Dentro da caverna, Ygdraw recolheu lentamente um dos braços que repousavam sobre o jovem, fazendo-o retornar à posição original. Suas raízes, entrelaçadas ao solo como se fossem parte dele, liberavam um brilho esverdeado que pulsava de maneira suave, como a respiração de um ser vivo.

    “Sinto em ti a ausência do controle sobre a tua energia interna… ainda não dominas o Éther” disse a entidade, após analisar o jovem com olhos que cintilavam em um tom verde sereno.

    “Pelo que percebo, despertaste há pouco do Sonho Eterno” disse ela, em tom retórico, como quem expõe uma dúvida que a acompanhava há algum tempo. “Conte-me… como foi desde que abriste os olhos em Hoikuen.”

    Kai hesitou.

    “Foi estranho… como se estivesse sendo arrancado à força de um lugar do qual não queria sair. No início, tudo era confuso, mas, ao mesmo tempo, havia uma sensação de liberdade…” respondeu, a voz carregada de incerteza.  

    Enquanto falava, gesticulava de forma instintiva, como se tentasse reconstruir no ar cada fragmento da experiência. Descreveu o vazio que o acolheu, o peso das primeiras sensações, até chegar ao encontro com o Seletor. Narrou como aquela entidade lhe prometera que haveria guardas para auxiliá-lo em seu próximo passo… mas no fim, descobriu ter sido enganado.

    Ygdraw ouvia atentamente, imóvel como a própria rocha que sustentava a caverna. Porém, quando Kai chegou à parte em que descreveu o momento em que fora enviado através do teleporte, seus olhos verdes estreitaram-se com alguns detalhes.

    O Seletor nunca mente. pensou consigo ao ouvir o discurso do jovem. Mas ele realmente não deveria ter sido enviado para este reino oculto… ponderou em silêncio. Então como… 

    Seus olhos se arregalaram de repente, quando uma possibilidade atravessou sua mente como um relâmpago breve, mas intenso.

    Kai não deixou de notar. A mudança sutil no semblante da entidade, tudo denunciava que algo em seu discurso havia provocado aquela reação.

    Ela sabe de algo… pensou, estreitando o olhar. Estava prestes a abrir a boca, mas antes que pudesse formular qualquer pergunta, a voz de Ygdraw ecoou pelo interior da caverna, firme e profunda, como se já tivesse previsto sua intenção de questionar.

    “Imagino que todos esses acontecimentos recentes tenham sido confusos demais para tua mente acompanhar… mas não há tempo a perder. Prepara-te, criança, pois darei início ao teu treinamento.”

    Ele foi pego de surpresa com tal revelação, mas logo se recompôs e respondeu:

    “Sim, mestra… farei o melhor que puder.”

    A palavra escapou de seus lábios com respeito espontâneo, como se tivesse brotado do fundo de sua essência. Ao ouvi-la, Ygdraw fechou lentamente os olhos, e um sorriso quase imperceptível percorreu o contorno de sua face.

    “Se queres me chamar assim… então prove que tens esse direito!” exclamou Ygdraw, seus olhos verdes, profundos como fendas, fixaram-se nos dele com sua força insondável de incontáveis eras. O olhar atravessou a máscara do semblante de Kai, rompendo qualquer barreira que tentasse esconder, como se sondasse cada fragmento oculto da sua essência, expondo a verdadeira face de sua determinação.

    Estendeu uma das mãos em direção ao jovem, e, diante de seus olhos, seu membro começou a se expandir, alterando sua forma. Os dedos grossos se alongaram como raízes em crescimento, entrelaçando-se até tocarem o solo. No instante seguinte, fundiram-se à terra e se moldaram em uma plataforma de madeira firme de dois metros quadrados.

    “Vá até o centro da plataforma e posicione-se em uma postura de meditação” disse ela, apontando para a estrutura recém-criada. E aguardou até que ele se acomodasse. “Agora, esvazie a mente, libere todos os pensamentos desnecessários.” disse Ygdraw, instruindo cada passo. “Regule sua respiração… nem apressada e descontrolada, nem lenta demais. Apenas encontre o teu próprio equilíbrio.”

    Por um tempo incerto, ele permaneceu ali, respirando. No início, pensamentos dispersos se entrelaçavam em sua mente, desviando-o do foco e impedindo-o de perceber qualquer mudança ao redor ou dentro de si.

    “O fruto não surge antes da árvore… assim como nenhuma habilidade nasce antes despertar o Éther” explicou sua mestra, sua voz reverberando pela caverna conduzindo Kai para direção que deveria seguir. “O teu primeiro dever, criança, é aprender a se conectar ao seu núcleo, pois é onde tudo começa… e tudo termina. Quando sua mente se sincronizar, a energia se expandirá além do núcleo, percorrerá cada fibra da tua essência e, então, se derramará por todo o corpo… como águas antigas que descem para nutrir a terra adormecida.”

