Kai permaneceu imóvel por um pequeno instante diante de sua fonte de energia, embora, em sua mente, aquele momento parecesse se estender por um período muito mais longo. Do lado de fora, ainda permanecia sentado, de olhos fechados, em posição de meditação. O núcleo em seu peito liberava um leve brilho tênue, quase imperceptível, completamente invisível a olho nu.

    Sem aviso, Ygdraw fez um gesto aparentemente sem sentido. Levantou um de seus braços e deu um leve peteleco no ar. O movimento foi simples, quase insignificante, mas carregava um propósito específico.

    Kai sentiu o impacto de imediato. Seu corpo físico arqueou, as mãos se projetaram contra o chão e a respiração ficou presa por um instante. A visão, que voltando para dentro da caverna, começou a escurecer nas bordas, como se a própria realidade se fechasse ao seu redor. Sua mente, confusa e embaçada, lutava para compreender o que havia acontecido.

    Em seguida, veio o gosto metálico. Um líquido quente subiu pela garganta e escapou involuntariamente entre os lábios junto a um acesso de tosse. O sangue que tingira seu lábio inferior espalhou-se pelo chão, formando uma pequena poça escura que refletia o seu próprio reflexo.

    Toda a situação fez seus olhos se encherem de lágrimas, e a cabeça começou a girar sob um zumbido estridente que se intensificava a cada segundo. A sensação era sufocante, como se o ar se tornasse denso demais para ser respirado.

    O que aconteceu…? pensou, tentando focar o olhar enquanto o mundo ao redor se transformava em uma mistura de cores e sons distorcidos. Eu fiz algo que não podia ser feito? Kai se perguntou, sentindo o coração acelerar. Não! Nem me movi, muito menos toquei em algo! A dúvida o corroía, enquanto seu corpo sofria uma grande reação e a fraqueza estava prestes a derrubá-lo.

    “Calma, criança.” Ygdraw falou, e sua voz soou diretamente em sua mente. “Respira devagar!” A ordem veio sem pressa, mas havia nela uma leve culpa.

    Ela não o deixou desabar. Suas folhas farfalharam com um som suave. Em um movimento rápido, raízes brotaram do solo sob os pés de Kai, entrelaçando-se em torno de seu corpo até o suspenderem no ar. Aos poucos, moldaram-se em um assento improvisado, firme e acolhedor, sustentando-o com delicadeza. 

    Como quem prende a respiração para realizar um serviço delicado, o acomodou com extremo cuidado, certificando-se de que o jovem não se ferisse ainda mais. Uma energia suave emanou de suas raízes, envolvendo-o por completo. O calor sutil percorreu-lhe a pele, espalhando um leve formigamento por todo o corpo.

    Kai sentiu o efeito daquela força, quente e acolhedora, dissipando lentamente a dor que o consumia. Sua respiração, antes trêmula, começou a se estabilizar, e os músculos tensionados relaxaram sob o fluxo constante daquela energia antiga. Seu corpo quase cedeu à vontade de apagar, mas sua forte determinação o fez permanecer acordado.

    Ele limpou os lábios encharcados de sangue com a mão trêmula. Tentou organizar as palavras, mas falhou; tossiu novamente, mais fraco.

    “O que… você… fez comigo?” murmurou, a voz rouca, quase um sussurro, encarando-a seriamente. A pergunta saiu arrastada, carregada de uma raiva infundada que se misturava com o alívio de ainda estar vivo.

    “Por que achas que fui eu quem te fez algo?” perguntou sua mestra, com um olhar interrogativo.

    “Não tente me enganar!” Kai exclamou, fechando o rosto descontente. “Só estamos nós dois aqui.” disse, encarando-a nos olhos. “E outra… se algum invasor tivesse me atacado, tenho certeza de que você teria me protegido.” finalizou, observando atentamente cada reação dela. Ao que não obteve nada.

    Ainda tem um longo caminho pela frente. Mas possui uma mente afiada… é uma característica que aprecio. pensou, enquanto ouvia cada linha de raciocínio do jovem.

    “Está correto.” Ygdraw respondeu sem esconder. Fazendo com que ele a encarasse sem entender. “Eu apenas lhe dei uma valiosa lição, uma experiência real do que aconteceria se deixares tua mente desprotegida diante de um inimigo.” Ela disse, escolhendo as palavras como quem pronuncia algo que deveria ser obvio. 

