Kai ajustou a postura e respirou fundo. O ar entrou em seus pulmões de forma lenta, e o som reverberou suavemente pela câmara, misturando-se ao zunido insistente que vinha dos Scaroth. Alongou os ombros se preparando para enfrentá-los; e seu corpo protestou silenciosamente pelo treino intenso do dia. 

    “Hummm…” reclamou, ao perceber alguns pontos específicos do corpo que nem sabia que doíam. “Essa pequena dor não vai me impedir.” Ela se manifestava a cada movimento mais amplo que executava. Não o impediria de lutar, no máximo, poderia atrapalhá-lo um pouco.

    Do outro lado, as criaturas permaneciam imóveis, observando-o com aqueles olhos compostos que refletiam os minúsculos fragmentos de luz da câmara. Não demonstravam pressa alguma. Pairavam no ar, silenciosas, apenas estudando o jovem com uma curiosidade quase insignificante.

    Kai soltou o ar devagar, avaliando a distância entre eles.

    Pelo jeito, eles não vão atacar primeiro… ponderou, analisando cada uma de suas reações. Não serão agressivos enquanto eu não lhes der algum motivo. Então, se quero que isso comece de uma vez… vou ter que tomar a iniciativa por conta própria.

    Levantou o cajado e o ajustou entre as mãos, segurando firme. Sentiu que a madeira parecia bem resistente ao toque. Quantos golpes será que isso vai aguentar…? ponderou, torcendo para que fosse o suficiente até o final da luta. 

    Mas então sentiu algo sutil: um pequeno pulso, quase imperceptível. Era quase a mesma sensação de quando entrava em contato com o Éther, discreta, irreconhecível, mas transmitia uma confiança silenciosa.

    Sem aviso, avançou. Deixando as distrações desnecessárias de lado.

    Seu avanço agressivo ressoou pela câmara apenas como passos leves, quase inaudíveis, como se mal tocasse o chão. Pegos de surpresa, os Scaroth retraíram levemente o corpo, e suas cabeças se inclinaram para a frente em alerta. Mas era tarde demais para qualquer reação. O jovem já estava diante deles.

    Kai saltou, erguendo o cajado. Devo causar o máximo de dano possível neste ataque para conseguir alguma vantagem. pensou, em pleno ar. Reuniu força nos braços e, no instante seguinte, desceu o golpe com tudo o que tinha sobre o primeiro bestial.

    O impacto reverberou por sua mão e percorreu o braço inteiro como um choque repentino. Um som seco ecoou quando a madeira encontrou o exoesqueleto da criatura; o cajado ricocheteou, quase fugindo de suas mãos.

    “Tch…”

    Ele recuou dois passos, o punho latejando.

    O Scaroth mal se moveu. Apenas inclinou a cabeça, como se estivesse tentando entender o que aquele humano achou que faria contra sua carapaça.

    “Mas que merda dura é essa…” lamentou para si, massageando o pulso rapidamente antes que eles reagissem aproveitando de sua situação.

    “Guiishhhh.”

    Recebeu, em resposta, apenas um guincho zombeteiro daquele que ele havia atacado.

    O segundo Scaroth reagiu, seus olhos arderam em fúria. Deslizou pelo chão com velocidade surpreendente, o chifre curvado para frente apontado para o peito do jovem.

    “Merda!!!”

    Kai tentou erguer o cajado para bloquear, mas instintivamente sabia que não daria tempo e o golpe o acertou em cheio. O impacto o arremessou para trás; o ar escapou de seus pulmões de forma brusca e tudo ao redor girou por um pequeno instante. Seu rosto empalideceu, tanto pelo susto quanto pela dor. Mas a adrenalina o trouxe de volta rápido, forçando o corpo a reagir antes que pudesse pensar.

    Quase não consigo reagir a tempo… pensou, lembrando do instante em que percebeu que não conseguiria se defender. Seu corpo reagiu por instinto, ativando a técnica [Armadura De Éther]. A energia o envolveu no último momento.

