Capítulo 187: Início do recrutamento
O jantar chegou ao fim, mas Lenora e Sybela permaneceram na casa. Claire e Nix as conduziram até uma das salas de estar, onde o assunto do momento passou a ser exclusivamente os planos para o casamento. As conversas seguiam animadas, já a todo vapor, com uma energia que só aumentava conforme os minutos passavam.
Me despedi discretamente, deixando as mulheres completamente à vontade. Elas pareciam bem o bastante sem mim por perto, e, para falar a verdade, eu precisava de um pouco de silêncio. O peso das últimas horas começava a cobrar seu preço.
Segui para o meu quarto em passos lentos, sentindo aquele cansaço que não é apenas físico, mas que parece enraizado no fundo da alma. Minha cabeça ainda estava cheia… os ecos das revelações na torre de Malena vinham e voltavam como ondas. Ainda assim, curiosamente, não pesavam tanto quanto eu imaginei que pesariam. Talvez fosse o alívio de saber que, agora, eu não estava sozinho nessa.
Se havia algo que aprendera sobre Mahteal… era o quanto ele tinha sido consumido pela solidão. Mesmo com Malena e Naksa ao seu lado, a sensação de abandono e isolamento nunca o deixou. Eu… eu não me sentia assim. Nem de perto. Minhas garotas estavam comigo. Nix e Claire… elas me ancoravam. Me puxavam de volta toda vez que eu me perdia. Me lembravam de quem eu era… e de quem eu deveria continuar sendo.
Me deitei ainda com esses pensamentos girando na cabeça, e não demorou até o sono me alcançar.
Logo percebi que estava sonhando. Mas era um daqueles sonhos diferentes, um sonho lúcido, intenso… como os que Mahteal costumava provocar quando queria me mostrar algo. O ambiente ao meu redor era um vazio escuro, denso, quase sufocante. Ainda assim… havia uma consciência ali comigo.
Foi quando ouvi a voz.
— Lior? Lior…? Onde você está?
Era Selune.
Meu coração deu um salto, e minha garganta apertou.
— Estou aqui! — respondi, tentando gritar, mas minha voz soou abafada, como se o próprio sonho quisesse me calar.
Não houve resposta imediata. Olhei ao redor, mas tudo era sombra, um breu sem formas definidas. Até que, pouco a pouco, o mundo ao meu redor ganhou uma pálida luminosidade. Era como se eu estivesse observando silhuetas projetadas atrás de um lençol. Ela estava de um lado… e eu do outro.
Vi sua mão pressionando a barreira invisível que nos separava. Sem pensar, estendi a minha, tentando alcançá-la. Quando nossas mãos se tocaram… ou melhor, quando eu toquei aquela ilusão de sua mão… senti como se estivesse encostando em algo através de várias camadas de tecido. Frio. Distante. Inalcançável.
E então, ouvi. Um suspiro. Estrangulado, trêmulo. Como se ela chorasse.
Meu coração explodiu em desespero.
— Selune! Onde você está? — gritei de novo, com todas as forças que consegui reunir.
Mas o único som que veio de volta foi o dela… chorando.
Pressionei minha mão com mais força contra a barreira. Queria atravessá-la. Queria arrancá-la dali. Mas era inútil.
Sua voz veio novamente, sussurrada, embargada, como se percorresse uma distância imensa para chegar até mim.
— Nosso filho… nos une, meu amor… — disse ela, com uma fraqueza que me fez estremecer. — Mas… eu não sei onde estou… é tão frio… tão escuro… só quero voltar pra casa…
E então, tudo se desfez.
Acordei sobressaltado, o peito arfando, o corpo inteiro suado como se tivesse corrido por quilômetros. Por um segundo, demorei a reconhecer o quarto, os móveis, a janela entreaberta… Mas aí senti.
Algo fofo e quente me bateu de leve no rosto.
A cauda de Nix.
Ela resmungou, se remexendo ao meu lado, com a voz ainda arrastada de sono.
