Capítulo 221: Atrás deles
— Vá atrás deles — disse Pandora, entre uma investida e outra, sua espada cortando o ar como um chicote, com estalos que faziam criaturas se retraírem. — A gente segura a onda aqui. Sem você, eles estão perdidos. Se precisarmos, te chamamos pelo nosso link telepático.
Hesitei. Minha espada ainda vibrava com o impacto do último corte, e meus olhos alternavam entre o buraco no chão e as fileiras de inimigos à frente. A ideia de abandonar a linha de frente me corroía.
— Vocês não vão aguentar tanto tempo sem mim.
— Lior, vá! — Niana gritou, suas garras faiscando contra as presas de uma fera deformada. — Eles não têm ninguém lá embaixo.
Cass completou, cravando a lâmina no pescoço de uma criatura que guinchou antes de desabar. — Faça o que precisa ser feito. Nós somos seis aqui ainda. Lá, eles só tem desespero.
Um rugido abafado veio do fundo do buraco. Ar frio subiu pela fenda, carregado de esporos que faiscavam sob a luz ao redor.
Pandora, ofegante, me lançou um olhar firme. — Confiamos em você. Agora vá!
Engoli em seco e, relutante, mergulhei na escuridão.
A queda não foi longa, minhas pernas amorteceram o impacto. O ambiente era claustrofóbico, úmido, tomado por paredes de terra encharcada que pulsavam com filamentos fúngicos. O cheiro era de podridão molhada.
Logo avistei o grupo: Milena, suada, mantinha uma barreira de luz instável enquanto Cris disparava flechas sem parar, não imaginava onde tinha encontrado um arco. Calmon e Marreta estavam lado a lado, suando e grunhindo contra uma dúzia de criaturas que os cercava. Um ferimento no ombro de Marreta sangrava em profusão, tingindo o chão de vermelho.
Mais atrás, vi Karel caída, inconsciente, o corpo frágil protegido por um círculo protetor que Milena tentava manter ativo. Gus estava à seus pés também.
— Droga… — sussurrei, cerrando o punho.
— Lior! — Milena gritou, quase soluçando. — Eles não param!
Não precisei de mais nada. Avancei.
Minha espada riscou o ar, liberando uma onda flamejante que atravessou os corpos frágeis de três criaturas, queimando o fungo que as infestava até se desfazerem em pó escuro. Outras recuaram, mas logo avançaram em massa.
— Aguentem firme! — gritei, minha voz ecoando pela cavidade.
Cris disparava flechas encantadas em ritmo frenético.
— Pensei que nunca fosse aparecer!
— Sempre chego quando mais precisam — respondi, erguendo a lâmina diante do peito.
Foi então que o chão inteiro tremeu. Uma sombra gigantesca surgiu do túnel à frente, acompanhada de um rangido surdo. O monstro emergiu, ocupando quase toda a largura da fenda.
Parecia um cupim colossal, mas deformado. Sua carapaça era recoberta de placas de fungo pulsante, que respiravam como brânquias. Mandíbulas enormes batiam uma contra a outra, cuspindo saliva ácida que derretia o solo. Dos orifícios ao longo de seu corpo, vinham espirros de esporos verdes.
— Por todos os deuses… — Calmon murmurou, recuando instintivamente.
— Foi ele… — percebi em voz baixa. — Esse monstro abriu o buraco.
O cupim investiu, abalando a terra. Esquivei por pouco, rolando para o lado. As presas se cravaram na parede e arrancaram torrões inteiros de terra enraizada de fungo.
Reagi. Minha espada brilhou com runas de fogo, e desferi um corte diagonal. A lâmina abriu um sulco na carapaça, mas em vez de sangue, jorrou uma gosma viscosa misturada com esporos que quase me cegaram.
— Fogo! Use fogo! — gritei, girando a lâmina para lançar labaredas que queimaram os fungos que se projetavam do ferimento.
Milena ergueu os braços e disparou chamas da palma da mão, atingindo as patas traseiras do monstro. Ele guinchou, o som reverberando nos meus ossos.
Marreta tentou se levantar para investir, mas mancava, sangrando demais.
— Vou arrancar essa carapaça de fungo maldito! — rugiu, mas quase tombou.
Corri e segurei-o pelo ombro. — Não! Eu seguro ele. Você protege os caídos!
Pandora teria rido da ironia, pensei, era ela quem gostava de dar ordens. Mas agora, não havia tempo para brincadeiras.
O monstro avançou outra vez. Usei telecinese, prendendo suas mandíbulas no ar por um instante, esforço que drenou minha mente. A energia fez minhas têmporas latejarem. Aproveitei a abertura e desferi um golpe carregado de fogo na base da cabeça. A criatura se debateu, as patas esmagando o chão.
— Agora! — gritei. — flechas!
Cris aproveitou e disparou três flechas encantadas direto nas fendas abertas, que explodiram em estalos luminosos. A criatura guinchou, recuando um pouco, mas não tombou.
O chão estremeceu outra vez. Uma fenda lateral começou a se abrir, engolindo terra e pedras. E junto dela, o grupo caído começava a deslizar.
— Não! — Milena berrou, tentando segurar Karel com a força dos braços.
Meu coração disparou. Larguei a lâmina no chão por um segundo, estendi as mãos e invoquei toda minha telecinese. Um campo invisível envolveu Milena, Karel, Gus e até Marreta, que escorregava. O esforço foi brutal; senti sangue escorrer pelo nariz.
