Ilha Umbro, segundo dia.

    O subterrâneo desta ilha espacial não era simples. Possuía uma vasta rede de câmaras, um espaço que poderia facilmente ser confundido com pequenas cidades ocultas sob a terra. Cada uma delas se conectava por longos túneis, e até mesmo os habitantes mais experientes precisavam memorizar cada curva e marca nas paredes para não se perderem naquele labirinto interminável. Muitos desses túneis não possuíam qualquer tipo de sinalização, e algumas partes sequer haviam sido exploradas até hoje.

    Em uma dessas câmaras subterrâneas existia a famosa Floresta Negra da Ilha Umbro. Não era um simples aglomerado de árvores. Suas copas não possuíam vegetação, exibindo apenas alguns galhos negros retorcidos aleatoriamente. Os troncos, todos deformados, refletiam o tom opaco das cascas queimadas, como se tivessem sido forjados pelo fogo negro que brotava do solo da ilha.

    Entre uma casca e outra, finas linhas roxas percorriam a superfície, lembrando redes neurais. Em seu interior, micro pontos de luz se moviam lentamente, subindo das raízes até o topo das copas. Esse processo constante liberava pequenas partículas no ar, formando uma névoa tênue que envolvia toda a região, tornando o ambiente ainda mais enigmático.

    Era o fim da tarde, e a névoa arrastava-se lenta sobre o solo. Entre as brumas, uma silhueta começou a se formar, difusa. Quando as partículas se dispersaram, a figura de Roy emergiu — imóvel, de olhos fechados. Ele conteve a respiração por um instante. O ar frio atravessou-lhe o peito enquanto o murmúrio da floresta dissolvia os pensamentos que ainda resistiam.

    Cheiro de cinza… sangue… e o hálito fétido daquele animal imundo.” Roy murmurou baixo, mais para si do que para alguém em específico. Cada som, cada aroma, cada vibração no ar exigia atenção total.

    À distância, uma baforada densa cortou o ar. O cheiro de ferro e musgo podre impregnou-lhe as narinas. Roy abriu os olhos lentamente, focando a visão em uma direção específica. Silencioso, abaixou o centro de gravidade e começou a se mover entre as árvores hulhas. Ao se aproximar da sétima, seus olhos se estreitaram em duas fendas afiadas, como se encarasse o maior inimigo de sua vida.

    Do outro lado, havia um grande espaço aberto. No centro, três bestiais pastavam algumas plantas que brotavam do solo, raspando o chão enegrecido com os cascos largos. As plantas lembravam algas, finas e maleáveis, crescendo apenas nas fendas onde as chamas não alcançavam. Aquele era um dos raros pontos da Ilha onde o solo não estava totalmente tomado pelo fogo negro.

    “Achei vocês!”

    A fera lembrava um touro mutante de cor acinzentada. Dois chifres curvados para a frente se projetavam de sua cabeça, assim como uma placa óssea em sua face. Três rabos longos balançavam pelo ar em movimentos irregulares, produzindo estalos secos que ecoavam entre as árvores. Ao longo da coluna, uma fileira de espigões ósseos se erguia, lembrando vértebras expostas.

    “Esse jeito arrogante me enfurece.” murmurou, liberando uma intenção assassina. “Quero ver por quanto tempo conseguem manter essa pose depois que eu colocar a mão em vocês.” Sorriu maliciosamente, revelando sua natureza distorcida.

    Levou a mão esquerda sobre a tatuagem do pulso direito. A marca ganhou vida, emanando uma energia escura. Em seguida, uma grande força percorreu todo o corpo e, no mesmo instante, foi tomado por uma sensação viciante.

    Sentindo uma leve oscilação, um dos Vulkar ergueu a cabeça. Não viu nada à sua volta, mas, quando se preparava para olhar em outra direção, uma dor aguda atravessou-lhe o crânio. Não era forte o bastante para feri-lo seriamente, mas suficiente para fazê-lo perder o pouco de sanidade que tinha.

