Capítulo 1
A ponta do cigarro se acendeu na escuridão, iluminando brevemente a pele alva, os lábios finos e os olhos negros que encaravam o céu coberto por nuvens densas; o olhar era contemplativo, mas, ao mesmo tempo, levemente frustrado.
— Noite clara de lua cheia…
A voz suave e cálida se queixou, soltando fumaça pelo nariz; ele estava sentado no banco de trás de um carro em movimento — agora observando o bairro adornado com casas de tijolos vermelhos, arenitos e edifícios industriais convertidos.
— Eu esperava o clima perfeito para esta noite, que decepção. — ele massageava um dos bolsos de sua jaqueta carinhosamente com um sorriso torto. — Qual será a reação dele, quando descobrir?
O motorista não respondeu à questão, então o homem deu de ombros e voltou sua atenção para o exterior. Seus olhos se estreitaram ao observar alguns sujeitos entre os becos e calçadas — invisíveis aos olhos da sociedade.
— Pobres coitados… — ele disse em bom-tom, mas prosseguindo sua fala com desdém. — Alheios à insignificância de sua existência patética…
O motorista o ignorou, se mantendo focado no caminho com ruas iluminadas por luzes amareladas — a rota era repleta de boates e bares com músicas altas e graves profundos, criando uma sensação de energia inquietante.
Nas esquinas escuras estavam indivíduos trajando roupas reveladoras, eles se aproximavam dos poucos veículos que passavam pela redondeza: sensualizando com expressões forçadas de prazer.
— Ah, Vale da Liberdade, — seu sorriso incitador se abriu enquanto ele passava um dedo sobre seu lábio inferior. — para as pessoas certas, você é como um paraíso na terra.
Seus olhos percorriam os decotes e as saias curtas das mulheres, que por pouco escondiam a nudez. No entanto, ele se concentrava mais nos rostos delas: na suave expressão de nojo que tentavam mostrar, mas que era rapidamente suprimida, dando lugar a um prazer forçado, fomentado pela necessidade.
— O que acha de parar para uma pequena dose de diversão?
O motorista se manteve em silêncio — firmando seu aperto no volante e contorcendo levemente seus lábios carnudos.
— Você já não teve o suficiente por hoje? — a voz grave do motorista foi acompanhada por uma longa inspiração.
— E existe limite agora? — o homem do banco traseiro tragou novamente seu cigarro, estalando sua língua ao apoiar a cabeça no banco. — Mas você tem razão, pena que o nosso compromisso não pode esperar.
O motorista não respondeu, apenas continuou a seguir com o carro através das ruas solitárias e frias. O homem do banco traseiro manteve-se focado no motorista, com um olhar desafiante.
— Sombra, Sombra, Sombra… codinome engraçado para alguém como você, sabe. — o homem do banco traseiro se inclinou para frente, encarando a pele marrom escura do motorista através de sua mão no volante. — Haha, chega até ser cômico, mas no fim, admito que até gosto de trabalhar com você.
— Eu não posso dizer o mesmo. — Sombra respondeu quase que instantaneamente.
O homem do banco traseiro deixou escapar uma breve risada.
— É exatamente por isso, você é tão consistente que chega a se tornar previsível. — com um sorriso, ele amassou o cigarro no banco do motorista, deixando breve cheiro de couro queimado. — Eu também tenho minhas consistências, meus hábitos. E detesto quando alguém se intromete em meus momentos de… alívio de tensão, se preferir assim.
Sombra não desviou os olhos da estrada, mas franziu o cenho e enrugou o nariz. O sujeito do banco de trás que se inclinou e se aproximou mais dele, sussurrando em seu ouvido.
— Dito isto, eu sinceramente espero que você não se intrometa mais em meus negócios para podermos manter o clima amistoso. — ele tocou suavemente o ombro de Sombra, realizando um leve e breve carinho com o dedão. — Porque caso você fique metendo seu nariz onde não é chamado, muito provavelmente eu irei precisar logo de um novo colega…
O homem do banco traseiro então se afastou, se acomodando novamente no assento, porém mantendo os olhos atentos no motorista.
