.
Nos corredores inferiores, o cheiro era ainda pior. O odor podre dos cadáveres parecia ter se impregnado nas paredes, denso como mofo antigo. A cada passo, tornava-se mais insuportável.
Foi ali que Derek entendeu: não poderia mais tapar o nariz com as mãos. Não apenas era inútil — era perigoso.
Em sua jornada, poderia encontrar mortos-vivos especiais que o obrigariam a usar as duas mãos.
Sem alternativas, improvisou uma máscara com trapos sujos espalhados pelos corredores. Amarrou-os ao rosto com firmeza, tentando, como podia, se proteger daquele ar sufocante.
E assim seguiria — ao menos até se acostumar com o cheiro. Se é que isso era possível.
Só quando a aurora finalmente riscou o horizonte, atingindo os destroços com os primeiros raios dourados, é que encontrou a saída. Cambaleante, atravessou as portas quebradas.
Minutos depois, Derek caminhava lentamente pelas ruas rachadas. Embora não sentisse, ele já estava feliz de poder ver o sol novamente, após muito tempo preso no hospital.
Derek se sentiu aliviado por estar do lado de fora.
Enquanto caminhava, pensava no que poderia ter acontecido com a jovem que havia salvado. Não encontrou rastros dela nos corredores, apenas mortos-vivos inquietos.
As preocupações se diluíram por um instante, substituídas por um outro pensamento: se continuasse resgatando pessoas, acabaria virando um tipo de super-herói.
“Deathman…”, pensou, rindo por dentro.
Já afastado do hospital, decidiu retirar os trapos do rosto. Se pretendia sobreviver naquele novo mundo, teria que se acostumar com o cheiro.
Assim que puxou a máscara improvisada, uma explosão de odores invadiu suas narinas de uma só vez.
A mão subiu ao rosto por instinto, mas ele se forçou a resistir. Precisava suportar. Tirou a mão devagar.
Deu mais alguns passos e então algo inesperado aconteceu.
O cheiro começou a mudar.
Uma brisa leve trouxe consigo algo doce. O ar parecia mais fresco. Havia ali o perfume sutil de árvores, o cheiro suave da terra úmida e flores.
Flores de verdade. Algumas brotavam entre as frestas da calçada, como se se recusassem a morrer.
Derek inspirou fundo.
Mas o fresco durou pouco.
Um odor podre o atingiu como um soco no estômago. Recuou, cobrindo o rosto com a mão enquanto lutava contra a ânsia.
À frente, um grupo de cinco mortos-vivos atravessava lentamente a rua. Suas formas disformes deixavam um rastro visível e fétido, como se o ar apodrecesse por onde passavam.
Por um instante, Derek pensou em desviar e encontrar outro caminho.
Mas não dava.
Mesmo se recuperando aos poucos, ainda estava fraco. Sozinho, podia ser morto com facilidade. Fugir não era mais uma opção viável.
Pegou os trapos e amarrou novamente no rosto. Apertando firmemente.
E seguiu em direção ao grupo.
Outros mortos-vivos isolados começaram a surgir pelos cantos saindo de becos — destroços e edifícios abandonados.
Aos poucos, se agruparam, formando uma horda.
Quanto mais mortos-vivos vinham, mais o cheiro se intensificava, passando através da máscara de trapos de Derek como se ela não existisse.
“Me arrependo seriamente de ter recuperado meu olfato.”
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