    Mesmo assim, a investida o lançou contra a parede próxima. O impacto levantou uma nuvem de poeira, que se espalhou pelo chão em pequenos redemoinhos. Kai deslizou e caiu, arfando.

    “Ygdraw estava certa. Se não fosse todas as repetições que fiz, eu não teria conseguido ativar a técnica a tempo.” murmurou para si, registrando mentalmente que precisava prestar atenção em tudo o que ela dissesse, mesmo nos detalhes que parecessem menos interessantes.

    A dor latejou nas costelas. Levou a mão ao local e soltou um suspiro curto ao perceber que não havia fratura nada.

    “A armadura fez o seu trabalho. Caso contrário… nem quero imaginar qual seria o meu estado agora.” Kai murmurou.

    Sem perceber, começou a sentir um gosto amargo na boca. Era frustração… o peso silencioso da derrota que acabara de sofrer. Ele queria protestar, mas foi aí que percebeu o zunido dos Scaroth mudar de frequência.

    Mais agudo. Crescente.

    Ergueu o rosto e viu que os dois bestiais haviam recuado em vez de investir contra ele. As asas vibravam de forma anormalmente rápida, a ponto de fazer sua forma física quase desaparecer. O ar ao redor das criaturas começou a se distorcer, como o asfalto sob um sol escaldante; ondas de calor que deformavam a imagem e seus contornos.

    “Eles vão…”

    Mas nem conseguiu terminar.

    O cérebro vibrou dentro do crânio. Um som agudo deturbou sua consciência, fazendo com que perdesse sua concentração. Assim como um efeito colateral em seus cinco sentidos, O chão oscilou sob seus pés. Kai caiu de joelhos, apoiando uma das mãos no solo.

    “Ugh…”

    A tontura tomou conta, e um peso estranho se instalou atrás dos olhos, pulsando em intervalos irregulares.

    Fui atacado… mas como? Não vi nada. Nada…

    Outro zunido se formou.

    Mais forte.

    Quando estava a um fio de desabar, apertou os dentes, lutando para se manter consciente. A respiração saiu trêmula, falhando no meio do caminho. Aquela vibração interna realmente foi um grande ameaça, quase o derrubou por completo.

    Não posso continuar assim. Kai pensou. Se eu mantiver a Armadura de Éther ativa o tempo todo, não vou durar até o final da luta. Mas também não posso ativá-la apenas quando a habilidade vier… eu nem consigo vê-la chegando. Analisou a situação, forçando a mente a trabalhar mesmo sob o peso das consequências do ataque que acabara de levar.

    Foi então que uma lembrança recente emergiu.

    “Visão de Éther.” 

    Recordou as instruções de Ygdraw. “É igual a invocar a Armadura… mas devo redirecionar a energia para os olhos.”

    Lutando contra o torpor, respirou fundo, tentando recuperar o equilíbrio e estabilizar a mente.

    Espero que isso dê certo. Se não… vou morrer sem nem saber o que me atingiu.

    Concentrou o Éther e repetiu o que vinha fazendo durante o treinamento, mas, ao final, redirecionou a energia para os olhos. 

    Um fluxo quente percorreu sua face, quase incômodo, mas tolerável. A visão ficou turva no instante em que fez contato com a energia; mesmo assim, ele não parou. No momento seguinte, tudo clareou… e então voltou a se distorcer.

    O coração acelerou, em dúvida se havia feito algo errado. Mas decidiu ir pelo tudo ou nada.

    Finalmente lembrou do que lhe foi dito. pensou Ygdraw à distância, observando enquanto ele executava a técnica de forma grosseira, mas tolerável, sendo sua primeira vez.

    Kai continuou a manter o fluxo de energia direcionado aos olhos e, após mais um segundo de esforço, finalmente obteve um resultado. No calor da batalha, pareceu uma eternidade; mas, na realidade, não tinham se passado mais do que dez segundos.

    Olhando para frente, finalmente conseguiu entender o que estava acontecendo. Os Scaroth enviavam energia do núcleo para as asas, onde ela se acumulava em ondas rápidas e contínuas. No instante seguinte, ele pôde ver três lâminas de ar; não como luz, nem como cor, mas como distorções no ambiente; linhas vibrantes que ondulavam o espaço por onde passava.

