Capítulo 185: Jantar de negócios
Quando terminei os ajustes no laboratório, uma lembrança me atingiu como um raio: Lenora vinha jantar em casa. Olhei para o relógio encantado preso à parede. Tinha pouco mais de duas horas. Tempo o suficiente, se desse tudo certo.
Literalmente corri de volta para a mansão.
Assim que passei pelos portões, encontrei Anna, minha nova governanta, organizando os serviçais no jardim.
— Lady Lenora virá jantar — anunciei, sem perder o fôlego. — Não sei se trará convidados. Peça que retirem vinho e cerveja da adega, e organize um cardápio adequado. Algo… refinado, por favor.
Ela arqueou uma sobrancelha, mas seus olhos brilharam com o desafio.
— Em cima da hora, claro… — murmurou, ajeitando o coque — Mas pode deixar, milorde. Sei exatamente o que fazer.
Fez uma mesura elegante e correu para dentro da casa como uma comandante marchando para a batalha. Confiei que tudo sairia melhor do que se eu mesmo tentasse decidir entre um assado ou um ensopado.
Ao adentrar na casa, o som suave de um alaúde me alcançou. Parei, reconhecendo a voz clara de Alana em meio à melodia, doce, vibrante, cheia de alma. Vinha da sala de estar. Me aproximei em silêncio e encostei no batente da porta.
Ali estavam elas.
Nix, Claire, Niana e Alana, que cantava sentada sobre o braço do sofá como se fosse um palco. A cena era tão acolhedora que doeu um pouco no peito, como se ali, naquele momento, morasse tudo que eu queria proteger. A falta de Selune gritava dentro de mim.
Niana foi a primeira a me notar, com seus sentidos aguçados. Nix foi a segunda. Seus olhos brilharam quando me viu, e em um instante ela estava de pé, correndo na minha direção.
— Você demorou… — disse, erguendo o rosto para mim.
— Fiquei ajudando Lock — respondi, afagando seus cabelos.
— Pandora ainda não chegou.
— Deve vir com Lenora. Aliás, Claire — voltei-me para ela —, sua bisavó vem jantar conosco hoje. Ela quer ver como você está.
Claire ficou imóvel por um segundo. A ideia de ter uma bisavó parecia ainda nova para ela, e o sorriso que se formou em seu rosto foi genuíno, quase infantil.
— Só… lembra do que te falei sobre seus tios, e sobre sua prima — acrescentei, o tom mais sóbrio. — Lenora pode ser sua bisavó, mas ainda é uma raposa velha. Tome cuidado.
— Então tem que tomar cuidado com raposas velhas, é? — provocou Nix, erguendo uma sobrancelha e rindo baixinho.
— E eu que tenho que tomar cuidado com uma raposa jovem também — rebati com um sorriso de canto.
— Seu besta — respondeu ela, fazendo um bico indignado e me dando um soquinho nas costelas.
Rimos juntos, mas cortei a brincadeira antes que nos distraíssemos demais.
— Vamos ter convidados — anunciei, endireitando os ombros. — E vamos todos ajudar a preparar a casa, combinado? Alana, você poderia tocar para Lady Lenora durante o jantar. Tenho certeza de que ela vai adorar.
Alana assentiu com um sorriso tímido, mas orgulhoso. Claire pareceu prestes a se levantar, mas Nix foi mais rápida, já puxando Claire e a irmã pela mão.
— Vamos todas tomar um banho de garotas! — anunciou, como se fosse um plano de guerra. — Lior vai ter que se virar sozinho hoje, venha também Alana.
Observei as quatro desaparecerem rindo pelo corredor, como uma pequena tempestade de alegria. Suspirei, resignado, mas com um sorriso no rosto.
Fui até meu quarto, pronto para encarar a segunda batalha do dia: banho, roupas formais… e um jantar com uma anciã imperial que sorria como uma avó, mas jogava como uma política experiente.
Quando sai do banho, a casa já estava impregnada de aromas ricos, ervas tostadas, carne assada lentamente, e o leve perfume de flores frescas trazidas às pressas por Anna para compor o centro de mesa. Ela realmente superou minhas expectativas.
Desci as escadas ao ouvir os passos cuidadosos de Claire. Ela vestia um longo vestido azul-escuro, que fazia contraste com sua pele pálida e seus cabelos castanhos claros presos em uma trança lateral delicada. Havia algo em sua expressão: uma compostura madura, como se estivesse finalmente se dando conta de seu papel no mundo.