    O corpo dela emitiu um pulso, uma pequena onda de Éther compactada, expelida pela ponta de seu dedo. A energia colidiu com o corpo de Kai e o resultado foi abrupto: a mente do jovem foi arrancada de seu núcleo.

    Não foi uma saída gentil; foi uma expulsão violenta, e a reação fisiológica foi imediata.

    O corpo dele sofreu um revés severo pela separação súbita entre mente e núcleo. Vários vasos finos, canais por onde o Éther fluía, se romperam, provocando sangramento e quase o levando à perda da consciência.

    “Mas, ao contrário de um inimigo, contive-me e tu tiveste apenas uma pequena reação. Se alguém mal-intencionado te atacasse, poderias beirar a morte e ficar inconsciente por um longo período. E, diante de um inimigo, já sabes o que isto significaria.” As palavras caíram pesadas apesar de seu tom sereno.

    Kai sentiu o impacto daquela explicação quase o fazer cuspir sangue novamente. O gosto metálico voltou a emergir, mas ele o engoliu à força.

    “Eu preferia que da próxima vez me ensinasse apenas com palavras!” disse o jovem, reajustando a postura e tentando se recompor.

    Sua mestra aproximou o rosto lentamente do dele. O ar entre os dois pareceu se tornar mais denso. Kai percebeu, pela expressão dela, que algo importante seria dito, e se preparou, em silêncio, para ouvir o conselho.

    “Existem lições que só são realmente valorizadas quando vividas na pele… não concorda?” sussurrou Ygdraw, de forma lenta. O corpo dele gelou instantaneamente. Um arrepio percorreu-lhe a espinha, e por um momento, até o ar pareceu parar dentro da caverna. Enquanto o olhar fixo da entidade o atravessava como uma lâmina silenciosa, ele engoliu em seco, incapaz de responder, imaginando o que o aguardava a partir de agora. 

    Soltando um sorrisinho de canto, ela se afastou voltando a sua posição original enquanto comentava:

    “Espero que tenhas aprendido que deves estar sempre com a guarda erguida.” exigiu Ygdraw, esperando que ele tenha compreendido pelo menos isso. “Não é somente a força que salva. A atenção e percepção… é algo vital. Um inimigo capaz de golpear tua consciência não precisará ferir teu corpo.” 

    Ela fez uma pausa. Os olhos verdes cintilaram como esmeraldas vivas, refletindo lembranças de batalhas há muito encerradas, mas jamais esquecidas. “Agora, ouve com atenção” prosseguiu, o tom assumindo uma seriedade que fez o ar da caverna parecer mais denso. “Ensinarei as técnicas de proteção básica. Se a dominares, não ficaras tão vulnerável… ela te resguardará de ataques sutis como este que acabei de utilizar.”

    Kai tentou erguer-se. O corpo ainda doía, os músculos protestavam a cada movimento, mas a vontade de pôr em prática sua primeira técnica era mais forte que qualquer dor. Dentro dele, pulsava uma mistura intensa de raiva e fome por aprender. Cada pontada que fisgava seus nervos também servia como combustível, alimentando o desejo de superar seus próprios limites.

    “A técnica que vou te ensinar chama-se Armadura de Éther e Visão de Éther.” disse Ygdraw, experiente repassou o ensinamento de uma forma simples onde qualquer um poderia entender. “Ela consiste em liberar o Éther, energia, e fazê-lo envolver todo o corpo, formando uma segunda pele, imperceptível a olho nu, que amortecerá impactos físicos e até mesmo alguns psíquicos. Não deterá um ataque de pleno poder, mas será capaz de anular parte do dano, dependendo de quão bem a domines e do nível de tua própria força.”

    Ela fez uma breve pausa, permitindo que suas palavras fossem absorvidas pela mente do aprendiz. Que manteve os olhos fixos nela, totalmente focado em cada detalhe da explicação.

    “Serão quatro passos simples para executá-la: respiração, conexão, visualização e finalização” disse Ygdraw, erguendo o braço e levantando um dedo a cada palavra mencionada.

    “Respiração. Inala profundamente e lentamente. Conte até quatro e, ao expirar, sinta cada extensão do teu corpo reagir ao seu ritmo.”

