Capítulo 2
O chão do grande salão oval estava esbranquiçado devido à poeira acumulada do concreto, e a pouca iluminação vinha de apenas duas torres de luz de cada lado. As paredes estavam pontuadas por espaços para portas — duas delas especialmente grandes — sustentavam cabos de aço que se estendiam até os elevadores no térreo. No centro, havia uma enorme escada principal que ligava o andar inferior ao superior.
Uma demarcação na parede indicava que aquele era o oitavo andar do prédio. Cabos de energia serpenteavam pelo chão, alguns conectados a equipamentos de construção, outros desaparecendo em direção a algumas salas.
No meio do salão, de pé, dois indivíduos estavam próximos ao centro, olhando em direção às escadas.
O primeiro era um homem adulto — um pouco acima do peso — de pele clara e olhos azuis. Seu cabelo era liso, loiro e bem aparado, com algumas mechas que escondiam rugas em sua testa. Ele se vestia com roupas de grife e alguns acessórios dourados: principalmente um relógio de ouro e uma aliança que esfregava incessantemente.
O segundo também era um homem maduro, porém de pele parda, olhos castanhos e marcado por cicatrizes e tatuagens — majoritariamente de símbolos religiosos, com exceção de uma que formava um “J”. Ele era careca e tinha um cavanhaque bem-feito, usava roupas largas e confortáveis: uma camiseta branca justa, calça camuflada larga, botas pretas e um crucifixo prateado.
O homem loiro estava em silêncio, com apenas o barulho do batuque de seu sapato formando o som ambiente — ele não parava de checar o relógio, que parecia marcar poucos minutos para as duas horas da manhã.
— Que inferno — disse o homem loiro, limpando a garganta e ajeitando a gravata de seu terno, como se estivesse muito apertada. — Por que logo esse maldito lugar?
Os ponteiros do relógio avançavam incessantemente enquanto ele suspirava, encarando a escada a sua frente com um leve tremor em seus lábios.
— Problema? — questionou o homem de cavanhaque que carregava um forte sotaque latino em sua fala.
— Mas é claro — o loiro varreu o ambiente escuro com seus olhos antes de estalar a língua. — Eu estou acostumado com locais que, no mínimo, tenham cheiro de lavanda… não de mofo.
— O mofo é bom — riu o homem de cavanhaque, massageando a mandíbula. — mantém a lucidez e não engana os sentidos.
— Você é um guarda-costas, isso já deve ser rotineiro para você — o homem loiro fechou os olhos e apertou a raiz do nariz com dois dedos, contorcendo levemente os lábios. — Porém, só estou aqui por conta desse feriado estúpido…
— Ah, “El día de los muertos” — disse o guarda-costas ao sorrir, concordando levemente com a cabeça. — Mas não é apenas um feriado: é o dia que los mundos se conectam: a camada é tão fina que se puede escutar os sussurros de la muerte, e se vacilar… ela te leva facilmente.
— Jesus Cristo, estamos em pleno século vinte e um e vocês ainda acreditam em algo assim? — o homem loiro deixou escapar uma leve risada desdenhosa. — Agora entendo o porquê de sua gente não evoluir!
O guarda-costas se virou e encarou o homem loiro com um olhar intimidador.
— O que foi…? — questionou o loiro ao tentar estufar o peito para parecer maior, mas ainda assim, ele demonstrava temor.
O guarda-costas caminhou em direção dele e este rapidamente encarou o chão e engoliu em seco, estendendo os braços com as mãos abertas.
— Escuta…! Você entendeu mal, eu me expressei mal, eu acredito que sua gente é importante — ele respirou fundo, tentando acalmar a si e forçando um rosto amigável. — Eu até mesmo tenho uma empregada mexicana, e se não fosse por ela, eu estaria perdido…
Quando se colocou em frente ao homem loiro, o guarda-costas mostrou um sorriso de satisfação — encarando a figura trêmula do sujeito a sua frente.
— Por que tanto miedo boludo? — com um sorriso enviesado, o guarda-costas arqueou uma sobrancelha. — El Primo te assustou tanto assim?
— Não estou com medo! Que… porra! — virando as costas, o homem loiro passou a mão por seu couro cabeludo e encarou seu relógio novamente. — Apenas cala a boca! Eu preciso pensar.
O guarda-costas fitou o nervosismo de seu contratante — sua perna direita tremia incessantemente e ele quase que involuntariamente negava a cabeça.
— Relajate, você não é o primeiro que fez merda e alguém quer dar uma lição — o sorriso sincero ficou estampado no rosto do guarda-costas.
O homem loiro cerrou os dentes e virou-se rapidamente com uma expressão irritadiça.
