Capítulo 237: Reencontros
Quase não acreditei quando vi todos reunidos no grande salão de jantar. A mesa já estava posta, a longa toalha branca descendo até o chão, candelabros prateados refletindo as chamas das velas e um perfume de ervas quentes, pão fresco e vinho se espalhando pelo ar. Anne tinha se superado outra vez.
Minha mãe foi a primeira a me notar quando atravessei as portas. Lady Isolde sempre fora uma mulher firme, mas dessa vez não conseguiu esconder o tremor das mãos ao se levantar. Seu vestido de seda negra contrastava com os cabelos castanhos presos em trança, e o colar de família cintilava em seu pescoço.
— Ganim… Lior… — ela disse, a voz falhando antes de completar a frase.
Senti o peito apertar. Ela caminhou depressa até mim e me puxou para um abraço apertado, como se quisesse garantir que eu estava realmente ali. Eu a envolvi, sentindo o perfume de flores secas que ela sempre usava.
— Eu estou bem, mãe — sussurrei. — Ferido, mas vivo.
Cassiopeia estava logo atrás de mim, hesitante, como se não tivesse direito de se aproximar. Isloge percebeu, estendeu a mão e puxou minha irmã para perto.
— Venha, querida — disse firme, olhando para Cassiopeia. — Não ouse achar que voltaria sem ser recebida.
Cassiopeia desabou em lágrimas silenciosas, e eu precisei engolir o nó que se formava na garganta.
Logo atrás, André já era engolido por sua família. Alía, sua mãe, cobria-lhe o rosto de beijos enquanto Jonas batia em suas costas, orgulhoso e emocionado. A pequena Mia correu até ele, agarrando sua cintura.
— Eu sabia que você ia voltar! — ela gritou, os olhos brilhando de alívio.
André a ergueu no colo, rindo apesar da exaustão, e a rodopiou como se não tivesse desafiado a morte varias vezes. Era impressionante como ele sempre encontrava forças para sorrir.
Fomos todos nos ajeitando ao redor da mesa. A sensação era de reencontro, mas também de luto. Homens sob minha tutela tinham morrido. Ninguém ali me responsabilizava, mas mesmo assim eles pesavam em meu peito.
Anne serviu a entrada: pão rústico ainda quente, manteiga temperada, vinho com especiarias. O cheiro de cordeiro assado vinha da cozinha, misturado a ervas aromáticas. As taças foram erguidas, e por um instante houve silêncio, todos olhando para mim.
Eu não sabia o que dizer. Apenas respirei fundo e ergui minha taça também.
— Voltamos — murmurei. — E isso já é milagre suficiente.
As taças tilintaram no ar e todos beberam.
Os primeiros minutos foram de pura saudade. Minha mãe perguntava de cada detalhe, se eu havia comido direito, se dormira em algum momento, se tinha me protegido do frio das montanhas. Eu respondia como podia, tentando acalmar suas preocupações sem entrar demais nos horrores que presenciei.
Do outro lado, Alía chorava baixinho enquanto ouvia André narrar trechos mais leves da missão, omitindo as partes que quebrariam o coração de qualquer mãe. Jonas, no entanto, prestava atenção em cada palavra com olhar sério, como quem tenta calcular o risco invisível que ainda pairava sobre nós.
Mia, inocente, queria saber apenas se havia monstros de verdade.
— Havia — respondi, sorrindo para ela. — Grandes, feios e barulhentos. Mas sabe quem correu mais rápido do que eles?
— Quem? — ela perguntou, arregalando os olhos.
— Eu — respondi, fazendo-a rir alto. — E ainda consegui enganar alguns.
Ela bateu palmas, satisfeita com a resposta, e o clima ficou um pouco mais leve.
Entre pratos de ensopado e carne fumegante, começaram a me pedir mais detalhes. Cassiopeia tentou descrever como foram todos infectados com esporos. Como era insidioso e sorrateiro o inimigo.
Alisande completou, lembrando da forma como a caverna inteira parecia respirar conosco. Niana falou do cansaço que se acumulava a cada passo.
Pandora, como sempre, manteve as palavras curtas. Apenas disse que nunca havia lutado contra algo tão insistente e que só seguimos porque nenhum de nós sabia desistir. Éramos mais teimosos que eles.