    Kai fechou os olhos com força. No entanto, cada respiração trazia lembranças que se infiltravam sem ele perceber: o sorriso frágil da avó e o vazio deixado após sua partida, o olhar frio de Roy e sua rejeição. Seus punhos se fecharam sobre os joelhos, revelando a tensão escondida sob a postura de meditação. A cada vez que tentava silenciar a mente, outra lembrança ecoava. 

    Ele tentou seguir o fluxo da respiração. Mas o corpo não escondia a dificuldade. Suor escorria lentamente pela têmpora, pingando até o queixo. Seus ombros tremiam de leve, denunciando a tensão que ainda não conseguia dissipar. As mãos, apoiadas sobre os joelhos, começaram a se contrair, os dedos crispando-se como se buscassem segurar algo invisível.

    Cada expiração parecia curta demais, cada inspiração longa demais, e o peito se agitava em descompasso com a mente. O calor que subia de dentro do núcleo se misturava ao calor do esforço, confundindo-o. Por um instante, sentiu as pernas formigarem, pesadas como pedra, e teve a impressão de que todo o corpo estava prestes a ceder. Mesmo assim, manteve-se imóvel, como se quisesse desafiar o próprio limite. 

    Desse jeito não vou chegar a lugar nenhum. Kai pensou, indignado por não conseguir o resultado esperado. Em sua mente, havia imaginado que seria simples, quase natural. No entanto, o ar entrava e saía em um ritmo irregular, denunciando a ansiedade que teimava em dominá-lo.

    Não posso falhar logo no meu primeiro teste… ainda mais depois de ter recebido esta chance. Depois de prometer que faria qualquer coisa.

    Sua determinação não vacilou; ao contrário, fortaleceu-se. Uma chama ainda mais viva acendeu-se dentro dele, impulsionando a vontade de superar aquele desafio.

    Eu não quero decepcioná-las… não desta vez. A imagem de sua avó, envolta pela mesma aura que agora emanava de Ygdraw, surgiu nítida em sua mente. Duas figuras distintas, mas unidas por uma mesma essência de cuidado e esperança.

    Uma onda de calor percorreu seu peito, e o núcleo vibrou em resposta, como se respondesse diante da obstinação que finalmente se firmava dentro dele.

    Do teto da caverna, gotas cristalinas caíam em um dos pequenos riachos formados entre as raízes. O som ritmado contrastava ao silêncio, impossibilitando saber onde terminava o ambiente e onde começava sua própria percepção.

    Ygdraw observava em silêncio. No entanto, no minuto seguinte, seus olhos se estreitaram diante do desenvolvimento que começava a se revelar. “Continue” disse, a voz reverberando suave, mas firme. “Estás apenas tocando a superfície de tua conexão… mas já é o bastante para que possamos despertar o teu Éther.”

    “A mente é a chave… e o núcleo, o portão” declarou Ygdraw, sua voz reverberando dentro da mente dele, conduzindo cada pensamento como se abrisse trilhas ocultas em sua consciência. “Aprende a usá-los em harmonia, criança… ou serás consumido pelo mesmo poder que tanto desejas despertar.”

    Kai manteve a postura, respirando fundo. De repente, sentiu o núcleo no peito vibrar, não como um cristal inerte, mas como parte viva de si mesmo. O ritmo lembrava um coração adicional, batendo em sintonia com a respiração. Cada expansão trazia calor, cada retração espalhava um arrepio sutil que percorria os músculos.

    Eu estou sentindo… é como se sempre tivesse estado aqui, apenas adormecido. O núcleo não é um peso estranho dentro de mim… é parte do meu corpo, como um novo órgão.

    Seu peito se expandiu em uma inspiração profunda, e pela primeira vez desde que iniciara a sua meditação, sentiu algo como equilíbrio que sua mestra havia lhe passado.

    Ygdraw permaneceu atenta, observando cada mudança sutil no jovem. O núcleo dele respondia em sintonia com a respiração, e a energia já se espalhava de forma natural por todo o corpo, como se tivesse encontrado o caminho por conta própria.

    Os olhos dela se estreitaram, revelando um brilho incomum. Por um instante, a serenidade milenar que carregava foi substituída por algo próximo da surpresa.

    Rápido demais… refletiu em silêncio. Nem mesmo os que nasceram neste universo costumam alcançar tal estado tão cedo, a menos que alguém experiente injete o Éther diretamente em seus corpos.

    Ygdraw, inclinou levemente a cabeça, ajustando sua expressão. “ Parabéns por superar o primeiro desafio, mas lembra-te, criança… Tu avanças depressa, e isso não é bênção sem preço. Quanto maior for a velocidade do crescimento… mais duras serão as provações que te aguardam.”


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