    Kai tentou executar as instruções assim que ela começou a falar. Fechou os olhos e inspirou profundamente, buscando seguir o ritmo que sua mestra descrevera. O ar entrou frio, percorreu-lhe os pulmões e saiu em um sopro lento e pesado, levando junto parte da tensão que o dominava.

    Por um instante, repetiu aquele ciclo diversas vezes, até que tudo começou a se alinhar. Sentiu cada músculo e fibra do corpo responder ao estímulo, como se uma corrente sutil de energia percorresse suas veias, despertando partes adormecidas.

    Vendo que seu aluno havia atingido o ponto ideal, Ygdraw prosseguiu, instruindo o próximo passo. “Conexão. Sintoniza-te com teu núcleo e extrai dele a energia necessária” disse ela, em tom calmo, quase hipnótico.

    Observando o quanto ele estava concentrado, não pôde deixar de esboçar um leve sorriso de satisfação. Entre todas as coisas que detestava, a falta de esforço era a que mais lhe desagradava. Para ela, a dedicação era algo essencial, e velo empenhado daquele modo despertava uma vontade maior de ensiná-lo.

    Este segundo passo é fácil… já estou bem-acostumado em executá-lo, pois é o que venho fazendo neste ultimo dia. Kai pensou, e não perdeu tempo executando o segundo passo.

    Vendo a energia vazando do garoto, ela explicou:

    “Visualização. Imagine que o Éther que está fluindo sem destino para fora do seu núcleo deve envolver todo o seu corpo, criando uma grande camada ao seu redor.”

    Ele assentiu com um leve gesto e tentou controlar sua energia, visualizando uma ampla aura o envolvendo. O Éther que antes se dispersava respondeu de imediato, moldando-se à forma imaginada.

    “Excelente!” exclamou Ygdraw, observando a agilidade com que ele executava suas orientações. “Agora compacte-a até que se torne uma fina camada junto à sua pele. Este é um processo importante. Quanto mais conseguir compactá-la, maior será a sua resistência!”

    Imaginou que essa seria uma das etapas em que ele poderia ter alguma dificuldade, mas ficou impressionada ao perceber que, mal havia terminado de explicar, a aura ao redor dele já começava a se comprimir.

    Você tem uma mentalidade poderosa para alguém da sua idade, ponderou, perdendo a postura pela primeira vez diante do jovem. Mas ele não viu nada disso, estava de olhos fechados, totalmente concentrado.

    Aproveitando-se do fato de ele estar concentrado, Ygdraw endireitou a postura antes de falar:

    “E, por fim, a finalização. Mantenha a técnica ativa sem perder o foco, enquanto executa uma sequência de movimentos.”

    Ao ouvir a última etapa, ele finalmente abriu os olhos. Mas, ao fazê-lo, perdeu o controle por um breve instante, o suficiente para dissipar a técnica.

    “Argh”

    Vai ser mais difícil do que pensei. Kai pensou, após falhar logo na primeira tentativa. 

    Jogando as frustrações de lado, Kai respirou fundo, deixando o ar escapar lentamente enquanto estabilizava o ritmo dentro de si. O erro anterior ecoava em sua mente, mas decidiu usá-lo como guia, não como obstáculo.

    Com um foco renovado, retomou o processo desde o início, etapa por etapa, com a precisão de quem havia aprendido a respeitar cada detalhe. Primeiro, ajustou a respiração, sincronizando-a com o fluxo de energia. Depois, visualizou o Éther fluindo do núcleo, envolvendo o corpo em uma película luminosa que pulsava em harmonia com seu batimento. Ele avançava com calma, evitando o excesso de força que antes o havia desequilibrado.

    De longe, Ygdraw observava em silêncio, vendo-o alcançar novamente a última etapa, onde arriscou alguns movimentos. Seus gestos fluíam com mais naturalidade, quase instintivos. A armadura de Éther o acompanhava como uma extensão do próprio corpo, ajustando-se a cada rotação, a cada passo, até se dissipar após alguns instantes.

    “Muito bem.” A mestra chamou sua atenção assim que notou o evidente progresso. “Agora quero que repita o processo até conseguir mantê-la ativa por, no mínimo, trinta minutos.”

    “O quê?!” exclamou antes de cair exausto no chão, quase inconsciente.


    NT: Obrigado por acompanhar minha história.


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