Índice de Capítulo

    — Ué, como assim você não tem magia?!

    Os olhos de Euclasto me olhavam com a profundidade de um abismo que queria me devorar naquele exato momento.

    — É estranho isso… — Meredith semicerrou os olhos, indo em direção ao púlpito onde se encontrava o governador. — Deixe-me ver isso.

    — Quem você pensa que é para dirigir a palavra a mim, sua criminosa?!

    — Tem razão, desculpa.

    Meredith retrocedeu.

    — Agora me explique o porquê do espanto vice capitão da divisão? Visto que é comum certas pessoas nascerem sem magia, embora seja raro.

    — É porque ele alegou ter magia.

    — Jarves, você tem magia, não tem?

    Agora era a vez da Theresa.

    — Pensando bem, tudo o que você disse até agora é algo que pode ter passado de uma mera coincidência, não acha? — disse Rein, me colocando contra a parede.

    — É disso que eu estava falando — disse o Euclasto. — Este homem é um verdadeiro charlatão manipulador—

    Foi tarde demais quando Euclasto colocou a sua mão na boca para impedir aquelas palavras que andaram pelo vento aos ouvidos do governador.

    — Charlatão manipulador?

    Ele levantou uma de suas sobrancelhas.

    — Não…

    — Tire a máscara — disse enquanto retirava um papel no interior da tribuna, que parecia guardar muita coisa. Quando mostrou, vi que era um ser de fato muito parecido comigo, mas que não era eu, era mais elegante e charmoso do que aquele rosto que me dava alguns aninhos.

    Retirei a máscara.

    — É você mesmo!

    — Não, é o meu irmão mais velho. Você não está vendo a diferença?

    — É sério isso? — Ele levantou a sobrancelha. — Espera! Quem você está querendo enganar?! O charlatão manipulador não tem nenhum parente pelo que eu saiba.

    — Isso mostra que vocês só sabem julgar o livro pela capa. Meredith e Theresa, não há possível negociação aqui. Vamos derrotar eles e fugir daqui!

    — Euclasto?!

    O governador olhou para o homem.

    — Vamos, Meredith e Rein!

    Chamei os dois, mas pareceram me olhar com olhos desconfiados.

    — Não, agora eu fiquei intrigado.

    — Desculpa Jarves, mas tudo quanto foi dito aqui está me fazendo repensar. Não é que eu esteja duvidando de você, mas eu quero ter uma prova palpável de tudo que você é, entende?

    — Concordo com a Meredith. Precisamos de uma prova palpável.

    — Mas gente, vocês não pensaram na hipótese de que por minha magia ser de ver o tempo, não esteja aparecendo?

    “Por favor, acreditem!”

    Minha reza foi inútil diante do argumento do governador.

    — Já testei muitos poderes mentais e psíquicos e todos eles apareceram no papel. Por que o seu seria uma exceção?

    E agora? Eu não poderia simplesmente dizer que vinha do outro mundo, que eles faziam parte de um livro e que tudo isso era pura ficção que eu alguma vez li. Não, não tem como eles acreditarem nisso, embora eu queira dizer. Minha boca se mantinha selada para essa verdade.

    No fim, há coisas que precisam ficar escondidas, porque se forem descobertas antes do tempo serão loucuras aos seus ouvidos.

    — Pois, então, me coloquem à prova diante desse artefato! Já que duvidam de mim!

    — É o que eu pretendo fazer. Senhor governador por favor, com sua permissão, peço que teste o manipulador charlatão. Se ele proferir mentira, todos aqui serão presos sem negociação a posterior. Concordam?

    — Se o Jarves tiver mentido, o mínimo que posso fazer é ser presa com ele.

    — Meredith… — murmurei.

    — Bem, eu não me incomodo. Afinal de contas, tudo que a gente passou tem mais verdade do que meras palavras.

    — Theresa…

    O senhor governador trocou a bola de cristal, colocando uma bem branca, que quando entrou em contato com a superfície metálica emitiu um brilho branco semelhante a esfera do senhor Zik.

    — Coloque sua mão aqui. Se a esfera ficar verde, você diz a verdade. Se a esfera ficar vermelha, você mente.

    — Certo!

    Coloquei a mão por cima da superfície, sentindo um calor acolhedor.

    — Pois então, manipulador, charlatão. Responda. Você tem mesmo o poder de ver o futuro?

    — Sim!

    A esfera ficou vermelha para o espanto de todo mundo.

    Bati o meu rosto em decepção, sentindo uma leve dor. Eu havia me esquecido de que não era assim que eu deveria responder a pergunta ou ao menos deveria pedir para ele reformular tipo ” você sabe do futuro?”

    — Jarves, não acredito…

    Meredith ficou boquiaberta, espaço suficiente para uma mosca entrar e sair.

    Theresa também.

    — É isso, no final, você é um mentiroso, seu manipulador!

