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Protótipo de capa Volume 1 – Ironia Divina

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Capítulo 230 - Cinco Pontos

Música. Doce, afinada… inconveniente.
Havia algo de errado ali, Jasmim jurava já estar boa em prever essas coisas. Agachada entre as copas deformadas de uma árvore caída, sentiu a melodia como se fosse uma lâmina correndo pela espinha, gentil demais para machucar, mas afiada o bastante para deixar um recado.
“Recupere a Coleção.”
A voz seca a liberou do torpor inicial, como se tivesse sido cuspida direto do centro do seu crânio. Parecia ser só mais uma entre tantas, mas aquela veio com urgência. Pressa que beirava o desespero.
— Tô vendo — murmurou ela, sem grande entusiasmo.
A vegetação ao redor estalava devagar, como se a própria floresta tropical sentisse que não devia se meter. Do alto daquela encosta disforme, com cascas retorcidas e folhas cheirando a iodo, ela tinha vista perfeita de toda a costa. O cais de Barbados não passava de uma estrutura colada com promessas e ferrugem. As barracas se agrupavam como ratos nos trilhos do trem. E, no meio de tudo aquilo, o navio.
O navio.
Finalmente lá estava ela, à sua frente, a marca no mapa. Aquele ponto irritante, piscando havia dias com a palavra “Coleção” escrita de forma absurdamente categórica. E agora ela entendia por quê.
— O navio é a coleção… — murmurou, não querendo acreditar. — Tá de brincadeira… como vou “recuperar” um navio inteiro?
Não foi fácil chegar ali. Também não foi exatamente difícil, mas foi… cansativo. Sim, cansaço foi o que teve de sobra. Sempre que o ponto se movia no mapa, Jasmim acelerava o passo. Um mês para sair do país sem um meio de transporte era raspar no limite, mas com pernas fortes, um ou outro cavalo roubado e um bom saco de ouro dado aos primeiros navegantes que encontrara, conseguiu chegar ali.
“Avance.”
As veias da testa latejaram. Jasmim cambaleou um pouco, levando a mão à lateral dos óculos como se pudesse arrancar a dor dali, beliscar a origem do incômodo. Mas era inútil, sabia que não vinha do dispositivo. A música aumentou.
“Ó, guerreiros, sintam o ar, tão doce e amargo…”
— Eu… eu conheço isso… — a guerreira se deitou na terra, com o braço cobrindo os olhos.
Não era a música que conhecia, mas a voz tinha certeza que sim. Ou talvez só achasse que conhecia, sua cabeça não estava no estado ideal para se lembrar de verdade dos detalhes da sua vida.
Com cuidado, espiou por entre os galhos logo após a segunda explosão, pouco antes de algumas casas se desmancharem com uma violência limpa.
Sim, lá estava ela. Sim, ela a conhecia.
Ana.
Surgiu na proa, dedilhando um alaúde tal como um açougueiro brinca com uma faca antes de decepar um boi. Jasmim apertou os punhos. A luz refletida nos óculos traçava linhas no rosto, e o calor de sua própria respiração fazia o interior embaçar.
— Por que ela tá ali? — sussurrou.
A resposta não veio. Ou melhor, veio sob outra forma: um choque no cérebro. Como se o próprio nervo óptico tivesse sido esmagado por dois enormes dedos.
De repente ela viu Ana. Mas não no navio.
Uma caverna talvez? Ou em algo semelhante a uma rústica. Um espaço preenchido por dor. Ana, parada. Depois, lutando. Uma luta que Jasmim sabia que não travou, mas cujos movimentos, de alguma forma, conhecia com precisão absurda.
— Isso não é meu…
Veio outra imagem. Então uma voz fria, distante. Um sussurro sobre inconsistências. Sobre falhas. E então o impacto: jovens sendo esmagados por braços metálicos em uma luta injustamente grotesca.
Depois, nada.
Despertou com o rosto no chão. A terra tinha cheiro de ferrugem, e sentia a umidade grudar nas dobras do pescoço. O visor tremia. As bordas do mapa se dissolviam em artefatos visuais. O ponto da Coleção pulsava. Mas agora não piscava. Sangrava.
Jasmim se ergueu de joelhos completamente cobertos de lama. Os óculos ainda em seu rosto, firmes. Mas seus olhos ardiam. Sentiu o calor escorrer pela lateral do nariz. Estendeu os dedos e tocou. Vermelho.
