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    O pavilhão agora estava quase vazio. As músicas cessaram, restando apenas o som das últimas taças sendo recolhidas e o murmúrio distante dos criados encerrando o serviço. Do lado de fora, o vento soprava leve, carregando o cheiro de flores noturnas e das velas que ardiam até o fim.
     

    Ficamos apenas nós, mesmo Alana e Niana tinham voltado para a mansão. Eu mesmo queria voltar, mas a tradição era a noite de núpcias se passar na residência da primeira esposa. Estávamos relaxando em uma sala de estar, enquanto nosso aposento ficava pronto.
    Lenora, sentada num sofá baixo de veludo vinho, observava o fogo da lareira com aquele olhar que parecia perdido em pensamentos.

    Pandora permanecia ao lado dela, com as mãos unidas sobre o colo. Claire e Nix estávam próximas, conversando baixo com Rosa, que Lenora tinha pedido que ficasse. Sua ajuda no submundo seria importante.
     

    Havia uma sensação estranha no ar, como se todos soubessem que a celebração terminava ali, mas algo muito maior começava.
     

    Lenora quebrou o silêncio. Sua voz era firme, quase solene.

    — Amanhã, ao cair da noite, eu farei minha jogada.
     

    Todas as conversas cessaram.
     

    Ela ergueu o olhar para mim.

    — O Conselho dos Anciãos ainda hesita. Juliani é carismático, convincente… mas ainda há dúvida. E é na dúvida que o destino se decide. Cada dia que passa, mais casas juram lealdade ao Imperador. Se esperarmos, será tarde.
     

    Pandora abaixou a cabeça, como se carregasse o peso do próprio império nas costas.
     

    Lenora prosseguiu:

    — Irei reunir todos. Direi que é uma convocação para testemunhar um anúncio público de tua parte, Lior.
     

    — Meu anúncio? — perguntei, confuso.
     

    — Sim — ela respondeu. — A fundação da tua torre. O bastião de conhecimento livre que você vem planejando. Um símbolo de ruptura com a mentalidade imperial de controle. Isso os atrairá. Eles respeitam a força, mas acreditam que o saber deve ser controlado. Mostrar que você não será apenas um guerreiro, mas um mestre… vai despertar curiosidade.
     

    Assenti devagar. Ela tinha razão. A ideia da torre, um lugar onde qualquer pessoa pudesse aprender o que o Império escondia, já amadurecia em mim há tempos. Seria um farol, uma heresia e um convite.
     

    — E quando todos estiverem reunidos… — ela continuou —, eu chamarei Pandora.
     

    O nome dela ecoou pesado, definitivo.
     

    — Apresentarei a eles a verdadeira herdeira imperial.
     

    Silêncio. Nenhum de nós ousou interromper.
     

    Pandora respirou fundo.
     

    — Eles vão duvidar de mim.
     

    — Eles sempre duvidam — disse Lenora. — Até que alguém os force a enxergar.
     

    Eu me levantei, caminhando até a janela. Lá fora, as tochas tremulavam sob o vento.

    — Tem meu apoio, Lenora. Amanhã faremos isso juntos.
     

    Ela assentiu, satisfeita.

    — Então está decidido. Amanhã o Império começará a mudar.
     

    As palavras dela pesaram na sala como uma profecia a se realizar.
     

    Pouco depois, os criados foram avisando que os aposentos estavam prontos. As despedidas foram rápidas, discretas. Pandora beijou minha mão, um gesto que não me escapou. Seus olhos, ainda que firmes, tinham algo de resignado.

    Lenora se despediu com a gravidade de quem já via além da aurora.
     

    E então ficamos apenas nós três.
     

    A ala reservada aos noivos era ampla, silenciosa, e perfumada por incensos suaves. As tochas e velas lançavam luz dourada pelas paredes de pedra polida. Tapetes grossos, flores claras, e uma lareira acesa tornavam o ambiente acolhedor, até mesmo sagrado.
     

    Fechei a porta atrás de mim. Por um instante, apenas ouvi o crepitar do fogo e o som baixo de respiração.
     

    Nix estava descalça, sentada à beira da cama. Seus cabelos cor de fogo refletiam a luz como se tivessem vida própria. O vestido branco ainda a envolvia, mas o brilho agora parecia mais suave, íntimo.
     

    Claire estava perto da janela, olhando para fora, o véu longo repousando sobre os ombros. Quando se virou, vi o mesmo olhar de antes, calmo, mas cheio de sentimento.
     

    — Finalmente — ela sussurrou.
     

    Caminhei até elas, sentindo o peso do dia se dissolver aos poucos. Tudo o que era político, estratégico ou cerimonial ficava do lado de fora daquela porta.
     

    — Está pronto pra nós? — perguntou Nix, com aquele sorriso travesso que só ela sabia dar.
     

    — Bem, não é como se fosse realmente uma novidade — respondi.
     

    — Estraga-prazeres — chiou ela num biquinho.
     

    Ela se levantou, aproximando-se. Seus dedos tocaram meu rosto, traçando uma linha leve pela barba recém-feita. O toque dela tinha algo de familiar, de casa.
    Claire veio logo em seguida, pousando a mão sobre o meu peito, sentindo o ritmo do meu coração.
     

    — Eu nunca pensei que teria isso — disse Claire, baixinho. — Amor… e aceitação.
     

    Olhei para ela e depois para Nix.

    — Vocês são as razões pelas quais eu ainda acredito no que faço.
     

    O silêncio que se seguiu foi doce. Claire sorriu e, num gesto quase ritual, retirou o pequeno laço de seda que prendia os cabelos de Nix. O fogo refletiu nas mechas cor de cobre, que caíram sobre os ombros da felina.
     

    Nix fechou os olhos por um instante, encostando a testa na minha.

    — Você lembra daquela cela? — perguntou, num fio de voz. — Quando achei que nunca mais veria o sol?
     

    — Lembro — respondi. — Foi lá que eu aprendi o que era cuidar de alguém.
     

    Ela sorriu, os olhos marejados.

    — E agora estamos aqui.
     

    Claire se aproximou, envolvendo nós dois num abraço. O véu dela caiu no chão, esquecendo qualquer formalidade.

    — E amanhã o mundo vai mudar — ela disse, encostando o rosto no meu ombro.
     

    — Amanhã o mundo pode desabar — murmurei. — Mas hoje… hoje é nosso.
     

    As velas tremulavam com o vento que escapava pela janela entreaberta. O fogo dançava nas paredes enquanto o tempo parecia se dissolver.
     

    O primeiro beijo veio suave, tímido. Claire o iniciou, mas Nix logo o seguiu, rindo entre dentes. O calor das mãos, o som leve das respirações misturadas, a promessa silenciosa de que nada mais precisaria ser dito.
     

    Entre risos, gestos e carícias, os três nos deixamos cair sobre o leito preparado, onde lençóis de linho e pétalas de jasmim esperavam como testemunhas silenciosas.
     

    Não havia pressa.

    Nem cerimônia.

    Apenas a certeza de que, por algumas horas, o mundo inteiro se resumia àquele instante, ao calor, ao toque, e ao amor que havia sido forjado não por destino, mas por escolha.
     

    Lá fora, Thallanor dormia sob o céu de mil estrelas.
    Lá dentro, três corações batiam em uníssono, celebrando não apenas um casamento, mas a promessa de um futuro que, por mais incerto que fosse, ainda pertencia a nós.

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