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    Decidi deixar as memórias de Malena para depois.
     

    Era uma escolha difícil, mas necessária. Escrevi uma resposta cuidadosa ao bilhete de Lock e pedi a Lenora que a entregasse. Agradeci por sua dedicação, montar aquele leitor de cristais de memória exigia tempo e esforço, e ele o fizera por mim. No entanto, expliquei que minha prioridade agora era a missão de exploração. Estávamos prestes a partir em busca de uma ilha que pudesse servir de lar para o futuro reino de Titânia. Só depois, com a cabeça limpa, eu enfrentaria o passado gravado nas memórias de Malena.
     

    Feito isso, dispensei os alunos e me sentei para uma tarefa não menos delicada: a escolha dos mercenários que completariam meu time. Nix e Claire vieram me ajudar, trazendo consigo a pasta de Rosa, agora recheada de anotações criteriosas feitas por Claire. Aquilo facilitava muito.
     

    Para meu desgosto, Germano era mesmo um bom nome.
     

    Precisava de doze pessoas no total. Já tinha sete ao meu lado: Pandora, Niana, Gus, Milena, Cassiopeia, Alissande e André.
     

    Com Germano, eram oito.
     

    Continuei a análise. Magos eu tinha em abundância, dispensaria a maga Lianne, não por falta de talento, mas por incompatibilidade. Em compensação, o caçador de recompensas com afinidade à névoa chamava atenção. Se a informação fosse verdadeira, sua presença poderia ser valiosa. Karel Voss. Anotei o nome logo abaixo do de Germano.
     

    Faltavam dois.
     

    O templário procurado parecia problema demais. Risco desnecessário. Mas Marreta… ele tinha se saído bem durante a invasão, e mais importante, queria vir comigo. Havia convicção ali. Seu nome entrou na lista.
     

    E então, o último.
     

    Claire já havia separado dois nomes. Guerreiros. Avaliei cada um com atenção, pesar e prudência. No fim, optei por um jovem direto e quase sem tato — o tipo que dizia o que pensava e fazia o que precisava ser feito. Algo nele me lembrava Karlon.
     

    Cris Clozerton. O nome parecia cortar o papel quando o escrevi. Nix e Claire se entreolharam, silenciosamente aprovando a decisão.
     

    Com ele, eram onze, doze comigo.
     

    O grupo estava completo.
     

    Redigi um bilhete para Rosa, detalhando os nomes selecionados. Fechei, selei e pedi a um dos serviçais que o entregasse imediatamente. O tempo parecia nos enganar, mas restavam apenas três dias até a partida.
     

    Três dias.
     

    Esse era o tempo que meus amigos tinham para concluir seus sois de mana. Um prazo apertado, mas possível. Teriam que avançar, juntos.
     

    Os dias restantes passaram num piscar de olhos. A pressão era constante, mas o trabalho seguia firme. Era véspera da partida.
     

    Mais cedo, tive uma reunião com os representantes da Casa Argos. Acertamos os últimos detalhes da expedição. Eles iriam com cerca de vinte pessoas, guerreiros, magos, servos, todos, segundo eles, indispensáveis para o assentamento inicial. Eu, com doze. A responsabilidade pela segurança de todos recaía sobre mim.
     

    Até agora, meu plano se mantinha de pé.
     

    Cassiopeia e Alissande já tinham formado seus sois de mana. O progresso delas era visível, impressionante. E o mais importante: a confiança entre elas havia começado a se reconstruir. Se Cassiopeia podia perdoar Alissande, então eu também podia. Ainda faltava André.
     

    No momento, ele estava no gramado, cercado por Gus, Milena e Pandora, sendo forçado ao limite. Era sua última chance. Se não formasse o sol de mana, não poderia nos acompanhar. Essa era a regra — e ele sabia disso desde o início.
     

    Mas como se meus pensamentos tivessem cruzado o vento, um grito cortou o ar.
     

    — Ele conseguiu! — era Alissande, vibrando com a voz embargada pela emoção.
     