— Que barulheira é essa…? — murmurou, puxando o cobertor até o queixo. — Quero dormir… vim tarde pra cama…
Suspirei fundo, tentando me acalmar. Passei a mão no rosto, tentando afastar o resto daquele sonho. Olhei pra ela… e, num impulso, deslizei minha mão até pousá-la abaixo de seu umbigo.
— É sério…? — perguntei, num tom mais baixo, com o coração ainda acelerado.
Nix abriu um dos olhos, me encarando com aquele olhar sonolento… mas maroto.
— Por quê? Não gostou? — devolveu, com um sorriso preguiçoso nos lábios.
— Claro que gostei… só fui pego de surpresa… só isso…
Ela riu baixinho, me puxando mais pra perto.
— Ainda não sei com certeza… — cortou ela, antes que eu pudesse dizer mais alguma coisa. — Estou atrasada… então… acho que sim…
Não consegui segurar o sorriso. Envolvi os braços ao redor dela, puxando-a pra junto de mim, e deitei a cabeça dela sobre meu peito.
— Amo você… sabia disso?
Ela ronronou de leve, antes de responder.
— Também te amo, Lior…
Acabamos adormecendo de novo em poucos minutos. Mas mesmo ali, com ela nos meus braços, não tive coragem de contar sobre o sonho. Sobre Selune. Sobre o frio. Sobre o choro. Algo dentro de mim dizia que aquilo… aquilo era um presságio. E eu não queria atrair nenhum mau agouro pra dentro do nosso quarto.
Quando acordei na manhã seguinte, Nix já não estava mais na cama. Por um instante, estiquei a mão pelo lençol, ainda meio grogue de sono, procurando por ela no vazio frio do colchão. Suspirei, esfregando o rosto e me forçando a sair dali.
Desci até o salão de desjejum. O cheiro de pão recém-saído do forno e café forte preenchia o ar. Pandora e Niana já estavam à mesa, ambas em seus próprios ritmos matinais. Pandora mantinha sua postura controlada como sempre, tomando o café com movimentos delicados. Já Niana… bem… Niana era Niana.
Estava comendo como se o mundo fosse acabar a qualquer instante. A boca cheia, mastigando com vontade e sem a menor preocupação com etiqueta.
Assim que me viu, ela apontou com o garfo para a cadeira ao meu lado.
— Nix e Claire saíram cedo — disse, as palavras saindo meio emboladas por conta da comida. — Uma carruagem veio buscar as duas. Até aquela mulher de cara azeda parecia mais animadinha… e, olha só, nem olhou minha irmã com aquele desprezo costumeiro.
Fiquei alguns segundos em silêncio, apenas concordando com a cabeça enquanto me servia de um pouco de pão e frutas. Não sabia bem como responder. No fundo, a imagem da tal “mulher de cara azeda” só podia ser Sybela. Imaginar ela tentando ser simpática com Nix era algo que beirava o cômico.
Enquanto beliscava um pedaço de maçã, minha mente já começava a puxar de volta para o que eu realmente precisava resolver. Não podia perder tempo. O assunto da ilha, a missão que Lenora tinha intermediado, o pedido da Casa Argos… Eu ia precisar de um time. Gente de confiança. Gente capaz de sobreviver ao que quer que me aguardasse naquela ilha.
E, por mais que a ideia de envolver Nix ou Claire fosse tentadora — elas eram as pessoas em quem eu mais confiava — eu sabia que as duas estavam fora de questão agora. Com o casamento batendo à porta, o risco não valia a pena.
Respirei fundo, terminei o pedaço de pão e deixei a caneca de café de lado.
— Então… — comecei, apoiando os cotovelos na mesa, olhando de uma para outra. — Vocês duas… — fiz uma breve pausa, escolhendo bem as palavras — estariam interessadas em fazer parte de um grupo de ataque?
Niana congelou no meio de uma mordida, os olhos arregalando de imediato.
Pandora pousou a xícara com calma, arqueando uma sobrancelha.
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