Foi então que André pigarreou, com aquele jeito despreocupado que escondia uma tensão real.
— Nunca vi um inimigo tão diferente — falou. — as ilhas inexploradas realmente podem guardar segredos e verdades muito diferentes do que achamos que conhecemos.
— Vai acontecer de novo — completou Jonas, olhando para ele. — Estamos descobrindo ilhas nesse exato momento. São essas descobertas que mantém o Império funcionando.
A mesa ficou silenciosa. Ninguém quis prolongar aquela linha de pensamento. Em algum lugar, poderia existir um inimigo que poderia nos derrotar. Eu mesmo sabia o que a névoa abrigava.
Eu respirei fundo e decidi contar o que fiz. Minha mãe precisava ouvir da minha boca.
— No fim… — comecei, escolhendo as palavras —, quando chegamos à última câmara, vimos o núcleo daquilo. Um fungo colossal. Ele havia transformado nossos amigos em baterias de mana. E ainda sugava das pedras incrustadas nas paredes.
Claire ao meu lado, segurou minha mão debaixo da mesa.
— Não havia como vencer de frente. Então eu… entrei nele. Me entreguei e dei o que ele queria — falei com um sorriso malandro.
As expressões foram de choque imediato. Mia tapou a boca com as duas mãos.
— Eu transmutei minha mana. Transformei-a no frio mais absoluto que minha mente foi capaz de conceber. O fungo devorou o que ofereci, e, no fim, congelou-se por dentro.
Houve silêncio pesado. Apenas o som das velas queimando e talheres repousando na porcelana.
Minha mãe fechou os olhos, segurando firme a borda da mesa. Eu temi que ela desmoronasse, mas quando abriu os olhos, havia apenas orgulho contido.
— Você fez o que precisava ser feito — disse, e aquilo me quebrou por dentro.
Claire apertou ainda mais minha mão. Nix, do outro lado, sorria com aquele ar de alívio misturado a bronca.
— Ainda quero te bater por se jogar sozinho lá dentro — resmungou.
Risos nervosos espalharam-se pela mesa.
Depois disso, Lenora pediu para erguer outra vez as taças.
— Que esse jantar marque não apenas o retorno dos nossos, mas o início de uma nova fase. Vocês voltaram, e logo teremos ainda mais para celebrar.
Foi a deixa para falar do casamento.
— Vamos adiantar a cerimônia — explicou ela, olhando diretamente para mim. — Depois de amanhã.
Claire e Nix sorriram discretamente, como se já esperassem. Eu quase engasguei com o vinho.
— Dois dias? — perguntei.
— Dois dias — confirmou Lenora, sem espaço para contestação.
Cassiopeia arregalou os olhos, surpresa. Alisande suspirou fundo, como quem já havia adivinhado. Pandora fez uma careta breve, mas não disse nada.
Os pais de André trocaram olhares rápidos, mas não comentaram. Isolda manteve-se firme, como sempre.
No fim, ninguém protestou. Havia certo consenso silencioso de que não era tempo de esperar.
A refeição seguiu até tarde, entre risadas, recordações e as inevitáveis histórias exageradas que André contava para fazer Mia gargalhar. O cordeiro desapareceu rápido, assim como os bolos de mel que Anne trouxe no final. O vinho circulava livre, mas ninguém passou do limite. Havia alegria, mas também o peso do que todos sabiam, mas não ousavam falar em voz alta.
Quando os convidados começaram a se despedir, o salão foi esvaziando pouco a pouco. Primeiro Alía, Jonas, Mia e André, que ainda acenava alegremente para nós. Depois minha mãe, Alissande e Cassiopeia que me abraçou forte, sem dizer palavra, mas com lágrimas contidas.
No fim, restamos apenas nós: eu, Claire, Nix, Pandora, Alana e Lenora.
As chamas das velas já estavam mais baixas, o salão silencioso. Eu podia sentir o peso no olhar de Lenora. Ela não queria apenas descansar.
— Agora podemos falar do que realmente importa — disse ela, ajeitando-se na cadeira.
Claire e Nix se aproximaram de mim, silenciosas. Pandora cruzou os braços, atenta. Alana guardou o alaúde, inclinando-se para frente.
Eu sabia que aquela conversa não seria leve.
E, pela primeira vez naquela noite, o vinho me pareceu insuficiente.
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