Capítulo 189: Negociações
As garotas estavam na propriedade dos Umbrani. Assim que recebi o chamado, não perdi tempo. Me lancei ao ar, voando o mais rápido que pude. Fazia um bom tempo que não me exibia desse jeito. Mesmo entre usuários de mana avançados, ver alguém literalmente cortando o céu como uma flecha era algo que chamava atenção. Não era que outras pessoas não fossem capazes… havia outros, claro. Mas era raro. A maioria dos nobres preferia a comodidade de uma carruagem ou, no máximo, algum animal de montaria. E mesmo esses eram escassos por conta da maldita névoa que isolava as ilhas.
O vento bagunçou meu cabelo todo, mas preferia chegar com os fios desordenados a chegar atrasado e pingando de suor. Toquei o solo na parte lateral da propriedade e fui logo abordado por um dos serviçais, que, meio surpreso com minha chegada abrupta, apenas fez uma mesura apressada antes de me anunciar.
Logo fui conduzido para uma sala ampla, com pé direito alto e janelas generosas. O ambiente parecia um campo de batalha… só que o campo, naquele caso, era dominado por tecidos de todas as cores, amostras de flores e pequenos painéis com combinações de paleta. Era como entrar dentro de uma caixa de costura gigante.
Sybela estava no centro de tudo, de pé, com uma expressão de clara irritação por ter sua concentração interrompida. Ela segurava uma fita de cetim numa mão e um caderno de anotações na outra, como se estivesse prestes a dar uma ordem de execução ao menor sinal de atraso.
Nix e Claire foram as primeiras a me notar. As duas vieram até mim com passos apressados, os rostos iluminados por sorrisos que mais pareciam os de duas crianças em uma feira de doces. Dava para sentir de longe que estavam se divertindo horrores com aquela experiência.
— Lorde Lior, obrigada por vir com tanta presteza — disse Lenora, surgindo de uma porta lateral, com a serenidade típica dela, mas com um olhar que deixava claro que queria resolver logo aquele assunto.
— Lady Lenora — cumprimentei com uma leve reverência. — Estava aqui do lado, praticamente — completei, tentando parecer casual. Não queria que ela achasse que tinha largado o mundo só pra vir correndo.
Ela não pareceu convencida, mas sorriu com aquela diplomacia que só ela sabia fazer.
— Seus futuros empregadores estão por aqui. Se puder me acompanhar…
Segui atrás dela por um corredor decorado com tapeçarias velhas, porém bem cuidadas. As cores e os brasões retratavam as façanhas da Casa Umbrani. Não dava pra esquecer que eram uma das Casas Antigas do Império. O orgulho deles transbordava até nas paredes.
Entramos numa sala de estar menor, mas ainda assim luxuosa. Sofás de veludo, móveis de madeira escura, e mais tapeçarias com cenas de caça, guerras e pactos antigos.
Dois homens estavam lá dentro. Ambos se levantaram assim que entramos.
O primeiro era um ancião de olhar cortante, os olhos pequenos e fundos, como quem há décadas observa o mundo em silêncio e julga tudo que vê. A pele dele era marcada pelo tempo, mas a coluna permanecia ereta como a de um soldado. O outro, mais jovem e corpulento, tinha ombros largos e braços que pareciam ter sido talhados em pedra. Os cabelos, lisos e longos, caíam até a altura dos ombros, e sua expressão era de claro desconforto… como se estivesse ali contra a vontade.
— Ancião Viras, Lorde Calmon… este é Lorde Lior Aníbal. Imagino que já tenham ouvido falar dele — apresentou Lenora, com aquele tom de quem já sabe a resposta.
— O prazer é nosso — disse o ancião, se adiantando antes do outro. Sua voz era rouca, mas firme. — Lior… o Salvador da Capital. Não é todo dia que recebemos alguém com tanta fama por aqui. Imagino que confie bastante na sua força para querer se meter nos nossos problemas.
Sorri de leve e fiz sinal para que todos nós nos sentássemos. Não era só educação. Era uma tática para retomar o controle da conversa antes que o ancião começasse a ditar o ritmo.
— Sei apenas o básico da situação. Gostaria que me colocassem a par dos detalhes. Quero saber exatamente com o que estou lidando.
Viras me observou por alguns segundos, como se tentasse medir minha sinceridade. Então respirou fundo, recostou-se na poltrona e começou.
— Descobrimos uma nova ilha. Um território ainda inexplorado, cheio de recursos valiosos… especialmente pedras de mana. Muitas. Em quantidade e qualidade que, francamente, nunca vi antes em toda minha vida.
O mais jovem, que até então estava quieto, se mexeu na cadeira, visivelmente incomodado com o rumo da conversa. Talvez não concordasse com o ancião… ou simplesmente não gostasse da ideia de ter que pedir ajuda a alguém de fora da Casa.
— Lorde Lior está aqui para nos ajudar, Calmon — cortou o ancião com firmeza, como se adivinhasse os pensamentos do rapaz. — Temos que ser honestos com ele. Vai ver tudo com os próprios olhos em breve de qualquer forma.
Calmon se calou, engolindo a contrariedade.
— Como eu dizia… — retomou Viras. — As pedras de mana são abundantes, mas o custo para explorá-las tem sido… alto demais. Já perdemos cerca de cinquenta homens. Toda tentativa de criar um assentamento fracassou de maneira desastrosa. Barracas destruídas, equipamentos saqueados ou simplesmente desaparecidos. Não temos ideia exata do que acontece por lá.
— Qual foi a força dos homens enviados? — perguntei, focando nos detalhes.
— A maioria era de quarto círculo. Mandamos um contingente considerável. Inclusive um sargento de quinto círculo para liderar e organizar a defesa… mas subestimamos o inimigo. Seja lá o que for.
— É o que parece… — murmurei, cruzando os braços e me inclinando um pouco para a frente. — Alguma outra informação relevante?
O ancião trocou um olhar breve com Calmon antes de continuar.
— Conseguimos recuperar alguns materiais. Anotações de campo. O diário de um dos oficiais que comandavam a expedição. As últimas páginas são… preocupantes.
— O que ele escreveu?
— Relatos de barulhos estranhos durante a noite. De sombras que se moviam ao redor do acampamento… e de ataques cada vez mais precisos. O oficial deixou claro que quem quer que estivesse por trás daquilo… tinha inteligência. Eles testavam as defesas, observavam os turnos de guarda… aprendiam os nossos pontos fracos a cada investida.
Fiquei em silêncio por alguns segundos, digerindo a informação.
— Inteligentes… — murmurei, quase para mim mesmo. — Isso complica as coisas. Muito.
Cruzei as mãos sobre o joelho, olhando diretamente para Viras.
— Bom… — soltei o ar devagar. — Agora que sei onde estou me metendo… podemos falar sobre o que exatamente vocês esperam de mim… e o que estão dispostos a oferecer em troca.
O ancião sorriu pela primeira vez, com um brilho de aprovação nos olhos.
— Sabia que não ia me decepcionar, Lorde Lior.
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