    Saí correndo na mesma hora, descendo os degraus quase tropeçando. Alcancei o gramado em poucos segundos.
     

    André estava ajoelhado no chão, com os ombros arqueados, suando em bicas. Sua pele brilhava com a reverberação etérea de um sol de mana recém-formado.
     

    — Consegui, Lior… consegui… — ofegou, quase sussurrando, com um sorriso largo e verdadeiro. Seus olhos brilharam por um instante — e então ele desabou, inconsciente, exausto.
     

    Corri até ele, segurando-o antes que seu corpo tombasse por completo. Senti o calor suave irradiando de seu peito. Estava feito.
     

    André tinha vencido a si mesmo.
     

    E agora, estávamos prontos.
     

    Naquela noite, antes da partida, separei tudo que precisaria levar comigo. A espada de meu pai, que recuperei das mãos de Roderick. Provisões, roupas de troca, equipamentos de acampamento. Era bom estar preparado, e, pela primeira vez em muito tempo, eu me sentia pronto.
     

    Deixei os livros raros que Lock havia me emprestado com Claire. Tomos valiosos de magia dimensional que, mesmo sem dizer nada, eu sabia que ela andava cobiçando com o canto dos olhos. Foi um presente silencioso, e uma forma de agradecer.
     

    Organizei tudo dentro do espaço dimensional: armas, mantimentos, ferramentas. Pela primeira vez, faria uma viagem com mais do que só vontade e improviso.
     

    Pandora e Niana também se prepararam. Combinei com Gus, Milena, Cassiopeia, Alissande, André e os demais para estarem na mansão logo cedo, antes do sol nascer.
     

    Com a Casa Argos e os mercenários indicados por Rosa, marquei de nos encontrarmos nos arredores do antigo mausoléu que guardava a seção leste da cidade. Um local discreto e suficientemente próximo da Névoa. A partir dali, bastava recebermos as Pedras de Ancoragem dos Argos, e partir.
     

    Eu estava terminando de revisar mentalmente os últimos detalhes quando ouvi a voz suave de Nix me chamando, com aquela melodia que sempre parecia um convite ao descanso:
     

    — Em que está pensando, meu amor? — perguntou ela. — Venha logo se despedir da gente.
     

    Nix e Claire estavam sentadas na beira da minha cama, me esperando. Sabia que não teria intimidades com as duas ao mesmo tempo, ainda não. Claire era tímida, e respeitosa demais com seus próprios limites. Mas era nossa última noite antes da missão. E, para minha surpresa, ela havia aceitado dormir comigo e com Nix. Apenas dormir, mas mesmo isso, para nós três, era um passo importante.
     

    — Estou indo… — respondi com um sorriso leve.
     

    Me joguei entre elas, e senti as duas se acomodarem em meu peito, cada uma de um lado. Era como se o mundo tivesse parado só para aquele instante.
     

    Nix, sempre mais à vontade, deslizou os lábios até os meus e me beijou com carinho. Claire, por outro lado, estava corada como um tomate, quase imóvel. Mas, depois de um momento de hesitação, me beijou também, tímida e rápida.
     

    Nix riu, divertida, e deu um peteleco de leve no nariz dela:
     

    — Viu? Não foi tão difícil assim. Eu não mordo. Nem tenho ciúmes de você.
     

    Claire riu também, aliviada. Depois se aconchegou mais próxima, respirando devagar. Sua mão buscou a minha.
     

    Eu fiquei imóvel por um instante, com medo de estragar aquele momento perfeito. O pensamento veio, quase como um sussurro:
     

    “Está mesmo acontecendo…”
     

    Nix apagou a vela ao lado da cama. A escuridão nos envolveu.
     

    Tudo que restou foi o calor dos corpos, o perfume, e o gemido baixo de desejo de minhas garotas. Uma noite que não tinha começado e não queria terminar. E, mesmo sabendo que o dia seguinte seria repleto de desafios, sentia, no fundo, que aquela seria uma noite inesquecível.

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