— Não fale comigo como se soubesse algo sobre mim, você não me conhece! — ele arqueou os lábios e levantou o queixo com desprezo, retomando a postura arrogante mesmo que de forma forçada. — Merda, se eu soubesse que seu “Primo” mandaria apenas você…
— Não duvide da escolha de Augusto — o guarda-costas respondeu com confiança e um certo tom de superioridade. — El Primo sabe o que faz.
O homem loiro inicialmente se irritou, mas ao olhar para o relógio, ele voltou a ficar ansioso.
— O que você acha? — ele encarou seu sapato de grife que já começava a se sujar com a poeira do chão. — Algo ruim pode acontecer?
— Minha experiência diz que encontros assim terminam com pessoas muertas — o guarda-costas foi direto, cruzando os braços e inclinando levemente a cabeça para trás.
— Você só deve lidar com gangues… — o homem loiro contraiu os ombros. — Vivemos em mundos diferentes, isso é apenas um encontro de emergência…
— Então por que contratar alguém?
O homem loiro ficou em silêncio por um momento.
— Apenas por precaução…
— Não sei se você é ingênuo ou estúpido — respondeu o guarda-costas demonstrou um sorriso por cima do ombro. — Vivemos no mesmo mundo: dinheiro é verde, e o mais importante, o sangue é vermelho.
O homem loiro se calou novamente, enquanto uma leve brisa espalhava o cheiro da poeira pelo local. Ele manteve seus olhos focados nas escadas, até o momento em que passos lentos ecoaram daquela direção.
— Ele chegou… — o murmúrio escapou da boca do homem loiro enquanto ele se colocou ao lado de seu guarda-costas.
De repente, o silêncio tomou conta do ambiente e apenas o som de cada passo podia ser ouvido vindo da direção da escada, deixando o homem loiro cada vez mais aflito. Então, da escuridão, a figura de um homem com olhos e cabelos negros foi lentamente revelada pela iluminação.
— Olá Williams — Koji cumprimentou o homem loiro, demonstrando um sorriso simpático após subir às escadas. — Boa noite.
— Koji — Williams retribuiu o cumprimento acenando a cabeça brevemente. — Boa noite.
Koji adentrou o grande salão confiante, observando o local friamente e capturando cada detalhe, até que seus olhos se encontraram com os do guarda-costas, que estavam fixos nele.
— Koji — William limpou a garganta ao tentar chamar a atenção de Koji. — Sei que posso parecer apressado por querer pular as formalidades, mas podemos conversar logo sobre o assunto principal?
Koji estreitou os olhos ao ouvir o que lhe foi questionado. Porém, o sorriso nunca deixou a sua boca.
— Por que a pressa Williams? Eu gosto de formalidades, são elas que nos distanciam de animais inferiores — a voz de Koji era calma, e encarou o guarda-costas com a menção da última palavra, então prosseguiu olhando para Williams — Lembro de ter dito que você deveria vir sozinho, então quem é este sujeito?
— É apenas um segurança, não precisa se preocupar com ele — Williams desviou o olhar, encarando o guarda-costas pelo canto dos olhos. — Como eu não conheço este distrito, decidi contratar alguém para me acompanhar.
Koji moveu lentamente sua mão direita para trás de si. O guarda-costas o observou cuidadosamente — deixando as mãos livres e firmando os calcanhares no chão.
O sorriso desafiante de Koji contrastava com a expressão austera do guarda-costas, então lentamente Koji retirou do bolso de trás de sua calça uma carteira de cigarros e um isqueiro, removendo uma unidade e a acendendo.
— Entendo, mas por que logo este sujeito? — Koji guardou os itens utilizados, em seguida tragando o cigarro brevemente. — Certamente seu bolso é capaz de conseguir algo melhor que… isso.
— Eu não seria estupido de envolver organizações de segurança que rastreiam aqueles que contratam seus serviços — Williams se focou no seu contato visual com Koji. — Logo imaginei que um qualquer que é apenas músculos e conhece o local seria o ideal para esta situação.
O cigarro começou a deixar cinzas e o sorriso simpático de Koji lentamente desapareceu, dando lugar a uma expressão completamente séria.
— Compreendo seu ponto… — ele amassou o cigarro com seus dedos, franzindo os cenhos. — Então que tal este desgraçado parar de olhar desse jeito para mim!
Williams engoliu em seco por um momento ao ouvir a mudança de tom de Koji, porém manteve sua compostura — encarando seu contratado e acenando com a cabeça para o lado.
Este sorriu com um tom de deboche e se afastou de ambos, se mantendo alguns poucos metros afastado.
— Assim é melhor — Koji respondeu com um sorriso simpático. — Por fim, a pessoa civilizada pode conversar.
Com um toque, ele desfazia-se das cinzas que caíam calmamente no chão, se misturando com a poeira daquele lugar como se fizessem parte dele desde o princípio.

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