Capítulo 11 – Caminhos divergentes
A voz da Matriz ressoava com uma intenção estranha em sua mente, carregada de algo mais profundo do que uma simples informação, despertando nele uma curiosidade crescente. Kai não compreendia exatamente o motivo, mas sentiu que aquilo ia além de uma explicação lógica. Era como uma orientação, um empurrão sutil em direção a algo que ele ainda não conseguia enxergar.
Naquele instante, parecia não haver outra escolha a não ser acreditar em sua intuição.
“Como eu disse antes…” retomou a Matriz, sua voz preenchendo aquele espaço com uma seriedade inesperada, “…não existe apenas um caminho para alcançar o que você deseja. Por isso, nunca subestime o futuro. Somente você pode definir como ele será no momento seguinte. Um único pensamento, unido a um forte desejo, pode levá-lo a lugares que jamais imaginou.” Kai sentiu aquelas palavras tocar no mais profundo âmago.
“Lá, poderá encontrar os lendários artefatos deixadas por aqueles que dominaram em sua era… locais esquecidos, onde o tempo se curva e o espaço não obedece às mesmas leis comuns.”
Então é isso que existe além do Véu… Kai refletiu, em silêncio. Mas seu núcleo vibrou sutilmente, como se reagisse às palavras ditas.
Ao vislumbrar seus pensamentos, a Matriz soltou um leve bufar.
“E não apenas isso. Para desvendar tudo o que existe lá fora, terá de se empenhar ao máximo em sua jornada. No entanto, não estará sozinho. Muitos outros recém-despertos já cruzaram por provações semelhantes… e também há organizações com grande influência que poderá guiá-lo.” Ao finalizar seu discurso, havia deixado no recém-desperto uma sutil semente de curiosidade e desejo. E essa, desde o início, era a sua verdadeira intenção.
“Quem exatamente são essas pessoas que guiariam um estranho qualquer… e, mais importante, por que fariam isso por mim?” perguntou Kai, mantendo o olhar fixo na névoa, onde se projetavam dois olhos digitais da Matriz, sua voz soou firme, mas trazia consigo um sutil traço de dúvida e cautela.
“Existem muitas organizações… algumas, de natureza militar, formadas pelos próprios despertos. Eles Proclamam agir em nome da ordem e da proteção… ou, ao menos, é assim que se apresentam. Você compreenderá melhor quando deixar este lugar.”
Sua voz, embora serena, carregava um peso implícito, como quem já testemunhou incontáveis histórias semelhantes.
“Há também aqueles que não possuem qualquer afiliação. Vivem como desejam, buscando apenas a liberdade. A maioria dos que despertam sem herança acaba caindo no esquecimento, privados de atenção ou propósito. Muitos, na ânsia de recuperá-los, aventuram-se por caminhos perigosos, sem preparo ou conhecimento adequados.
Já aqueles que escolhem abrigar-se sob o poder de uma força estabelecida são moldados de acordo com seus padrões… e, assim, recebem a oportunidade de perseguir e, talvez, alcançar seus objetivos.”
“Então… está dizendo que eu poderia conseguir superar os meus limites apenas entrando em umas dessas organizações?” perguntou Kai, queria ter a certeza de que havia compreendido direito.
“Não é tão simples quanto faz parecer, nem pode ser considerada a melhor escolha ou a única. Contudo, é o caminho que grande parte dos recém-acordados escolhe… e, de fato, pode ser considerado o mais fácil. Seguindo suas leis e regras, receberá certos benefícios.”
Talvez isso não seja o fim da linha como imaginei. Um leve enrugar na face, quase imperceptível, denunciava o quanto aquela possibilidade o atraía mais do que estava disposto a admitir. Se existem outras possibilidades… eu tenho que tentar. Não importa como. refletiu Kai.
Lendo seus pensamentos, a Matriz comentou: “Mas isso depende exclusivamente de você.” esclareceu, de forma direta. “Os objetivos que pode alcançar será definido apenas pela sua determinação… e pelo seu desempenho.”
Kai cerrou os punhos com firmeza. Determinação nunca lhe faltara, mesmo diante das incertezas que agora cercavam seu futuro.
“Mas eu não sou todo mundo… e nem quero ser. Mesmo que o mundo insista em dizer que não tenho outra escolha, dessa vez seguirei na direção oposta e forjarei o meu próprio caminho!” disse, com firmeza inabalável. Sem alternativas evidentes e sem qualquer garantia do que o aguardava, sabia apenas que não podia se submeter a esse limite imposto outra vez.
Percebendo que ele havia recuperado seu proposito, o Seletor declarou:
“Meu papel termina aqui. Portanto, iniciarei o processo de formação corporal” disse, com a mesma voz habitual, neutra e sem qualquer emoção.
“Ao deixar este lugar, será transferido para a ilha correspondente à sua Herança. No seu caso, como não recebeu nenhuma, será designado como padrão: humano. Ao sair pela matriz de teleporte, será provavelmente recebido por um dos guardas responsáveis por monitorar quem entra e sai. Ele o orientará quanto aos próximos passos a seguir.”
“Compreendo!” comentou Kai, absorvendo em silêncio os significados por trás de cada palavra. “Agradeço pela explicação… e peço desculpas por tomar seu tempo.” disse, inclinando-se levemente.
