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    Acordei antes mesmo do amanhecer. Ainda sentia o êxtase da noite anterior e a expectativa crescente pelo que estava por vir. Era como se minha mente se recusasse a descansar, já projetando cada passo da missão à frente.
     

    Os primeiros raios de sol filtravam-se pelas frestas da janela, derramando uma luz suave sobre Nix e Claire. Dormiam profundamente, exaustas, com expressões tranquilas. Havíamos ido dormir tarde, e mesmo assim, ver as duas ali, tão próximas, me deu uma paz rara.

    Gravei aquela imagem na memória com cuidado, como se fosse uma pintura que eu jamais quisesse esquecer. Escrevi uma pequena nota de despedida e deixei o quarto sem fazer barulho.
     

    Na sala de jantar, o café da manhã já estava servido. Pandora e Niana, como eu, também estavam acordadas e prontas, vestidas e armadas. Sentei-me com elas à mesa.
     

    — As princesas ainda estão dormindo? — perguntou Pandora, num tom que me fez arquear uma sobrancelha. Havia algo ali… um quê de sarcasmo, talvez até um toque de ciúmes disfarçado.
     

    — Estão, sim — respondi, tentando não dar corda. — Mas e vocês, estão prontas?
     

    As duas assentiram com a cabeça ao mesmo tempo.
     

    — Aproveitem essa refeição — avisei, servindo-me de pão e frutas. — Não sabemos quando teremos outra assim.
     

    Anna, como sempre, havia se superado. O aroma do pão recém-assado e do café forte preenchia o ambiente, nos preparando tanto física quanto mentalmente. Devastamos os pratos com um silêncio respeitoso, como soldados antes da batalha.
     

    Pouco depois, um dos serviçais se aproximou e se curvou discretamente.
     

    — Lady Cassiopeia, Lady Alissande e Lorde André estão esperando pelo senhor no portão. Preferiram não entrar.
     

    — Vamos até eles, então — disse, me levantando. Pandora e Niana me seguiram logo atrás.
     

    Lá fora, os três nos esperavam já equipados. Vestiam suas armaduras e carregavam mochilas pesadas com suprimentos. Mesmo com o ar tranquilo, havia tensão em seus rostos, a tensão de quem sabe que está prestes a cruzar uma linha sem volta. Eu, ao contrário, não carregava nada visível. Usava o anel de espaço dimensional que Lock me dera.
     

    — Confesso que estava na dúvida se apareceriam — comentei, brincando. — Esperava que iriam desistir.

    — De jeito nenhum — respondeu André, com seu sorriso fácil. — Estamos aqui para o que der e vier.
     

    Cassiopeia e Alissande assentiram, sérias. Era bom vê-los em sintonia.
     

    Enquanto ainda conversávamos, Gus e Milena surgiram no caminho de paralelepípedos, também prontos. A visão deles me arrancou um sorriso genuíno.
     

    — Não tinha certeza se viriam conosco — falei. — Vai ser perigoso.
     

    — Pensamos nos prós e contras — disse Gus. — Se há uma chance de ficarmos fortes como você, vale o risco. Estamos cansados de pensar como vítimas.
     

    — Vou fazer o meu melhor por vocês — garanti, olhando nos olhos dos dois. — Mas saibam que não será um passeio no parque. Pessoas podem morrer. Se alguém travar no momento errado, pode colocar todos em risco.
     

    Milena deu um passo à frente, sem hesitar.
     

    — Pode contar conosco. Estamos nisso de verdade.
     

    Olhei para cada um deles, um por um. Eram meus companheiros agora. Minha responsabilidade.
     

    — Então vamos — falei. — Os outros já devem estar nos esperando.
     

    Quando chegamos ao mausoléu, avistei o ancião Viras em conversa com Rosa. Aparentemente, já se conheciam de longa data, a forma como falavam, gesticulavam e riam com discrição deixava isso claro.
     

    Os mercenários dela já estavam ali. Reconheci Germano e Marreta, e logo ao lado vi também Karel Voss e o tal de Cris Clozerton. Marreta, vestido com sua armadura, me cumprimentou de longe, parecia tímido na frente de tanta gente.
     

    Karel, para minha surpresa, era uma mulher. Sempre imaginei que fosse um homem, o nome e a reputação me enganaram. Tinha os cabelos trançados em mechas grossas que se uniam numa única trança firme nas costas.
     

