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    O ancião sorriu para mim, com aquele ar de quem já tinha tomado sua decisão, mas queria fazer a coisa parecer mais cerimoniosa.

    — Bem, Lorde Lior… vamos ajudar Lenora com sua requisição — disse, entrelaçando os dedos sobre o colo. — Temos uma ilha que nos serviu bem por muitos anos. Foi fonte de ferro, ouro e alguns outros minerais de valor, mas hoje… digamos que sua importância estratégica e econômica diminuiu bastante. Ainda assim, ela tem potencial. Há vastas áreas de floresta, terras de cultivo, pastagens… além de algumas jazidas que ainda não estão completamente esgotadas. — Fez uma pausa, como quem tentava valorizar o produto antes de fechar o negócio. — E o mais importante… é uma das ilhas oficialmente reconhecidas como parte integral do Império desde a fundação. Uma exigência sua, se não me engano.

    — Talvez a única que me importe de verdade nesse momento — confessei, sem rodeios.

    — Então estamos alinhados. Você nos ajuda com a nova ilha… e em troca, a velha será sua. Estou entendendo que temos um acordo? — perguntou ele, com os olhos semicerrados, estudando cada nuance da minha reação.

    — Exatamente isso. Um acordo justo, ao meu ver. — Inclinei levemente a cabeça, aceitando os termos com naturalidade. — Inclusive, já deixei isso em andamento. Um dos meus contatos está montando uma equipe de campo neste exato momento. Só preciso saber uma coisa… quanto tempo eu tenho?

    Antes que o ancião pudesse responder, a voz grave e carregada de ressentimento de Lorde Calmon cortou o ambiente.

    — Esperem! — disse ele, a voz soando mais alta do que o necessário. O tom estava carregado de desconfiança. — Eu, pessoalmente, ainda não sei se esse tal de Lior é de fato capaz de cumprir o que promete.

    O silêncio que se seguiu foi pesado. Viras e Lenora abriram a boca ao mesmo tempo, cada um claramente prestes a intervir e colocar panos quentes. Mas fui mais rápido.

    — Quer descobrir isso agora? — falei, olhando diretamente nos olhos de Calmon. Não deixei minha voz soar irritada. Pelo contrário, mantive um tom firme, quase amistoso, mas com a ponta de desafio que a situação pedia. — Se o senhor quiser me testar, estou à disposição.

    O ancião Viras e Lenora tentaram interceder de novo.

    — Senhores… — começou Lenora, com aquele tom de quem já previa o desastre. — Não precisamos transformar isso em um espetáculo…

    — Não tem problema — interrompi, sem desviar os olhos de Calmon. — Pelo contrário. Prefiro resolver qualquer dúvida agora. Não quero que, no futuro, digam que fui contratado por pena ou por influência alheia. Quero que fique claro pra todos o que eu sou capaz de fazer.

    Calmon me encarava, os maxilares cerrados. Não era só desconfiança. Era orgulho ferido. Provavelmente não gostava da ideia de ter que depender de alguém de fora. Alguém que não fazia parte do ciclo tradicional das Casas Antigas.

    — Temos algum campo ou gramado desocupado onde possamos resolver isso? — perguntei, com naturalidade, como quem pergunta pelo tempo.

    — Temos sim… — respondeu Lenora, com um suspiro quase inaudível. Ela ainda parecia meio relutante, mas no fundo sabia que aquilo era inevitável. — Fica nos fundos da propriedade. Um campo de treinos que usamos para os jovens da Casa.

    — Perfeito. — Levantei-me, ajeitando as mangas da camisa. — Mostre o caminho.

    Calmon apenas assentiu com a cabeça, já se levantando também. Seus olhos tinham o brilho de quem esperava por esse momento.

    A tensão na sala era quase palpável. Mas dentro de mim… havia apenas um sorriso contido.

    Fomos conduzidos até um amplo gramado nos fundos da propriedade, cercado por caminhos de pedra bem cuidados e muros cobertos de hera natural, que subia e se espalhava como dedos verdes pelas paredes antigas da residência principal. O cheiro de terra úmida e flores silvestres preenchia o ar.

    Assim que a notícia de que haveria um duelo se espalhou, não demorou para atrair uma pequena plateia improvisada. Nix, Claire e até mesmo Zia, junto de seus pais, apareceram nas janelas superiores, espiando com olhares curiosos e atentos.