— Mas que merda… — sussurrou, sentindo o gosto metálico escorrer até a língua.
O sangue atrás das lentes criava pequenos halos vermelhos sobre o visor. Era como enxergar o mundo através de um vitral saturado pela própria fragilidade.
“Avance. Recupere a Coleção.”
— Vai tomar no cu!
A voz não respondeu, mas o mapa acalmou com o grito, o vermelho brilhou menos agressivo.
Jasmim respirou fundo.
Começou a descer a encosta, os pés escorregando com elegância acidental pelas raízes molhadas. Já não pensava muito sobre o que faria quando chegasse. Havia aceitado que seus planos eram sempre retorcidos por alguma insanidade localizada, segundo sua teoria baseada em um absoluto nada, na região da nuca.
Lá embaixo, o caos ganhava contorno.
Ana, ainda na proa, não se preocupava. Tocava o alaúde com uma tranquilidade irritante. Nenhuma defesa, nenhuma postura ameaçadora, só ali, afinando notas no meio de uma cena que parecia prestes a desmoronar.
E então, o povo reagiu.
A estranha corrompida que havia descido — Jasmim não sabia quem era, mas via a tensão nos vários ombros — começou a ser cercada. Quando o primeiro ataque apareceu, Ana finalmente saltou.
Não teve pressa. Colocou o alaúde de lado, desenrolou um tipo de… bem, cruz? Não seria um nome adequado, a empunhadura com toda certeza era de uma espada, mas o resto parecia algo que foi largado em meio a forja. De qualquer forma, tinha um tipo de presença que doía de olhar diretamente.
A arma não parecia cortar, estava basicamente “editando pessoas”. Onde passava, as coisas deixavam de ser. Corpos dobravam, membros caíam, estômagos eram perfurados. Vozes morriam antes da última sílaba, e o chão ganhava novas texturas orgânicas.
Jasmim parou de correr. Franziu o cenho, e com cuidado, se curvou atrás de um tronco, assistindo com mais atenção. A voz, previsivelmente, reapareceu.
“Avance!”
Ela fechou os olhos com força, e então abriu mais uma vez. Ouvia as explosões, os gritos. O barulho de tripas caindo tinha um som específico e, diga-se de passagem, bem reconhecível.
— Idiota… — murmurou, encarando o visor. — Você ainda não percebeu? Vou morrer à toa se for agora!
Não cometeria o mesmo erro duas vezes. Estava mais forte, sabia disso, mas se perdesse novamente em um só ataque daquela mulher, não se perdoaria.
Houve um silêncio. Um verdadeiro, sincero, raro silêncio — pelo menos na cabeça dela, lá fora ainda estava um caos. Então um pequeno zumbido.
Não era o zumbido comum — aquele ruído de fundo dos óculos em funcionamento — mas sim um outro zumbido. Mais sutil. De alguma forma, Jasmim podia jurar que esse era mais pessoal que os anteriores.
“Ferramenta atual insuficiente para a tarefa.
Iniciar protocolo alternativo…
Recrutamento ativado.”
O visor reagiu antes do cérebro. O ponto vermelho que a atormentou durante meses, sumiu.
Não apagou, sumiu, como se nunca tivesse existido.
No lugar, surgiram cinco novas marcas — uma delas vermelha como a antiga, sim, mas também duas azuis e duas amarelas — dispostas tão distantes que, sem tirar muito o zoom do mapa holográfico, sequer conseguia entender onde estavam.
Jasmim franziu a testa. Por um instante, achou que fosse outra dor de cabeça chegando, mas isso não diminuiu a surpresa quando a próxima frase atingiu sua mente.
“Busque companheiros.”
— Busque… companheiros…
Repetiu devagar, saboreando cada palavra.
Olhou para as duas mulheres lutando não muito longe, para os tiros vindo do navio. Lembrou de Ana como rainha. Lembrou do tempo em que comandava guerreiros que não se mostraram tão úteis assim.
“Subordinados não. Companheiros.”
Jasmim resmungou algo inaudível com o comentário adicional, e então chacoalhou os ombros.
Um sorriso torto nasceu enquanto dava as costas para a dança entre corpos que ocorria no porto, decidida a não esperar até o fim.
Com uma nova missão, partiu.
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Ficaremos sem imagens por um tempo, mas logo volto a postar!
Estou meio sem tempo e não estão saindo resultados bons…

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