    O bestial se virou bruscamente e avistou o rabo de outro chicoteando o ar próximo a ele. Tomado pela fúria, não pensou duas vezes antes de atacar, avançando com violência e cravando os chifres na traseira do rival. O terceiro, alheio à disputa, continuou pastando tranquilamente, ignorando o caos ao redor, como se não tivesse nada a ver com ele.

    “Animais estúpidos!” exclamou em tom de indignação. “Eu só queria separá-los… mas, desse jeito, estão apenas acelerando o resultado final.” 

    Um riso curto escapou-lhe, quase um bufo de escárnio. Abaixou a mão e deixou cair as duas pedras que segurava. O som seco do impacto no solo, marcou o início de seu movimento, num piscar de olhos, ele já havia desaparecido do local.

    Os dois bestiais colidiam, cabeça contra cabeça, em uma disputa que levantava faíscas e confusão. O terceiro, distraído, não percebeu a presença que se aproximava sorrateira por trás, só notou um vulto cruzar rapidamente à sua frente.

    Quando estava prestes a reagir, um punho violento lançou sua cabeça para cima, fazendo com que as patas dianteiras se erguessem do chão. A besta mugiu alto antes de cair, completamente desnorteada. Lutando para recobrar a clareza, sentia a presença de seu inimigo avançando, mas a tontura o impediu de reagir. Uma dor aguda atravessou-lhe o olho, arrancando-lhe um último grito antes que o silêncio tomasse conta do lugar.

    “Um já foi…” disse o jovem Umbro, removendo a faca cravada no olho esquerdo da criatura. “Agora faltam dois.” completou, virando-se para os dois bestiais que perceberam o que havia acontecido tarde demais e agora o encaravam, tomados pela fúria.

    Interrompendo a disputa pessoal, se uniram para atacar o invasor juntos. Seus rabos chicoteavam o ar em movimentos rápidos, denunciando a agressividade prestes a explodir. Ambos ativaram sua habilidade característica, [Força Incontrolável], e avançaram contra Roy como duas locomotivas desgovernadas. Ele, no entanto, fingiu um movimento lateral, distraindo as bestas, e em seguida saltou com precisão.

    Um dos Vulkars ainda estava ferido por causa do confronto anterior e não conseguiu acompanhar o ritmo do companheiro. O jovem Umbro aproveitou-se dessa falha, caindo de pé sobre ele. Segurou-se nos espigões ósseos das costas para não ser arremessado e, em um movimento rápido, tentou cravar a faca no olho da criatura, como havia feito com o primeiro. Mas desta vez o alvo estava atento, agitou a cabeça de um lado para o outro, sacudindo o corpo em tentativas violentas de se livrar dele.

    “Apenas… aceite seu fim…” Roy gritou, o corpo vacilando enquanto tentava manter o equilíbrio. “Vai ser… menos doloroso!” A lâmina em sua mão tremia ao aperto do esforço de se manter sobre a fera.

    Prestes a lançar um segundo ataque, parou abruptamente ao ouvir um som muito próximo, tão próximo que parecia estar encostando nele. Reagindo por instinto, tentou saltar, mas era tarde demais. Ele e o Vulkar ferido foram arremessados contra o chão.

    O impacto o fez perder o ar por um instante, mas o jovem Umbro ignorou a dor e rolou para o lado o máximo que conseguiu, até sentir a terra estremecer ao seu lado, acompanhada de uma forte pressão de vento que o obrigou a proteger o rosto com o antebraço.

    “Animal estúpido!” Roy xingou, ainda atordoado por ter sido pego de surpresa. Não esperava ser atacado pelo outro bestial, que havia investido sem pensar e acabado atingindo o próprio companheiro no processo. “É por isso que são caçados como alimento…” rosnou, cuspindo as palavras com raiva, embora soubesse que caíam em ouvidos surdos.

    Ele lançou um olhar para o animal caído ao seu lado e pensou em finalizá-lo, mas sabia que não teria essa mordomia. O outro já vinha em disparada, os passos pesados sobre o chão fazendo o solo vibrar, com a clara intenção de esmagá-lo em um único ataque.

