Índice de Capítulo

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    — Ela prometeu que vai ser a última cidade antes de voltarmos para Mare Euphoria.

    Luiz disse isso ofegando, com a mão enfiada na lateral do próprio corpo para segurar o sangue no lugar certo. Ainda assim, trazia uma morte sempre que alguém se aproximava o suficiente para sentir o fio da sua adaga. Não conseguia se concentrar o suficiente para usar suas habilidades de forma eficiente em meio a um campo de batalha, mas, com Alex o protegendo, ainda fez um trabalho decente. Seu treino forçado a bordo daquele navio havia feito bem.

    — E você ainda acredita nela? 

    — Nesse mundo fodido é acreditar nela ou… bom, isso aqui. — Luiz girou o punho, indicando tudo que os cercava.

    Alex soltou ar pelo nariz em uma carranca e um riso forçado. Lutava sem ânimo, não tinha intenção de participar de carnificinas, só que o pequeno exército de Punta Cana apareceu no escuro com pressa e convicção, e os mascarados sozinhos não segurariam. Entre ver morrer aqueles que compartilharam sofrimento lutando ao seu lado ou os corrompidos do mar caribenho, escolheu ignorar a própria moral.

    Os dominicanos felizmente não eram muitos, mas tinham uma vantagem irritante: força bruta. Homens se erguiam de forma imponente, com dentes finos de tubarão-tigre e uma pele que brilhava onde virara escama. As mulheres vinham com caudas e braços talhados por nado de maré. Passavam o dia no fundo — o calor do solo fazia mal — e emergiam do mar com a maré, na madrugada, clamando para uma deusa da Lua que, pelo visto, ignorava suas pobres rezas.

    Foi puro azar que, pensando ser um bom fator surpresa, Collectio tivesse atacado justamente durante a noite.

    — Cinco cavaleiros à esquerda! — rosnou um mascarado, perto demais para ser reconfortante.

    “Cavaleiros” era generoso. Eram guerreiros montados em peixes-leão vermelhos do tamanho de bois, espinhos em leque, olhos atentos flutuando erraticamente sobre o solo como se tivessem se esquecido de onde realmente deveriam estar. Alex e Luiz se jogaram no chão no mesmo segundo, que foi o segundo certo. Os espinhos — e os machados de seus cavaleiros — passaram onde antes havia pescoços. Um dos homens de Barbados — que trouxeram como tripulantes após muita conversa e um acordo violento — não teve a mesma sorte; quando percebeu, já havia sido riscado pelos espinhos.

    Não morreu na hora, o que foi pior. O corpo inteiro travou numa dança feia, começou a inchar, quase dobrando de tamanho, e o pouco de ar que sobrava em seus pulmões foi gasto em grunhidos realmente desconfortantes.

    — Corre, caralho! — Alex puxou o fôlego e disparou. Dois montados já tinham dado meia-volta. Foram vistos. Em duelo direto ele apostaria nos próprios punhos; contra veneno, não. Veneno é a mais ingrata das armas.

    — Merda, merda, merda… — Luiz ficou para trás do jeito previsível. Sabia que não alcançaria Alex e, no meio do pânico, entendeu aquela lição velha: para fugir de uma onça não precisa ser muito rápido, só mais rápido que o amigo. Riu sozinho do pensamento, freou a corrida que mal tinha iniciado, cravou os pés na lama e se preparou para o impacto.

    Alex ouviu o arrasto das botas, estalou as mãos nas coxas e parou também, relutante.

    — Registro aqui que, se a gente morrer, a culpa é sua por ter apoiado essa porcaria toda.

    — C’est la vie! — Luiz gritou, e o francês torto foi a distração exata para ele desistir de tentar entrar na mente do peixe. Não aguentaria sem seu cérebro virar uma sopa.

    Quando fechou os olhos, o sangue atingiu seu rosto. Estranhamente, não o seu.

    Os cavaleiros ainda avançavam, mas já não existia nada da cintura para cima, como se apagados com raiva. Logo, as metades de baixo também desistiram, desabando na lama logo ao lado de uma bala de canhão estranhamente fria, sem fumaça. Ela ficou ali, imóvel, até que voou de volta na direção do navio.

    “Você vai ter que me compensar, idiota.”

    A voz de Niala encaixou no crânio de Luiz, mas veio mais fraca do que deveria. Lá em cima, o casco do Collectio rangeu e virou com rapidez que não combinava com o tamanho, dando um pequeno vislumbre da ex-rainha no leme. Em meio ao decote de sua folgada camisa de linho, a cicatriz negra cortava do alto do peito até quase o umbigo — uma linha feia e honesta. 

    Luiz soltou o ar e devolveu um aceno curto para o alto. Ana não tinha mentido: por mais que a aparência cansada denunciasse que deveria repousar em uma cama ao invés de conduzir um navio, Niala estava definitivamente mais forte.

    Não era a orquestra fantasma de Jack, com fogo por todos os lados e sua misteriosa tripulação, afinal, ela conduzia uma única bala de ferro pelo ar — ou duas, se deixasse de lado os mastros por um segundo —, mas ainda era extraordinário.

    A visão durou pouco. O corpo de Ana cruzou o campo como um projétil e entrou de frente numa árvore. Sem saber se o som grotesco de estalo foi um osso ou um galho, a capitã se levantou em uma cambalhota e apalpou rapidamente o corpo. Suspirou de alívio, e logo agarrou um par de correntes enroladas em sua espada negra. Deu um puxão.

     Uma mulher sem pernas — não por as ter perdido, mas por tê-las trocado por uma cauda longa, brilhante e musculosa — surgiu voando quase tão rápido quanto ela própria. O pescoço apertado por três voltas da corrente, olhos arregalados num misto de raiva e surpresa. Logo atrás, um homem enorme, ombros que mal cabiam no próprio corpo e pele marcada por listras escuras também saltou do mar.

    — Precisa de ajuda?

    Ana se virou com um susto, quase caindo para trás. Relaxou quando viu a dupla ali, com Luiz brincando com a adaga enquanto encarava a cena.

    — Não. — Negou também com a cabeça. — E podem tirar essa cara de bunda. Acabamos por aqui.

    O mentalista olhou da mulher sufocando para o tubarão bípede de mais de dois metros; depois voltou para Ana, tentando acompanhar a matemática.

    — Aca… bamos?

    — Sim, sim. Tipo, temos um acordo. Né? — Puxou a corrente, trazendo a prisioneira mais perto e encarando o corrompido de forma convencida.

    Uma estranha luz brotou das mãos da cativa num lampejo agressivo, e sua mandíbula travou de fúria quando as apontou diretamente para Ana. O clarão, porém, mal passou de uma faísca, com a manifestação morrendo como um vaga-lume nas mãos de uma criança. Ana gargalhou, seca, e acertou as costelas dela com a ponta da bota. A espada em cruz subiu até a altura do seu braço esquerdo, encaixada com familiaridade desconfortável.

    — Sem essas palhaçadas embaixo do meu barco. — Inclinou a cabeça e voltou os olhos para o tubarão, agora com a respiração ruidosa e o arpão meio abaixado, dividido entre orgulho e senso de sobrevivência. — Temos um acordo. Né?
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