Ele percebeu que o Seletor havia ido além de sua função ao fornecer explicações adicionais, algo que claramente não era sua obrigação. Por si só, essa atitude já era suficiente para merecer seu respeito. Kai nunca gostou de ser injusto com os outros e certamente não pretendia mudar isso agora.
Um gesto que, sem que ele soubesse, foi discretamente apreciado pelo Seletor. Assim que ele percebeu o início da formação do corpo de Kai, voltou sua atenção para o lado de fora, observando o restante que ainda aguardavam. Foi questão de poucos segundos… mas o suficiente para não presenciar um evento fora de seu contexto.
A intensa aura do núcleo de Kai foi diminuindo à medida que os membros começaram a se formar. No entanto, sem eles perceberem, uma das esferas semitranslúcidas de herança rompeu o padrão e avançou rapidamente em sua direção, sendo absorvida pelo núcleo ainda.
O Seletor voltou sua atenção para ele e notou que o processo havia terminado. Diante de si, encontrou um humano comum, com cerca de um metro e oitenta de altura, porte físico definido e aparência levemente acima da média. O único detalhe que lhe pareceu incomum foi o cabelo branco, não se lembrava de algo assim entre os humanos, mas não deu maior importância.
“Então é aqui que nos despedimos, criança” A Matriz disse, prestes a agir.
Kai fez uma leve careta diante daquelas palavras e, após um instante de silêncio, questionou: “Ainda tenho uma última dúvida antes que me envie embora.”
“Prossiga” respondeu o Seletor.
“Por que insiste em me chamar de criança, mesmo sabendo que tenho trinta e seis anos? Por acaso o fluxo temporal aqui funciona de forma diferente?” perguntou, dando voz a uma questão que o incomodava desde o início.
“Então era isso…” comentou a Matriz, em tom levemente reflexivo. “Não é algo que eu esteja escondendo deliberadamente e, de qualquer forma, acabaria descobrindo mais cedo ou mais tarde.” Mas antes de responder liberou sua aura.
Kai sentiu algo sutil mudar ao seu redor, como se o próprio espaço começasse a se comprimir. Percebeu que o processo de transferência havia sido iniciado. A atmosfera tornou-se mais densa, e uma energia invisível começou a envolvê-lo lentamente. Por um instante, imaginou que partiria sem obter sua resposta.
“Vou lhe adiantar essa informação como um presente de despedida.” No entanto, a voz do Seletor ecoou mais uma vez. “Não importa quantos anos tenha vivido no Sonho Eterno… aqui, em Etheryum, você é considerado apenas um recém-desperto. E todos, sem exceção, despertam com a mesma idade: o equivalente há dezesseis anos. “As palavras da Matriz tornavam-se cada vez mais distantes a medida que eram pronunciadas. No fim, quase não conseguiu ouvir o final.
Então… seu corpo foi sugando. Foi como ser arremessado contra uma força invisível, comprimido no interior de uma espiral de energia caótica. Kai sentiu ser lançado em direções que sua mente não conseguia acompanhar. O ar desapareceu. O chão sumiu. E o tempo… simplesmente deixou de existir.
Tudo ao seu redor começou a girar descontroladamente, como se estivesse preso no interior de uma máquina de lavar enlouquecida. Sua visão reduziu-se a vultos e borrões, manchas de luz e sombra que já não obedeciam às leis da realidade.
Tentou se agarrar a algo, um ponto fixo, um pensamento, uma memória, qualquer coisa que mantivesse sua sanidade intacta. Mas até isso parecia se despedaçar diante da pressão avassaladora que o envolvia.
Não era apenas um deslocamento físico. Era como se sua própria essência estivesse sendo fragmentada e reconstruída, ao mesmo tempo, para atravessar os limites do espaço-tempo.
Esta foi sua primeira experiência com o teleporte dimensional e seria lembrada para sempre, algo traumático. Não apenas pelo desconforto físico, mas pela sensação avassaladora de estar sendo fragmentado.
Quando tudo parecia seguir um padrão, ainda que caótico, algo anormal aconteceu. E Kai sentiu.
Não foi algo simples como levar um golpe; era diferente. Mais profundo. Como se a própria estrutura ao seu redor tivesse sido abruptamente rasgada e deslocada.
Em um instante, sua rota foi desviada de forma brusca e violenta. Uma força invisível o arrancou do fluxo estável, como se o próprio universo tivesse decidido, ao acaso, mudar seu destino a bel-prazer.
Uma dor violenta o atingiu de forma inevitável, como uma onda que atravessava não apenas o corpo, mas também a consciência e a alma.
Kai sentiu algo quente ser expelido por todos os orifícios. Espalhando-se entre os vultos distorcidos à sua volta, dissolvendo-se no caos.
O que restava de lucidez se desfez. Seus sentidos colapsaram, e tudo ao redor tornou-se um borrão tremeluzente. Naquele instante… toda resistência se esvaiu. E, no instante seguinte, sua mente, arrastada para o abismo silencioso, se apagou.
Nota do autor: Obrigado por acompanhar minha história. Deixe seu comentário: o que você está achando e o que espera dos próximos capítulos?
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