    Cada grupo de asas lançava uma delas. Ele se pegou encarando quatro lâminas vindo em sua direção. Mas agora era diferente.

    Com um salto lateral, rolou o corpo por instinto, escapando do ataque.

    A vibração atingiu o ponto onde ele estivera, rachando a pedra de dentro para fora como se fosse argila seca. Ele arfou, sentindo um pingo de suor escorrer pela testa.

    “Então… é assim que funciona…”

    Seu corpo ainda tremia levemente, tentando se recuperar do primeiro ataque. Mas agora ele podia enxergar a habilidade antes que ela o acertasse.

    O Scaroth que havia tentado perfurá-lo avançou novamente, desta vez com uma velocidade ainda maior. As asas vibravam tão rápido que o ar ondulava ao seu redor, nem mesmo o som o acompanhava.

    Kai firmou os pés no chão e ergueu o cajado, aguardando a aproximação da criatura que avançava descontrolada em sua direção. Atento, usou sua nova percepção e esperou até o último segundo antes de desviar.

    O chifre passou raspando pela costela.

    Aproveitando o impulso, ele girou o corpo e golpeou o Scaroth com toda a força que possuía, mirando uma pequena junção entre as asas, evitando a carapaça rígida que recobria as costas da criatura.

    O impacto produziu um estalo discreto, e uma pequena fissura se abriu no ponto atingido.

    Kai deixou escapar um sorriso cansado.

    “Achei um ponto fraco.”

    O Scaroth guinchou, irritado. As asas abriram-se em um ângulo mais agressivo; parecia pronto para outra onda de vibração.

    Kai não deu tempo e avançou.

    A técnica em seus olhos ainda permanecia ativa, mesmo que de forma instável. Ele viu a próxima onda se formar e se impulsionou para frente, adiantando seu avanço. Ao se aproximar, fez uma finta, deslocando-se para a lateral.

    O cajado desceu mais uma vez, acertando o mesmo ponto. A placa abaixo do exoesqueleto rachou e o inseto perdeu o equilíbrio caindo no chão.

    Kai, segurando a respiração para não perder o embalo. Girou o cajado na mão e o enfiou a ponta inferior na abertura recém-criada, empurrando a arma improvisada com toda a força que ainda lhe restava.

    O Scaroth convulsionou. As asas bateram de forma desordenada, golpes secos de ar que perdiam força a cada segundo. O corpo se contorceu, usando os últimos resquícios de energia numa tentativa desesperada de se livrar do ataque do humano. Mas não adiantou. Fixou o olhar no jovem até o último instante, enquanto seus movimentos diminuíam… e a visão se apagava, liberou seu último guincho.

    O som fraco mal teve força para ecoar pela câmara.

    Kai recuou alguns passos, ofegante. As mãos tremiam. Os olhos piscavam de forma irregular, ativando e desativando a [Visão de Éther] como se ele lutasse para não perder o foco.

    Então foi surpreendido por um guincho de dor.

    Sem que percebesse, o segundo Scaroth já estava ao seu lado, obrigando-o a dar um salto para trás, assustado. Mas o bote que esperava levar não veio. A criatura apenas se aproximou do outro Scaroth caído, tocando-o de leve, como se tentasse despertá-lo. 

    Por um instante, o silêncio preencheu o ambiente, como se fosse um acordo mútuo; ambos ficaram imóveis, quase como um gesto de despedida diante do companheiro caído. Kai seguiu o fluxo aproveitando o tempo para recuperar o folego. Mas sua pausa não durou por muito tempo.

    Um som grave emergiu do Scaroth sobrevivente, as placas de seu corpo começaram a se expandir e se separar, revelando uma luz fraca que vazava pelas junções. O ar ao redor dele se intensificou, como se uma vibração diferente permeasse o ambiente, gerando uma grande pressão.

    Um arrepio percorreu o corpo de Kai, deixando cada fibra de seus músculos em alerta.

    Ele está… evoluindo…?


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