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    Assim que chegamos de volta ao acampamento, reuni todos e contei o que havíamos descoberto. Os fungos estavam reagindo exatamente como previsto: suas criaturas infectadas haviam se recolhido para dentro da caverna, como se buscassem proteção no ventre da montanha.
     

    — É a hora perfeita para atacar! — exclamou Calmon, os olhos faiscando. — Estão todos em um único lugar.
     

    — Ou talvez seja justamente o que querem que pensemos — retrucou Germano, em tom grave. — Pode ser uma armadilha.
     

    Assenti com a cabeça.
     

    — Além disso, sabemos que eles cavam túneis — acrescentou Cass, cruzando os braços. — Não temos garantia de que aquilo ali não seja um labirinto subterrâneo. Basta um passo em falso para nos perdermos para sempre lá embaixo.
     

    — Mas em algum momento teremos que arriscar — interferiu Marreta, com sua voz firme. — Eles não vão simplesmente apodrecer sozinhos dentro daquela caverna.
     

    A verdade das palavras dele pairou sobre nós. Passamos um bom tempo discutindo estratégias, levantando riscos, repetindo medos que todos já conhecíamos. A lembrança da última batalha ainda era fresca: ferimentos profundos, exaustão, e o aparecimento daquela criatura semelhante a um cupim que quase nos custou uma vida. O perigo não era teórico. Ele estava ali, real, pulsando em cada lembrança.
     

    Enquanto ouvia os outros, revi minhas próprias motivações. O que eu estava fazendo, afinal? Tudo aquilo tinha começado para ajudar Lock a encontrar um refúgio para o povo feérico. Mas, dentro de mim, crescia outro propósito: usar aquela ilha como fundação para erguer minha própria torre mágica. Imaginava morar ali com Nix e Claire, estudando formas de trazer Selune de volta… e junto dela, meu filho ainda não nascido.
     

    As preocupações se acumulavam em minha mente, uma sobre a outra, como pedras pesadas demais para carregar. O casamento, já arranjado, me esperava no retorno. A revelação de Pandora como herdeira legítima do Império iria incendiar o tabuleiro político, e eu sabia que Juliani e Annabela jamais aceitariam isso em silêncio. Uma revolução se avizinhava. Tudo parecia prestes a desabar, e a missão naquela ilha era só mais uma peça no tabuleiro.
     

    O peso dessa urgência me fez erguer a voz.

    — Acho que precisamos agir. Esperar não vai mudar nada. Cedo ou tarde teremos que arriscar, e quanto antes, melhor. Não sei vocês, mas eu estou com saudades de casa.
     

    Todos assentiram em silêncio, e vi nos olhos de Calmon o mesmo brilho de antes.
     

    — Não falo em sermos arrogantes ou descuidados — continuei. — Mas sim em pressionar, forçar o inimigo a recuar. Se ficarmos parados, só lhes damos tempo para se reorganizar.
     

    Olhei em volta e vi os rostos daqueles que haviam lutado na batalha anterior. Avaliei discretamente seus corpos, procurando sinais de dor ou fadiga. Estavam bem o suficiente. Recuperados. Prontos.
     

    — Ainda é cedo. Podemos aproveitar a luz do dia e atacar hoje mesmo. O que me dizem?
     

    Um coro de assentimentos se ergueu, sem exceção. Até Karel e Gus, os mais feridos antes, ergueram o punho em sinal de apoio.
     

    — Então preparem-se. Partiremos em trinta minutos.
     

    Pouco tempo depois, guerreiros e magos se erguiam comigo nos céus, sustentados pela minha telecinese. O voo foi direto, rápido, sem resistência. Nenhum sinal de movimentação inimiga. O silêncio só tornava a tensão mais espessa.
     

    Logo, pousamos diante da entrada colossal da caverna. O fedor de podridão escapava em ondas invisíveis, impregnando o ar e provocando náusea.
     

    A boca da caverna era alta, irregular, larga como um portão feito para gigantes. Um declive acentuado levava a escuridão, onde a luz do sol se esfarelava e sumia. O chão cobria-se de pedrinhas soltas que rangiam e tilintavam sob as botas, como pequenos sinos quebrados. Germano e Karel se agacharam, estudando as marcas no solo: rastros evidentes de uma tropa que havia marchado em linha reta para as profundezas.
     

    — Alguém quer voltar? — perguntei, deixando espaço para qualquer voz de desistência.
     

    O silêncio que seguiu foi mais eloquente que palavras. Todos estavam tensos, mas ninguém recuou.
     

    — Milena — pedi. — Conjure visão no escuro para todos nós.
     

    Ela assentiu. A mana ambiente vibrou de forma suave, e em instantes percebi a mudança nos sentidos: as trevas se abriram como um véu transparente.
     

    Descemos juntos.
     

    A cada passo, a temperatura caía. O som da água pingando ecoava sem cessar, um gotejar ritmado que se tornava insuportável. A escuridão parecia viva, espessa, como se nos observasse.

    Em certo momento, já bem dentro da terra, senti vibrações sutis sob os pés. Instintivamente, conjurei uma plataforma sólida abaixo de todos. Não queria ser surpreendido por outro buraco, como acontecera antes.
     

    — Atenção redobrada — avisei.
     

    Então o barulho veio. Um som baixo, como pequenas buzinas sendo sopradas ao longe. Fraco, infantil, mas multiplicado em ecos.
     

    Minutos depois, a origem se revelou.
     

    Um exército de criaturas pequenas surgiu na penumbra. Eram mais de uma centena, corpos arredondados e brancos, pernas curtas e grotescas. Cada uma usava algo que lembrava um chapéu vermelho salpicado de manchas brancas, como caricaturas de cogumelos de histórias infantis. Marchavam desengonçadas, e o barulho vinha do choque constante de seus corpos contra o solo e uns contra os outros.
     

    O mais estranho: não tinham qualquer assinatura de mana. Nenhuma.
     

    Meu coração gelou. Nunca havia encontrado vida sem mana. Nem mesmo flores ou grama eram assim. Mas aquelas coisas eram.
     

    Pararam a cinquenta metros de distância, imóveis. O tremor no solo cessou junto com sua marcha.
     

    Resolvi não esperar.
     

    — Magos, Germano… abram fogo. Guerreiros, segurem posição!
     

    Minha própria bola de fogo saiu primeiro, explodindo no meio da multidão. Outras magias seguiram, bombardeando-os.
     

    Eles não reagiram. Não gritavam, não recuavam, apenas explodiam em carne branca e pedaços de chapéu vermelho. E, com cada impacto, uma nuvem de esporos brancos se erguia, flutuando.
     

    — Alto! — gritei, erguendo a mão. Criei uma barreira translúcida, protegendo-nos.
     

    Os esporos cobriram tudo, engolindo o espaço ao redor em uma névoa densa. Nossa visão foi arrancada, e até meus sentidos mágicos foram bloqueados. Era como se estivéssemos mergulhados em um vazio branco, sem forma, sem direção.
     

    Aos poucos, a névoa começou a ceder, até restar apenas um tapete espesso de poeira branca cobrindo o chão.
     

    — Ninguém se mexa — ordenei.
     

    Saí da proteção sozinho. Precisava testar antes de expor os outros. Respirei fundo. Toquei os esporos. Nada.

    Não eram venenosos. Não reagiam à mana. Não tentavam penetrar no corpo. Diferentes do esporo azulado, que era agressivo, ou do verde, que corroía. Aqueles… nada.
     

    Fiquei parado, intrigado. Os fungos jamais sacrificariam suas criaturas sem propósito.
     

    Então o que estavam tramando?

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