Capítulo 6
“Tudo parece tão calmo, como eu queria me sentir assim mais vezes…”
A escuridão o rodeava, e seu corpo flutuava como se ele afundasse no oceano de seu próprio ser. Essa sensação de estar rodeado pela escuridão do desconhecido estranhamente era tão… reconfortante.
“Finalmente eu consigo pensar; finalmente longe de toda aquela maldita confusão.”
Essa sensação boa, vinha com um sentimento de dualidade: a paz e o medo; afinal, sentia que já havia vivenciado isso antes.
“Mas agora, o que eu vou fazer?”
Seus olhos se abriram levemente, e tudo o que ele percebia era a ausência de luz — como se estivesse nadando em um oceano de piche. A única coisa visível, eram as eventuais figuras sem sentido que apareciam como fantasmas brancos diante de seus olhos.
“Tudo está tão fodido…”
Ele estava sem memórias, sem afeições, sem identidade. Nem mesmo seu próprio nome aparecia em sua mente.
“Mas por que eu não consigo simplesmente desistir?”
Então ele ouviu algo, uma voz abafada que ele não conseguiu entender exatamente o que estava dizendo, mas ele sentia que ela estava o chamando. Ele olhou ao redor, mas não havia ninguém.
— Então aí está você…
Ele sentiu um leve assopro atrás de seu ouvido, que fez seu corpo inteiro estremecer. Era uma sensação que deveria irritá-lo, mas, na verdade, ele sentia falta disso. Faria de tudo para sentir isso novamente.
“Quem está aí?”
Era uma voz fraca e feminina — surgia como um sonho entre seus pesadelos.
“Cadê você? Onde você está?”
Mas assim que a voz surgiu, ela desapareceu; ele se encontrou novamente no vazio do desconhecido. Ele colocou ambas as mãos sobre o rosto, cerrando com força os olhos.
“Porra… por que isso está acontecendo?”
Novamente ele tentou se reconectar àquele sentimento: a sensação de vento livre correndo por sua pele e a água tocando seus pés descalços o envolviam. Ele quase conseguia sentir o cheiro do mar e as partículas de água que voavam com o vento forte.
“Será que isso foi real?”
Ele cerrou os dentes, suas mãos trêmulas por conta da frustração.
— Você não quer livre? — a voz feminina ecoou através do vazio novamente.
“Ser Livre…? Como eu poderia fazer isso!? Eu nem sequer… sei se mereço.”
Sua boca se abriu; a viscosa escuridão lentamente adentrou seu ser.
“Talvez eles estejam certos… Talvez eu seja mesmo uma aberração…”
Ele relaxou todo seu corpo, assim, afundaria mais rápido — cada vez mais rápido.
— Não são eles que decidem o que você é… — a voz feminina soou bem próxima, quase como em sua frente.
Seus olhos se arregalaram, e ele prendeu a respiração novamente ao sentir que a escuridão estava praticamente o afogando, aquilo não era prazeroso — era perverso. Não havia mais o desconhecido; na verdade, ele conhecia muito bem aquela cor — o tom escuro daquele vermelho.
— É você quem escolhe o que será… — a voz feminina agora pareceu se afastar rapidamente, quase não podendo ser ouvida.
Então veio o peso esmagador da pressão em seu corpo, fazendo-o se mover desesperadamente. Seu esforço, porém, não o fazia sair do lugar. Era viscoso demais, pesado demais, errado demais.
“Eu preciso sair daqui! Me ajude a sair daqui!”
Seu corpo inteiro estremeceu, a força de seus músculos rapidamente se esvaiu, e sua determinação se esgotou. Então, ele se encolheu como uma criança, abraçando as pernas e escondendo o rosto.
“Eu… não consigo…”
Ele chorou abraçado a si mesmo com toda a força possível. Fechou os olhos, sentindo seu corpo se transformar lentamente em parte de tudo aquilo.
— Você não pode simplesmente desistir…
A voz feminina gerou uma forte dor em sua cabeça, fazendo-o abrir os olhos novamente.
“Onde você está?”
Desesperadamente, ele procurou pela origem da voz, mas tudo ao seu derredor era escuridão.
“Onde você está!?”