    Euclasto mal podia esperar por dizer isso, mas em troca de desespero, abri um sorriso travesso enquanto nossos olhos se encontravam.

    — Ae?

    Saber do roteiro inteiro era mais interessante do que saber do futuro inteiro. Meu sorriso malicioso apenas o deixava confuso.

    — O que acha que vai fazer agora que foi desmarcado, charlatão?!

    Senhor governador disse com um tom frio e afiado.

    — Pois então que comece o show das profecias!

    — Show das profecias?

    Ambos, governador e vice capitão da divisão, levantaram uma das sobrancelhas. Meredith e os demais concentraram os olhos em uma mistura de curiosidade e apreensão. Mas o que estava explícito na cara de todo mundo era a frase “o que ele pretende fazer?”

    — Governador Fortunato, sua família será toda devorada pelos monstros. Para não dizer você.

    A esfera ficou verde e a cara do governador assumiu um pavor completo, uma cara que eu estava gostando de ver.

    — Essa cidade será reduzida a ruína. A família real perecerá. Euclasto perecerá. Sua família também.

    A esfera não apenas ficava verde conforme esses caras ficavam assombrados, como ela aumentava de brilho, me lembrando do clarão gerado pelo Zernen.

    — Querem mais?

    — Não, chega!

    O governador agora pegava sua cabeça com ambas mãos, murmurando desesperadamente o nome da sua filha e da sua esposa enquanto o Euclasto fazia o mesmo.

    — Já acreditamos, você realmente não mente segundo a esfera!

    Quando Euclasto disse isso, Meredith e Theresa suspiraram de alívio, colocando suas mãos no peito.

    — Mas por que ela não registra esse seu conhecimento como poder?

    Rein fez uma boa pergunta.

    — É porque esse poder se chama roteiro!

    — Roteiro? O que é isso?

    Eu não disse isso por acaso, sabia muito bem que essa palavra era desconhecida nesse mundo.

    — É o nome do meu poder.

    — Mas se esse é o nome do seu poder, por que ele não aparece no papel? — questionou o governador Fortunato, com o semblante ainda atordoado.

    — Eu não queria dizer isso, mas o roteiro não é um poder qualquer. Ele é um poder que foge qualquer lógica desse mundo, por isso não pode ser registrado.

    Literalmente, isso não era mentira.

    — Um poder que não pode ser registrado? Isso é… Inacreditável.

    — É isso mesmo, roteiro é um poder supremo! Isso mesmo, eu, Jarves, sou um ser supremo!

    Levantei as mãos para o alto, ouvindo o estrondo de uma trovoada logo em seguida, que me fez ficar quieto e com medo. Certo, eu não era um ser supremo. A esfera ficou vermelha.

    — Mas eu sou fora do comum.

    A esfera me deu razão.

    — Bom, só por por precaução, quero que me diga um futuro próximo. Que vai acontecer já já — disse o governador, tentando me testar.

    — Bom, creio que para isso Jarves não será problema — disse Meredith. Mas o futuro que eu conseguia prever era o canônico, o meu conhecimento não transcendia os spins off.

    — Vai chover.

    — Mas isso é previsível, visto que houve trovoada!

    — É tudo o que eu consigo saber. Eu normalmente só vejo futuros importantíssimos, como o fato da sua esposa e filha baterem as botas.

    — Não, por favor, não me lembre disso. Eu acredito!

    Ele voltou a segurar sua cabeça novamente, contorcendo seus traços em uma expressão apavorada.

    — Tem certeza? Posso prever mais coisas desastrosas da suas vidas.

    — Não precisa, charla… Digo, não precisa. Nós acreditamos. Você é inocente.

    Agora o Euclasto passava a mão nos seus cabelos com um rosto tenso.

    Dei um suspiro. Meredith veio me abraçar.

    — Eu sempre soube!

    — Para quem queria provar…

    — Aí sim, Jarves!

    Theresa esfregou os meus cabelos.

    — Agora entendo o porquê do rei ficar enfurecido. Não é fácil aceitar uma tragédia. Eu também me recusaria a acreditar, não fosse a esfera.

    — É, eu também. Pior que a esfera nunca falhou antes — acrescentou Euclasto.

    — Bom — Bati as palmas. — Agora que estamos resolvidos, estamos nos retirando. Ainda precisamos chegar ao norte de Hengracia para reunir todas as provas plausíveis das minhas profecias.

    — Tudo bem, cha—

    — É Jarves. Jarves.

    — Certo, Jarves. Por mim, você e sua equipe podem passar por essa cidade sem problemas.

    — Por mim também. Por favor, evite esse futuro, eu não quero perder minha esposa e minha filha.

    — Bom, isso está nas mãos do rei. Você precisa trabalhar para que o rei aceite isso como verdade e se prepare a tempo para a invasão dos monstros.

    — Prometo fazer tudo que estiver ao meu alcance para trazer o rei a razão!

    Então virei com um aceno de despedida.