— Fiquem… comigo! — grunhi, puxando-os de volta para o solo firme. Um a um, os corpos foram suspensos e trazidos de volta ao centro da caverna.
Mas o esforço me deixou de joelhos, suando frio. Eu já estava mais desgastado que imaginava.
Ainda assim, sorri, mesmo exausto, e segurei de novo a espada.
— Essa luta… ainda não terminou.
O cupim monstruoso ergueu a cabeça deformada e guinchou, um som grave e úmido, como se viesse de pulmões apodrecidos. Os fungos que brotavam de suas costas vibraram com a frequência, liberando uma nuvem de esporos cintilantes que me ardiam na pele. A criatura me encarava com seus olhos múltiplos, leitosos, vazios de qualquer instinto que não fosse consumir.
— Fiquem atrás de mim! — berrei, girando a lâmina envolta em fogo.
O ar ao redor estalava com calor, e mesmo assim meus pulmões pesavam como se sugassem veneno. Milena mal conseguia se manter de pé enquanto tentava puxar Cris pelo braço; Calmon segurava Marreta, sangrando e gemendo. Eu não podia perder tempo.
Avancei.
O cupim abriu as mandíbulas e avançou de frente, como uma muralha de quitina podre. Colidi contra ele com um arco de minha espada, a lâmina incandescente cortando a carapaça e arrancando uma explosão de pus e fungos ardentes. O bicho recuou meio metro, mas não caiu. Pelo contrário: guinchou ainda mais alto, e da lateral da parede de pedra começaram a despencar criaturas menores, insetos fúngicos, deformados, como larvas famintas.
— Droga… não vai acabar nunca!
Minha mente gritou, mas meus instintos foram mais rápidos. Usei a telecinese para erguer Milena, Cris e Karel, inconsciente, do chão. Eles flutuaram lentamente, até se afastarem da beira do buraco. Concentração total. Qualquer distração e eles poderiam despencar outra vez.
Nesse segundo de vulnerabilidade, o cupim veio por baixo. As mandíbulas colidiram contra mim, e só consegui me salvar porque invoquei um campo de proteção. O impacto me lançou metros para trás. Bati contra a parede da caverna, e a dor me fez ver estrelas.
“Levanta, Lior. Levanta. Eles dependem de você.”
Escutei um grito, Cris, ele tinha se livrado do arco, avançava com a espada, impedia o cupim de ir em direção dos feridos. Ele estava ferido, mas resistia. Os insetos menores o cercavam. Sem pensar, arremessei a espada. Ela girou pelo ar em linha reta, cortando dois inimigos atrás dele antes de cravar no chão.
— Chega! — bradei.
Uma onda invisível se expandiu de mim, como se o próprio ar tivesse ganhado peso. Os insetos foram lançados para trás, esmagados contra a pedra. O cupim resistiu, cravando as pernas no chão, mas eu já estava em movimento.
Corri, puxei minha espada de volta para a mão e, com um giro, cortei uma das patas dianteiras. A criatura guinchou tão alto que pedras despencaram do teto. Fungos explodiram em chamas, iluminando a caverna em tons alaranjados.
— Vai cair, desgraçado! — rosnei.
Ele não caiu. Pelo contrário, se lançou contra mim com fúria cega. Atingiu-me de raspão, e fui jogado de lado. Senti o osso do ombro protestar, mas não quebrou. Rolei, ergui a espada e, com a outra mão, conjurei fogo direto dentro da boca aberta do monstro.
A explosão foi brutal. O cheiro de carne podre torrada encheu a caverna. A cabeça do cupim se contorceu, parte da mandíbula derretida. Mas ainda não bastava. Cris correu para a frente do bicho, prendendo sua atenção.
Foi quando ouvi Marreta urrar atrás de mim, mesmo ferido:
— LIOR! ACABA COM ELE!
Aquilo me deu a centelha que faltava.
Corri para a lateral, usando as pedras como impulso, subindo pelas paredes como se fosse mais leve que o ar. Saltei do alto e mergulhei contra as costas da criatura, fincando a lâmina em seu dorso coberto de fungos. Canalizei tudo, fogo, raiva, mana. Toda a energia que me restava.
O resultado foi uma erupção. A lâmina atravessou carapaça, carne e núcleo, liberando chamas que se espalharam pelos fungos como pólvora em óleo. A criatura entrou em convulsão, suas patas arranhando a pedra em frenesi, até que desabou no chão, tremendo.
Fiquei sobre ela, respirando como um animal ofegante, sentindo o calor das chamas refletindo no suor do meu rosto. A espada ainda ardia dentro da carcaça, e eu a arranquei com esforço, deixando o corpo imenso se consumir em fogo.
Silêncio.
Os poucos insetos restantes fugiram, sumindo por fendas da rocha. O buraco no chão ainda exalava um cheiro úmido, pútrido, mas estava imóvel. A ameaça, por ora, estava morta.
Senti as forças começando a faltar. Respirei fundo.
— Acabou… — murmurei, sem acreditar.
Milena engasgava, abraçando Cris. Calmon, exausto, ajudava Marreta a não desmaiar de novo. Karel E Gus permaneciam inconscientes, mas pelo menos estavam vivos, resgatados.
E então ouvi a voz de Pandora em minha mente, pelo elo telepático.
— Lior… está vivo?
Sorri, mesmo que fosse um sorriso quebrado.
— Sim. Todos estamos.
— rápido. Estamos precisando de você!
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