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    Naquela noite, reuni as garotas e os demais para um passeio. Quando o transporte parou em frente ao Matadouro, as expressões de Nix e Claire foram de surpresa, e não de um jeito bom. Pandora me lançou um olhar curioso, silencioso, tentando entender o que estávamos fazendo ali. As únicas pessoas genuinamente animadas eram Alana, Niana, Cassiopeia, Alissande e André. Sim, os três tinham vindo juntos. Não me pergunte como, nem por quê.

    Fomos conduzidos até o antigo camarote de Jorjen, agora oficialmente meu. O lugar havia sido reformado depois do ataque, e uma das novidades era o restaurante instalado ali, com atendimento completo. Assim que nos acomodamos, uma garçonete elegante apareceu, equilibrando charme e profissionalismo. Trazia um sorriso treinado nos lábios e uma pasta fina nas mãos.

    — Aqui está a programação da noite — disse, com voz doce. — E aqui o cardápio. A senhora Rosa pediu que avisasse que, assim que as lutas começarem, ela virá lhes fazer companhia.

    Nix e Claire não pareceram exatamente felizes com a presença dela. Seus olhares se encontraram, cúmplices em reprovação, analisando a saia curta demais da moça.

    — Contatos no submundo, hein, Lior? — comentou André, rindo, em tom provocador. — Nada mais me surpreende.

    — Pois é — respondi, sorrindo de lado. — Eu diria que precisamos estar abertos a todas as oportunidades.

    — Não deixa de ter razão — admitiu ele.

    Pandora, até então em silêncio, observava a arena com olhos atentos, analíticos.

    — Rosa disse que me chamaria de volta quando a arena estivesse pronta. Prometeu. E não cumpriu — comentou, séria. — Você sabia disso, Lior?

    — Fiquei sabendo há umas duas semanas. As lutas ainda estão em fase de testes. Rosa está reconstruindo o plantel de gladiadores.

    — Marreta está ali — disse ela, apontando com o queixo. — Não é desculpa.

    — Você realmente voltaria a lutar? Mesmo sabendo o que nos espera adiante?

    André, Alissande e Cassiopeia arregalaram os olhos ao ouvir aquilo. Não sabiam que a professora particular da tarde era uma gladiadora profissional.

    — Não olhem assim pra mim — disse Pandora, levantando uma sobrancelha. — O seu irmão aqui…

    Ela apontou para mim e, sem perceber, também para Cassiopeia. A frase ficou no ar. Tarde demais.

    Cassiopeia fechou os olhos, suspirando. Abaixou a cabeça, como se entregasse de vez. Alissande alternava o olhar entre ela e eu, tentando juntar as peças.

    — Que história é essa de “irmão”? — perguntou, com a voz afiada de desconfiança. — Bem que escutei umas conversas depois da batalha. Mas os boatos morreram. Você é mesmo Ganimedes?

    Antes que eu respondesse, Cassiopeia, ansiosa para remediar, se adiantou:

    — Por favor… não conte isso pra ninguém.

    Alissande se aproximou de mim. E, para minha completa surpresa, me puxou para um abraço apertado.

    — Seu boboca — disse ela, com a voz embargada. — Quando você morreu, eu chorei feito uma louca.

    Cass e eu dissemos ao mesmo tempo:

    — Você?!

    — Claro! Acham o quê? Que sou alguma desalmada? Eu pegava no seu pé, sim. Mas era coisa de irmão.

    — Acho que sua noção do que é “coisa de irmão” é um pouco… distorcida — murmurei, meio rindo.

    — Caramba! — exclamou André. — Alissande falava de você. E com carinho, viu? Mas, poxa… então é verdade. Você é mesmo Ganimedes.

    — Não. Não sou — respondi, firme. — Sou Lior. Isso é um segredo. E não sai desta sala. Entendido?

    Todos assentiram. Então olhei em direção à garçonete.

    Ela ainda estava ali. Olhos arregalados, assistindo à cena inteira com o mesmo interesse de alguém que acabara de descobrir que vivia num romance clandestino.

    Levei a mão ao rosto, suspirando.

    As coisas não podiam estar indo pro rumo errado mais rápido do que isso.
     
    Ao perceber que era o alvo dos nossos olhares, a garçonete ficou vermelha feito uma beterraba.

    — N-Não se preocupem, senhor Lior — disse, tropeçando nas palavras. — Dona Rosa me mataria se eu falasse qualquer coisa. Olhe em volta.

    Ela gesticulou em direção aos camarotes vizinhos.

    — Muitos negócios sombrios são fechados dentro dessas paredes. Aqui… nós não temos ouvidos nem boca. Se eu não fosse confiável, não estaria trabalhando neste lugar.

    Cruzei os braços e tentei fazer uma voz grave, carregada de mistério, como um vilão de filme noir:

    — Falarei com Rosa sobre isso… Se você estiver mentindo pra mim…

    Deixei o final no ar, acreditando que causaria mais impacto. Mas a gargalhada imediata de Nix e Claire me traiu. Até mesmo a garçonete soltou um sorriso.

    — Fiquem tranquilos, senhores. Se me dão licença, vou buscar seus pedidos. Volto assim que soar o sino para anotar suas apostas.

    E se retirou, aliviada, com passos rápidos.

    Acabei me sentando ao lado de André e Alissande. Cass ficou por perto, curiosa para ouvir o que não tinha escutado da primeira vez. Até mesmo Pandora, que já sabia de boa parte da história, parecia interessada. Contei a eles fragmentos da minha jornada pela Névoa, e os motivos que me levaram a esconder minha identidade.

    — Você desconfiava de mim?! — exclamou Alissande, indignada, mas não convencida. — Eu nunca conspiraria pra matar um irmão. Ou irmã. Mesmo sendo vocês dois!

    Falou e mostrou a língua, num tom zombeteiro típico dela.

    Virei-me lentamente para André, com a maior seriedade que consegui fingir.

    — O que você fez com nossa meia-irmã? Onde está a verdadeira Alissande?

    — Ela sempre foi assim comigo, ora — respondeu ele, rindo. — Vocês é que nunca se deram ao trabalho de conhecer ela a fundo.

    Antes que pudesse rebater, a garçonete retornou. Um rapaz a acompanhava, equilibrando uma bandeja enorme. As comidas e bebidas finalmente tinham chegado. Nosso jantar informal estava servido.

    Enquanto nos ajeitávamos, trocando pratos e copos, o sino soou, ecoando pela estrutura metálica do Matadouro. Luzes se acenderam ao redor da arena central, e as vozes da plateia aumentaram.

    — Aí vem a primeira luta — disse Cassiopeia, animada.

    O telão revelou os nomes dos combatentes: dois gladiadores de três círculos. De um lado, Wonbate; do outro, Adaga Prateada.

    — Pelo menos uma coisa não mudou — comentei, rindo baixo. — Os nomes ainda são ridiculamente espalhafatosos.

    — Aposto na Adaga — disse Alissande, já mastigando um pedaço de carne.

    — Aposto que o Wonbate tem um golpe de corpo que te joga na parede — respondeu André.

    Pandora observava os dois com o queixo apoiado nas mãos, um meio sorriso nos lábios.

    — Vocês não fazem ideia de como isso funciona…

    Claire e Nix não diziam nada, ainda meio desconfiadas por estarem ali, e com a garçonete, mas o clima ao redor da mesa já era outro.

    Mais leve. Quase como antes da tempestade.

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