    Mas logo virei novamente para contemplar aquela cena inusitada do governador se prostrando diante da Meredith.

    — Mil perdões! Mil perdões, princesa Meredith! Se eu soubesse que era você desde o início, eu teria mais cuidado com minhas palavras!

    Ao passo que ela ficava constrangida e sem jeito.

    Dei um sorriso e me virei para apreciar melhor os detalhes ornamentais no padrão sapateiro das paredes e do teto enquanto andava para fora da catedral.

    “ Ache um não sapato…” Fiz esse desafio a mim mesmo.

    No fim cansei de procurar, minha cabeça estava ficando sonsa. Quando estava na porta, ao relento daquela paisagem sapateira misturada com a fauna e do céu nublado, virei novamente quando um silêncio súbito passou pelos meus ouvidos. Meus olhos não encontraram nem o Rein, nem a Meredith, tão pouco a Theresa.

    — Ué, para onde foram eles?

    — Desapareceram quando o homem do teletransporte tocou neles.

    — Maldito, Rein! Como ousa me deixa—

    Antes que eu terminasse de descarregar minha fúria no ar, minhas palavras foram cortadas quando sua mão tocou no meu ombro e um sorriso travesso tomou conta do seu rosto. Então desaparece da vista daqueles homens, retornando ao circo onde encontrei Zernen brincando de bastão com o dono de circo, com os soldados enjaulados como espectadores.

    Logo em seguida apareceu o Euclasto trazido pelo Rein.

    — Vice capitão!

    Os soldados se emocionaram ao ver seu companheiro de volta.

    — É o seguinte, companheiros, o homem em questão é inocente segundo o julgamento da esfera, então não há porque condená-lo.

    — Sério?

    Os soldados estavam em uma mistura de incredulidade, espanto e aceitação, mas apenas aquela senhora estava em estado de negação.

    — Não pode ser! Não, o vice foi manipulado pelo charlatão manipulador! Não aceitem isso, bravos soldados!

    — É isso mesmo, não aceitaremos!

    — Sim, vice capitão, acorde para vida!

    — Mas é o que?

    Semicerrei os olhos. Não eram eles que há pouco haviam cogitado a possibilidade de eu estar certo?

    — Tal homem não tem essa magia. — Ele mostrou o papel que dizia que eu não tinha nenhuma magia. — Sua magia, na verdade, não pode ser detectada. Mas sabemos que ela é verídica porque suas profecias não foram negadas pela esfera.

    Com isso, os soldados não tiveram escolhas se não aceitar essa dura realidade.

    — Mas e então, o que faremos agora?

    Era uma boa pergunta, que foi respondida pelo próprio vice capitão de divisão.

    — Por agora, faremos vista grossa. O governador tentará chamar o rei a razão enquanto estes rumam ao norte de Hengracia.

    Os soldados anuíram.

    Assim, todos entramos em consenso. Mas aquela senhora não me passava confiança, por isso pedi que ela fosse a única que não fosse libertada. Para mim, estava claro que ela estava pouco se lixando para a verdade, queria, na verdade, lucrar com essa situação.

    — Levem-na!

    — Nãooooo!

    Ela gritava enquanto os soldados a levavam para a cadeia, onde seria seu lar provisório pelo tempo que o Euclasto julgaria cabível. O senhor gordo dorminhoco também a acompanhou. Assim que acordou, gritou por não estar a ver nada devido a venda preta que fora colocado para que não pudesse fazer uso dos seus olhos contra os soldados.

    — Nãooooo!

    — Tchauzinho!

    Zernen acenava com uma pequena risada.

    — Então é isso, princesa. É aqui que me despeço.

    As mãos de ambos se abraçaram.

    — Certo!

    — E quanto ao man— — Colocou o punho sobre os lábios, mas eu semicerrei os olhos por saber muito bem o que ela queria dizer. — Digo, Jarves. Espero que possa provar sua inocência diante do rei e ajudar a salvar o reino com esse seu poder.

    —Ah, pode deixar!

    Lancei um sorriso.

    Então com um gesto de punho contra o peito, Euclasto virou e foi embora daquela tenda que era o circo.

    — Muito obrigado vocês também. Planejo fazer uma digressão pelo reino, então pode ser que a gente se aviste por aí. Todavia, estão convidados para participar de quaisquer espetáculos.

    — Vamos adorar participar — disse Meredith.

    — É, sim!!! Eu gosto de espetáculos!!!

    Zernen saltou e levantou os punhos.

    — Eu também, mas não temos tempo a perder por enquanto. — Lembrei da nossa missão.

    — É, agora é rumo ao norte! Vamos nessa!!!!

    Meredith parecia estar mais entusiasmada. Em contrapartida, uma tristeza sempre tomava com do Zernen quando se falava em norte, como se lá habitasse um monstro, não, na verdade, habitava sim e este se chamava seu pai.

    O único homem que deixava Zernen destroçado.

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