    Calmon, já com a expressão endurecida, caminhou até um dos cantos do gramado e, com movimentos enérgicos, retirou o casaco formal que usava. Sua mão foi direto até a espada presa à cintura. Assim que a desembainhou, um grito gutural rompeu o silêncio do lugar. Sua mana fluiu com força pela lâmina, envolvendo-a com um brilho tênue, mas denso. A pressão que senti no ar ao redor não deixava dúvidas: ele estava no fim do quinto círculo. Forte, sem dúvida… mas não era a força que me preocupava. Era a arrogância dele.

    — Não trouxe arma — comentei, erguendo as mãos, como quem exibe as palmas vazias.

    Calmon me olhou como se eu fosse uma criança malcriada.

    — Você não é um mago? — disparou com desprezo claro na voz. — Achei que fosse confiar nos seus truques.

    — Não vou usar magia contra você, Lorde Calmon. Se quer me enfrentar com uma espada… também usarei uma.

    Por dentro, confesso, isso me preocupava. Mahteal, com todo seu poder e glória, não tinha o menor talento ou conhecimento prático com espadas. Esse tipo de habilidade era uma coisa que eu tinha conquistado sozinho… ou melhor… com muito suor, tapa, bronca e treino pesado com Karlon, Pandora e, de certa forma, com minha própria herança vulkaris. Não era o mestre das lâminas, mas o suficiente para sobreviver… e vencer.

    Calmon ficou vermelho como uma pimenta recém-colhida. Seu orgulho ferido parecia um animal rosnando por dentro dele.

    — Alguém entregue a esse fedelho uma espada! — esbravejou, a voz ecoando pelo pátio.

    Um pajem da Casa Umbrani, ofegante e com os olhos arregalados, surgiu quase correndo de dentro da residência. Nas mãos, trazia uma espada simples, mas bem equilibrada. Sem cerimônia, estendeu-a para mim.

    Segurei a arma e a testei com um movimento rápido de pulso. Não era perfeita, mas serviria. Fiz um gesto com a lâmina, como se fosse um verdadeiro especialista naquilo, e assenti com a cabeça para Calmon, apontando para ele em desafio.

    Mesmo com a tensão no ar, percebi que meu sol de mana dificultava que ele estimasse minha força real. Era o tipo de coisa que deixava muitos oponentes nervosos antes mesmo da luta começar.

    — Está pronto? — perguntei, deixando a ponta da provocação escapar, mas com o cuidado de não soar desrespeitoso demais. Afinal, por mais que aquilo fosse uma disputa de egos, eu tinha plena consciência de que ele, no fim das contas, seria meu contratante.

    Calmon não respondeu com palavras. Seu corpo se lançou para frente como um raio. A velocidade dele era impressionante, principalmente para um não vulkaris. Senti o deslocamento de ar antes mesmo de ver o movimento da lâmina. Já circulava minha mana, reforçando reflexos, força e velocidade, preparando meu corpo para reagir de forma automática.

    O golpe veio de cima para baixo, brutal e direto… mas óbvio demais. Uma finta, claro. Em um instante, ele mudou a trajetória, tentando me pegar desprevenido com um golpe lateral no último segundo.

    Movi-me com naturalidade, desviando o golpe com um passo de giro e, aproveitando a abertura, contra-ataquei com precisão. Minha lâmina riscou sua pele, deixando um corte fino e superficial na bochecha. Uma única gota de sangue escorreu.

    Calmon recuou alguns passos, a expressão de surpresa rapidamente substituída por um sorriso torto. Agora estava mais animado… ou mais irritado.

    Ele partiu novamente, os ataques vindo em sucessão rápida. Lembrei das instruções de Pandora… não deixar que o oponente tomasse o ritmo da luta. Mantive minha postura defensiva, recuando no momento certo, deixando seus golpes cortarem apenas o ar ao meu redor, esvaziando a força dele, provocando sua pressa. Minha velocidade forçava ele a esticar demais os ataques, e a cada movimento, ele se expunha um pouco mais.

    Esperei o momento certo… e quando percebi o desequilíbrio em sua base, avancei como um raio. Meu pé chutou sua espada com força, lançando a lâmina para longe, e antes que ele pudesse reagir, o frio da minha própria espada tocou sua garganta.

    Silêncio absoluto ao nosso redor.

    — Se rende? — perguntei, sem alarde, mas com a voz firme como aço.

    Sem espaço para desculpas ou manobras, Calmon engoliu em seco e respondeu de forma seca, com os dentes cerrados.

    — Me rendo.

    Abaixei a espada com respeito, sem fazer pose de vitória. Afinal… negócios eram negócios.

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