— E bem, você já deve imaginar o que aconteceu com aquele antes de você…
— Isso é uma ameaça? — Sombra olhou pelo retrovisor para a figura do homem no banco traseiro.
— Não, apenas estou avisando que acidentes podem acontecer…
O motorista apenas grunhiu ao ouvir a resposta e então o carro seguiu em silêncio até o sul do distrito, onde as luzes do centro de Nova Atlântida brilhavam ao fundo como uma paisagem de neon. O veículo parou no canteiro direito de uma rua deserta, diminuindo os faróis e mantendo o motor ligado.
— Chegamos. — Sombra ajustou o câmbio do carro e vasculhou a área com seus olhos.
— Finalmente.
Os olhos negros observaram friamente um grande prédio em reforma — o local contava com uma placa à sua frente, com a inscrição ‘Reforma do Hospital Santa Cláudia’, acompanhada da imagem de uma senhora negra, retratada com um sorriso acolhedor.
— Você vai ter um pouco mais que uma hora. — Sombra continuava atento, olhando para os prédios residenciais ao encarar algumas luzes acesas. — Seja breve, mesmo sem segurança do local funcionando, qualquer cidadão é uma câmera ambulante.
— Nada vai dar errado, afinal, o que você acha que ele é capaz de fazer? — o homem do banco traseiro acendeu outro fumo.
Com um sorriso ele abriu a porta, observando o prédio que tinha em sua composição uma grande área, com diversos maquinários e estruturas de ferro.
— Seja discreto Koji. — Sombra acionou o relógio digital em seu pulso, cronometrando sessenta e cinco minutos. — A última coisa que precisamos é de atenção.
— Não posso negar que gosto de um pouco de bagunça, mas em seu respeito, serei prudente. — Koji empurrou a porta e pisou no asfalto irregular. Seus olhos fixaram no prédio à frente. — Pode deixar, vá se divertir e volte em uma hora.
Koji apoiou a mão e saiu do veículo. Ele era jovem, com pele clara e uma fisionomia que denunciava sua origem oriental. Seu rosto fino exalava simpatia, e ele tinha um corpo magro. Vestia roupas escuras e justas com detalhes prateados — seu cabelo era preto, penteado para a direita, com mechas que caíam sobre seu rosto, as laterais de seu couro cabeludo eram expostas.
— Não esqueça: ele pode não estar sozinho. — Sombra disse após abaixar o vidro da porta frontal.
— Para ser sincero, tanto faz: quanto mais, melhor.
Sombra silenciou-se por um momento, deixando escapar um grunhido.
— Vou logo atrás de você. — Sombra acendeu novamente o farol do carro, e ajustou a marcha.
— Honestamente, não há necessidade. — Koji fechou a porta e deu dois leves tapas no carro. — Eu vou lidar com isso sozinho.
— Não, você não vai.
Após sua fala, Sombra partiu com o carro para um destino desconhecido.
— Você está brincando com sua sorte, seu miserável… — Koji forçou um sorriso estressado, amassando involuntariamente o cigarro em seus dedos enquanto observava o carro partir.
O vento frio soprou e ele atravessou a rua deserta, se aproximando do portão gradeado da construção. Ao alcançá-lo, ele notou que este estava levemente aberto com correntes e um cadeado rompido, ambos atirados no chão de terra.
— Obviamente você trouxe companhia, mas apenas um? — seus olhos focaram nos rastros recentes de pegadas na área, provavelmente de duas pessoas.
Também havia avisos de construção em andamento, sinais de alerta e uma placa que indicava: ‘Entrada apenas para pessoas autorizadas’.
Ele encarou a placa e sentiu o cheiro de terra e concreto, levantou o cigarro para o tragar e estalou a língua ao perceber que ele estava amassado — então o descartou e pisou nele.
Em seguida, retirou um celular do bolso e observou uma mensagem que continha alguns caracteres que não pareciam fazer sentido, incluindo o número 425 em seu final.
— Vai ser uma linda reunião. — murmurou para si ao tocar um bolso de sua jaqueta, adentrando lentamente o prédio em reforma.
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