Capítulo 188: Pensando em um time
— É sério — falei, olhando fixo para as duas. — Conheço bem a habilidade de vocês. E depois de terem despertado seus sóis de mana… bom… estão ainda mais perigosas. Não é papo de encorajamento barato. É constatação.
Pandora cruzou os braços, jogando o peso para o encosto da cadeira, com aquele jeito meio blasé que ela fazia quando queria parecer desinteressada, mas eu sabia que, por dentro, a ideia já estava mexendo com ela.
— Eu sou uma personalidade valiosa para o Império agora, sabia? — disse ela, fazendo uma careta forçada de superioridade. — Lenora vetaria minha ida antes mesmo de eu terminar de arrumar minha mochila.
— Desde quando você deixa eles mandarem em você? — devolvi, arqueando uma sobrancelha.
Pandora respirou fundo, como se pesasse os prós e contras num segundo.
— Bem… — ela mordeu o lábio inferior, pensativa, e depois soltou um sorriso enviesado, meio debochado. — Você tem um ponto… maldito seja por me fazer considerar isso.
Niana, que até então parecia se divertir só de assistir nossa troca, foi mais rápida.
— Eu tô dentro — disse ela, com a boca ainda meio cheia de pão. — Já tô entediada de ficar aqui à toa, só treinando, comendo e cochilando.
Ela lançou um olhar de canto para Pandora, com um sorriso de quem sabe que pode ter soado meio grosseira.
— Nada contra você não, amiga. Sério mesmo. Você é a professora mais competente que já tive… mas ficar só treinando, dia após dia, tá acabando com a minha cabeça.
Pandora apenas sorriu, aceitando o comentário numa boa.
— Eu entendo, Niana. Não se preocupe. Eu também já estive nessa fase.
— Ok, garotas. — Me levantei, ajeitando a camisa. — Niana, conto com você. Pandora… pense com carinho no assunto. Não me dê um não definitivo tão cedo, combinado?
Ela revirou os olhos, mas não respondeu, o que, vindo dela, era quase um meio “sim”.
Peguei minhas coisas e saí, indo direto para onde sabia que precisava ir: o Matadouro.
O caminho até a arena clandestina foi quase automático. Minhas pernas me levaram até lá antes mesmo que minha mente se desse conta. Conforme me aproximei, percebi que o lugar tinha mudado. Muito.
Antes, o Matadouro era um antro sujo, de reputação duvidosa, sempre operando à margem das leis imperiais. Agora… bom, não era que tivesse virado um palácio, mas estava claro que o lugar tinha passado por reformas pesadas. A fachada estava mais sólida, com novas colunas de pedra e madeira reforçada. As portas de entrada, que antes eram disfarçadas e mal iluminadas, agora estavam escancaradas, visíveis para qualquer um que passasse pela rua. A aura de “lugar proibido” ainda pairava no ar, mas de um jeito muito mais… institucionalizado.
Sorri comigo mesmo ao pensar na ironia. Quem diria que os gladiadores, vistos como párias até poucos meses atrás, agora eram quase heróis populares. A participação deles na batalha contra os necros tinha mudado a opinião pública de forma irreversível.
Atravessei o saguão de entrada sem que ninguém sequer ousasse me parar. Ainda não tinha me acostumado com o fato de que era um dos muitos donos daquele lugar. Um sócio silencioso, mas com peso de decisão.
Subi até o andar superior e fui direto ao escritório de Rosa.
Ela estava lá dentro, como sempre, enterrada em livros de contabilidade e listas de nomes. Quando me viu, abriu um sorriso largo, mas não se levantou.
— Bom dia, Lior — saudou ela, já puxando alguns papéis para me mostrar. — Se veio atrás dos números da semana, já estava preparando…
— Não vim por isso, Rosa. — A interrompi com um gesto de mão, fechando a porta atrás de mim. — Hoje não quero saber de finanças. Preciso de um favor.
Ela franziu a testa, largando os livros de lado.
— Qual favor?
— Preciso montar um time de assalto. Gente forte. Versátil. Não é pra qualquer um. Niana já tá dentro. Pandora… talvez.
— E pra que exatamente? — perguntou ela, já pegando papel e caneta para anotar.
— Ainda não sei ao certo — admiti. — Mas envolve uma missão numa ilha recém-descoberta. Problemas com criaturas hostis, gente sumindo, território inexplorado… o pacote completo. Eles querem limpar a área pra estabelecer um assentamento.
Rosa assobiou baixo, passando os dedos pelos lábios como quem calcula os riscos.
— Tarefa difícil, hein? Se uma Casa Nobre não conseguiu resolver… é porque a coisa lá é feia.
— Não tinha pensado por esse lado… — confessei, passando a mão pela nuca, num gesto nervoso. — Mas, pra ser honesto, não tenho muita escolha. Preciso ganhar alguns pontos com os figurões lá de cima. Lenora conseguiu que me considerassem pra receber uma ilha. Só que a condição… é essa.
— Bom… sei que o Marreta iria, se você pedisse. Ele gosta de você. Mas vou sondar outros nomes de peso. Tanto daqui quanto de fora. Posso trazer alguns mercenários de confiança pra completar o grupo.
— Ótimo. Mas por favor… — fiz uma pausa, enfatizando — Cuidado com os valores. Vai sair tudo do meu bolso, e você sabe melhor que ninguém o tamanho desse bolso. Afinal, é quem controla minhas finanças.
Rosa riu de leve.
— Deixa comigo. Vou ser econômica… dentro do possível. Tem algum prazo?
— Não tem um cronograma exato… mas sei que estão com pressa. Provavelmente uma semana, talvez menos. Lenora deve me confirmar os detalhes nos próximos dias.
— Vou começar a mexer os pauzinhos imediatamente — garantiu ela, já pegando outra lista para começar a rabiscar possíveis nomes.
Ia agradecer quando, de repente, senti aquela presença familiar invadindo minha mente. Nix, através do nosso link telepático que, pra ser sincero, eu até tinha esquecido que continuava funcionando.
“Lior… querido…” A voz dela soou suave, mas com um tom de urgência. “Lenora tem novidades sobre a missão. Eles querem se reunir com você.”
“Quando?” Perguntei de volta.
“Agora! Estão te esperando.”
“Estou a caminho.”
Quando dei por mim, Rosa me observava com aquela expressão de quem queria saber o que estava acontecendo, mas que sabia o suficiente para não perguntar demais.
— O contratante quer me ver. — Falei, sorrindo com um meio aceno de despedida. — Acabaram de me chamar.
Ela apenas ergueu a mão num gesto de “boa sorte”, voltando imediatamente para suas listas, enquanto eu já ganhava o corredor com passos rápidos, pronto pra encarar mais uma rodada de política imperial.
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