Nix surgiu em seguida, saltitante e confiante, com um vestido de tecido leve e esvoaçante, em tons de vinho e dourado que realçavam sua cauda exuberante e seus olhos âmbar. A ornamentação com folhas douradas entre suas orelhas felpudas era um toque dela mesma, é claro.
Alana e Niana vieram por último. A primeira usava um vestido branco perolado, com detalhes bordados em prata, o alaúde preso nas costas. Já Niana optara por algo mais sóbrio, de tons verdes escuros e acinzentados, com a elegância seca de uma sentinela e o desconforto de usar roupas formais estampado em seu rosto sério.
A porta principal foi aberta por um dos criados. Anna veio me avisar discretamente:
— Milorde, Lady Lenora chegou. E trouxe… companhia.
Fui até a entrada e lá estavam elas. Lenora desceu da carruagem com uma fluidez que não condizia com sua idade, trajando um manto bordado com fios imperiais, marfim e azul, cada gesto carregado de autoridade contida. Ao seu lado, Pandora, vestida de maneira mais simples, mas elegante, com um vestido cinzento de mangas longas e uma pedra escura presa ao colarinho.
E, por último, uma terceira figura desceu. Uma mulher de meia-idade, pele morena, cabelos cuidadosamente trançados em um coque, e olhos escuros que analisavam tudo ao redor com uma frieza sutil. Ela trajava um vestido cerimonial negro com costuras prateadas em padrão espiralado. O brasão da Casa Umbrani reluzia em um broche de ametista sobre o peito.
— Lior — cumprimentou Lenora com um sorriso genuíno. — Espero que não tenha sido um transtorno vir jantar conosco.
— De forma alguma — respondi, fazendo uma reverência. — Sua presença é sempre bem-vinda.
Ela olhou para dentro e, ao ver Claire ao fundo, apressou o passo.
— Claire — disse, a voz carregada de emoção. — Como está se sentindo?
Claire sorriu, e sua postura permaneceu firme, apesar da vulnerabilidade que cruzou seus olhos por um instante.
— Melhor. Um pouco fraca ainda, mas bem.
Lenora a tomou pelas mãos e fitou seus olhos como se procurasse por rachaduras invisíveis.
— Está sentindo formigamento? Dores nas costas ou no pescoço? A mana corre normalmente?
— Tudo parece em ordem, de verdade. Lior me examinou, e disse que não há sinais de dano permanente.
Lenora assentiu, aliviada, mas sua expressão endureceu logo em seguida.
— Acreditamos que a responsável por isso seja sua tia, Melindra. A serviçal que lhe ofereceu água foi capturada mas não revelou nada, mesmo sob tortura. Usamos magias divinatórias, e a resposta foi um tanto controversa. Mas a imagem de sua tia apareceu duas vezes.
Claire não respondeu. Apenas firmou o olhar e assentiu devagar.
A mulher da Casa Umbrani pigarreou com delicadeza, chamando atenção para si.
— Milorde Lior, Lady Claire, Senhorita Nix… — disse, seu tom educado, mas frio como uma noite sem lua. — Permitam que me apresente: sou Lady Sybela Umbrani. Fui incumbida por Lady Lenora da honra de organizar vosso casamento.
Seu olhar percorreu cada uma das garotas, parando por um segundo a mais em Nix. Havia algo ali. Um brilho quase imperceptível de julgamento contido.
— Será, naturalmente, um desafio… incomum — comentou, ajeitando as luvas sem motivo real. — Mas nada que não possa ser ajustado com o devido planejamento e bom gosto.
Nix sorriu, irônica.
— Que bom que confia no seu próprio bom gosto, Lady Sybela. Vamos precisar.
— Oh, certamente — respondeu Sybela, como quem aceita um desafio intelectual.
Antes que o clima esfriasse de vez, Pandora interveio com naturalidade:
— Vamos entrar? A comida está cheirando muito bem, e minha barriga está me lembrando que sou humana.
Risos leves quebraram a tensão. Eu conduzi as convidadas para o salão de jantar, e as garotas seguiram atrás com passos elegantes, todas impecáveis, como as senhoras e rainhas que um dia poderiam ser.
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