    Levantou-se, ofegante, e murmurou entre os dentes:

    “[Força Incontrolável]…”

    Mas a verdade é que estava perdido. Seus planos haviam sido arruinados por aquele imprevisto, e nada lhe vinha à cabeça sobre como contornar a situação. Só lhe restava improvisar até encontrar uma saída.

    O Vulkar avançava novamente, prestes a atingi-lo, e o jovem Umbro não teve escolha senão revelar sua carta na manga. Com um movimento rápido de arremesso, lançou duas pedras que havia recolhido antes de se levantar. Elas cortaram o ar e atingiram o rosto do bestial, forçando-o a fechar os olhos por instinto.

    Roy esboçou um sorriso malicioso ao se inclinar para o lado, desviando por milímetros do ataque desgovernado. A besta passou direto, colidindo com uma pequena árvore que se partiu ao meio com o impacto. Um líquido roxo começou a escorrer das fissuras do tronco, espalhando um leve brilho sob a névoa da floresta.

    Ao ver aquilo, o jovem teve uma ideia, mas não perdeu o ritmo. Mesmo com os movimentos levemente debilitados, aproveitou o momento antes que o pó da colisão se assentasse e avançou contra o que ainda jazia caído no chão.

    Não vou deixar que esta luta volte a se tornar desfavorável para mim. pensou. Em seguida, finalizou com um golpe preciso de lâmina. O bestial não teve força nem para soltar o último grito, muito menos para reagir; o corpo estremeceu e, em seguida, a vida apagou-se de seus olhos.

    “Agora… só nós dois,” disse, voltando o olhar para o último que o encarava como um inimigo mortal. “Não me olhe desse jeito… você sabe tão bem quanto eu que aqui é a lei da selva.” Levantou os ombros e as mãos, num gesto despreocupado, como quem aceita o inevitável. “É a sobrevivência do mais forte.”

    Olhou para a besta como se já pudesse enxergar o resultado final se desenrolando diante de si. No entanto, em meio aos seus próprios delírios, o Vulkar parou subitamente. Roy percebeu na hora que algo estava errado.

    Sem saber se era uma estratégia ou uma armadilha da criatura, ergueu a guarda e se colocou em posição de combate. Então o inesperado aconteceu, a cabeça da criatura se separou do corpo, ambos tombando para lados opostos.

    Um arrepio sinistro percorreu-lhe a espinha. Por um instante, permaneceu imóvel, incapaz de compreender o que acabara de presenciar. Ainda assim, seus olhos varreram o ambiente, atentos a cada detalhe.

    “Quem está aí?” perguntou, a voz firme, mas o medo começava a se infiltrar. Alguém se aproximou sem que eu percebesse… e ainda por cima eliminou o bestial bem na minha frente. pensou, mesmo sem uma resposta, manteve o olhar em movimento, atento a cada ruído, a cada sombra ao redor.

    “De fato… uma besta ardilosa e sem piedade!” disse uma voz, surgindo do meio da névoa. Ao que após uma sombra se projetou atrás do corpo decapitado da criatura, avançando lentamente até que sua silhueta se destacasse sob a luz fraca que escapava das chamas negras.

    Roy o encarou fixamente. O medo latejava sob a pele, mas manteve o olhar firme, recusando-se a demonstrar fraqueza.

    “Você achou?” retrucou, estreitando os olhos em direção à sombra. “Para mim, parecem apenas animais sem o mínimo de intelecto… atacando o primeiro que aparece pela frente.” Suas palavras vinham medidas, provocativas, enquanto sondava a reação de quem o observava.

    “Eu não estava me referindo ao Vulkar.” respondeu a sombra, de forma seca.

    Neste momento, o jovem não conseguiu evitar, engoliu em seco.

    “E o que você quer comigo?” Roy perguntou, lançando um olhar de canto para trás em busca de uma rota de fuga.

    Mas a resposta veio antes que pudesse sequer pensar em alguma coisa para escapar daquela situação.

    “Recrutá-lo…” 


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