    Seu corpo era coberto de tatuagens com símbolos rúnicos, espalhadas pelos braços, rosto e pescoço. As inscrições não me diziam nada, e até as lembranças de Mahteal não revelavam nada. Eram de uma língua que eu nunca vira antes. O que só tornava tudo mais interessante. Seus olhos eram de um azul cortante, e ela murmurava algo para si mesma, como se estivesse presa a um diálogo interno constante.
     

    Já Cris era um homem jovem, talvez alguns anos mais velho que eu. A pele dele era de um tom um pouco mais claro que a de Milena, mas ainda mais escura que a minha. Tinha uma postura reta, disciplinada, com cada gesto comedido. Vestia-se de forma funcional, não muito diferente do meu estilo, e carregava uma espada longa nas costas. Transmitia confiança e sobriedade, o tipo de pessoa que se impõe sem precisar levantar a voz.

    Niana cutucou Pandora com o cotovelo, com um sorriso malicioso.
     

    — Esse é bonitão — sussurrou.
     

    As duas riram baixinho, cúmplices. Fingi que não ouvi, mas sorri por dentro. Era bom que arrumassem alguém, senão iriam me acusar de querer seduzir elas também.

    Viras e Calmon caminharam em nossa direção. O ancião me entregou um pequeno saco de couro, pesado e bem selado. Abri e vi várias pedras de Ancoragem, escuras, com veios prateados brilhando sob a luz fraca do início da manhã.
     

    — Muito bem, Lorde Lior — disse Viras com sua voz rouca. — Reuniu um grupo… interessante. Espero que seja o bastante. — Seus olhos percorreram os rostos ao meu redor. — E vejo que se cercou de nomes de peso. Vulkaris, Rulmar…
     

    — São meus amigos — respondi. — Mas também estão aqui porque acreditam que essa jornada pode ser uma oportunidade de crescimento.
     

    — Vai ser perigoso — murmurou Viras, mais para si do que para mim. — Perdi muita gente nessa travessia.

    — Eu sei. E eles também sabem. Confio na minha capacidade de proteger todos. E, se por acaso as coisas saírem do controle, acredito que consigo trazê-los de volta. Nem que seja à força.
     

    Viras e Calmon se entreolharam. Assentiram em silêncio.
     

    — Deixe-me apresentar nossos homens — disse Calmon, mudando o foco. Caminhou comigo até um pequeno grupo da Casa Argos. — Este é Aldo, meu sargento.
     

    Aldo se adiantou com um passo firme. Tinha os cabelos escuros, bem penteados para trás, e traços duros. Os lábios finos e a expressão contida davam a ele um ar de alguém que já vira mais mortes do que gostaria. Estendeu a mão com respeito.
     

    — Lorde Lior — disse, me fitando com olhos atentos. — Estamos prontos para partir quando quiser. Serei o responsável pela montagem de nosso acampamento. Nossas vidas estão em suas mãos a partir de agora.
     

    Fui até Rosa e a cumprimentei com um aceno breve, mas sincero.
     

    — Obrigado por reunir os mercenários.
     

    — Não foi nada, Lior — respondeu ela, com um sorriso contido, quase profissional, mas com um brilho de satisfação nos olhos. — Só espero que saibam no que estão se metendo.

    Assenti. Eu também esperava.
     

    Então, comecei a distribuir as pedras de Ancoragem. Entreguei uma a cada um dos presentes, enquanto aproveitava para me apresentar aos que ainda não me conheciam pessoalmente, especialmente Karel e Cris.
     

    Karel me observou com curiosidade silenciosa enquanto segurava a pedra com dedos cobertos de anéis rúnicos. Murmurou algo em sua língua estranha, talvez um agradecimento, talvez uma bênção. Cris apenas assentiu, formal, aceitando a pedra como um soldado aceitaria uma ordem, sem hesitação, sem drama.
     

    Com tudo em mãos e o grupo reunido, não havia mais motivo para adiar. A ilha nos chamava, envolta em névoa, mistérios e perigos que ninguém podia antever completamente.
     

    Respirei fundo, ergui a voz e disse, com toda autoridade que consegui reunir:
     

    — Recolham suas coisas! Vamos partir!
     

    Minha voz ecoou pelo campo de pedra diante do mausoléu. Vi os primeiros movimentos imediatos: mochilas sendo ajustadas, armas verificadas, fechos apertados. Os olhares estavam sérios. O momento havia chegado.

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