Então, como uma estrela cintilante no vazio do espaço, um leve brilho alaranjado que parecia inalcançável apareceu.
“Aí está você…”
Seus braços começaram a se mover instintivamente com dificuldade, e seus dentes rangiam por conta do esforço. Ele lentamente emergia, perseguindo o brilho alaranjado com toda a sua força.
— Você acha que consegue?
“Eu não sei!”
Seus braços tremiam e suas pernas quase não tinham mais força, mas ele precisava alcançar aquela voz — quanto mais próximo do brilho, mais clara ela se tornava.
— Não hesite, eu posso te ajudar…
Ele notou que o brilho se intensificou — então ele estendeu a mão com todas as suas forças, atravessando uma camada fina e transparente. Ele arrastou-se para fora da escuridão que ainda tentava o engolir, entretanto, ele se afastou do buraco profundo que ele saiu.
Agora ele se encontrava tossindo e vomitando um líquido vermelho, rapidamente percebendo que não estava em um oceano, mas afundado em um deserto. Estava cercado pela infinidade de areias e prédios demolidos, de onde saíam fumaças negras que ocultavam o sol, permitindo que apenas um ponto de luz alaranjada fosse visível no céu.
Ele se levantou com dificuldade, observando diversas figuras que se assemelhavam a pessoas, mas, na verdade, eram formas de areia com contornos e feições distorcidas. Estavam desfiguradas e desmembradas; de todas elas, escorria um líquido avermelhado que manchava a areia, sendo lentamente absorvido por ela.
“Onde eu estou? O que é isso!?”
Ele se encontrava catatônico, olhando ao redor em busca daquela voz enquanto tossia e tentava recuperar a respiração. Seu corpo coberto de sangue que ele tentava limpar, mas era impossível.
“Onde você está!?”
As figuras começaram a emitir gritos agonizantes, gemidos de dor e choro de desespero. Seus olhos se arregalaram ao perceber que elas não estavam mais estáticas; estavam se arrastando em sua direção.
Ele rapidamente virou-se para correr, mas paralisou e seus olhos se arregalaram — muito distante ele avistou, em uma casa destruída, uma sombra de pé, oculta pela escuridão do local, prestes a adentrar o ambiente.
Seus olhos lacrimejavam e seu corpo inteiro estremeceu. Ele queria fugir, mas era impossível. O deserto se distorcia, aproximando-o da sombra rapidamente; a sombra virou lentamente a cabeça em sua direção, encarando-o por cima dos ombros, enquanto as figuras de areia agarravam suas pernas, tentando afundá-lo novamente.
Ele tentou se livrar, mas os golpes desferidos apenas o prendiam mais a elas; ele tentou clamar por ajuda, mas de sua boca apenas sangue jorrava, como um vômito — tudo estava se tornando escuridão novamente, apenas a luz alaranjada no céu se sobressaia.
— Você conhece o som da minha voz…
Com força, ele tentava se desvencilhar enquanto olhava para o sol, mas aos poucos as figuras o afundavam; as mãos emergiram da areia e o puxavam com cada vez mais força.
— Se um dia estiver em um pesadelo, lembre-se de mim e…
Sua visão estava prestes a ser coberta com mãos que agarravam seu rosto, mas o brilho alaranjado cintilou com mais intensidade, e ele conseguiu ouvir a voz bem próxima de seu ouvido:
— Acorde…
Ele sentiu como se uma energia percorresse todo o seu cérebro. Então, sua visão lentamente se ajustou à luz, como se estivesse despertando de um longo sono. Aos poucos, ele percebeu seu entorno: a mesa à sua frente agora estava destroçada no chão, e Tyx estava em sua frente, abrindo os braços como um escudo humano. Ele parecia estar em uma discussão com os outros Defensores.
Sua cabeça latejava, como se seu cérebro fosse explodir a qualquer momento. O zunido lentamente desapareceu, e ele olhou para seus punhos, que estavam fechados firmemente enquanto ele despencou lentamente no chão, sem forças para manter seu corpo de pé.
“Onde você está…?”
Então, ele atingiu o chão e veio novamente a escuridão, mas desta vez não era aquela que o afogava; era apenas a quietude reconfortante de seus olhos fechados.
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