— A OTE… — Karoline encarava a pasta sobre a mesa. — Williams trabalhava para eles, não é? 

    — Sim, ele liderava um setor que lidava principalmente com relações internacionais, transporte e exportações. — Tyx respondeu, apontando para a página da pasta que estava sobre a mesa.

    Karoline prestou atenção às palavras, inclinando-se para frente na cadeira, cruzando as pernas e os braços, usando uma mão para apoiar seu rosto.

    — Isso não é apenas um caso sobre Divergentes, é? Você acredita que há algo maior envolvido…

    Tyx sorriu, fechando a pasta que estava sobre a mesa.

    — É o que tudo indica… — Tyx disse ao pegar outra pasta de uma gaveta comum e ofereceu à jovem, que pegou a pasta e a abriu.

    — O que é isso? — Karoline observava a ficha que estava dentro da pasta.

    — É um dos membros de sua equipe.

    Karoline folheou os papéis com informações sobre um jovem. Estavam contidas fotos, descrição de atributos físicos, escala de poder e várias outras informações.

    — Black? — ela perguntou, alternando o olhar entre Tyx e a pasta.

    — Ele não lembra do próprio nome, então se autointitulou assim. — Tyx apontou para a ficha com o queixo.

    — E como isso está relacionado ao caso? — Karoline deu de ombros

    — Black foi encontrado no norte do continente africano, em uma cidade da Líbia, onde o “conflito”, que na verdade é uma guerra, está ocorrendo. — Tyx tragou seu cigarro novamente, deixando cinzas prestes a cair.

    — Ainda continuo sem entender; o que uma coisa tem a ver com a outra? — Karoline folheou rapidamente a ficha antes de fechá-la e olhar em direção a Tyx.

    — Aqui, veja isso.

    Tyx entregou a última pasta. Dentro dela havia diversas fichas de recibos e envios de produtos tecnológicos e substâncias controladas para o continente africano, todas aparentemente normais com execução de fichas que se repetiam seis vezes por ano onde o relatório indica uma quantidade menor de itens, porém relatando a mesma quantidade financeira de todas as outras.

    — Não entendo, o que você quer que eu veja aqui? — Karoline se expressou entortando os lábios.

    — As entrelinhas, veja que apesar de menos produtos, o relatório financeiro ainda indica a mesma quantidade de rendimento dos anteriores. — Tyx sorriu ao tragar novamente seu fumo e estalar os dedos. — Isso não é de acesso público, porém são milhões todos os anos em tecnologia que apenas a OTE tem relatórios.

    Karoline ainda manteve seu olhar de descrença, com uma sobrancelha levantada e encarando os documentos.

    — Ok…?

    — Escuta, estes dados são de 2020, mas foram obtidos apenas em 2024 por conta daquele vazamento chamado de MOAB. — Tyx discursou apontando para o documento na mão da jovem. — Eu consultei diversas fontes minhas e então entendi que provavelmente está ocorrendo um extravio de mercadoria.

    — MOAB? — Karoline entortou a cabeça ao questionar.

    — Foi o maior vazamento de dados ocorrido em 2024. — Tyx respondeu de forma sucinta.

    Karoline olhou para os números da receita financeira: eram iguais, tanto o do extravio quanto os outros.

    — Você acha que eles continuam enviando a mercadoria quando relatam que estão enviando uma menor quantidade?

    — Exato! E como nos relatórios estas mercadorias nem sequer existem, ninguém sente falta, afinal o dinheiro de alguma forma não é afetado. — Tyx se desfez das cinzas no cinzeiro. 

    Karoline semicerrou os olhos, encarando os dados que estavam no papel, acenando a cabeça positivamente conforme compreendia.

    — Eu também perguntei para um especialista sobre essa rota pelo continente africano, e ele respondeu que não faz sentido do ponto de vista logístico. — Tyx sentou-se na mesa, encarando Karoline. — Eu acredito que essa rota foi planejada para facilitar o contrabando destas mercadorias.

    — Então você acha que é um esquema que partiu da própria OTE? — Karoline fechou a pasta e encarou Tyx.

    — A OTE não é apenas uma empresa tecnologia e farmacêutica, hoje em dia ela é uma das grandes que impulsionam a economia. — Tyx passou a mão sobre seu cavanhaque, encarando o teto. — Um conglomerado que cresceu tanto que sempre absolve sua concorrência e o pior, o governo depende dela, tanto de maneira financeira quanto tecnológica…

    — Você acha que uma empresa tão grande assim deixaria que algo assim acontecesse? 

    Tyx acenou com a cabeça positivamente ao ouvir a pergunta da jovem, logo em seguida apontando para uma parte do documento que estava nas mãos de Karoline.

    — Williams ocupava um cargo importante na empresa. A OTE faz parte de um conglomerado que está diretamente ligado à biotecnologia, nanotecnologia, farmácia, entre outros.

    — Mesmo se for verdade, para quem ele está contrabandeando exatamente? — Karoline continuava a ler a ficha enquanto fazia seus questionamentos. — E como ninguém nunca foi pego?

    — Eles são cuidadosos, talvez seja por isso que Williams morreu. — Tyx levantou-se e caminhou pela sala. — Ele não apenas fez uma besteirinha, ele deve ter feito algo significativo, e o mataram não apenas para puni-lo mas também como aviso para os outros…

    — Você acredita que quem está fazendo isso tem um grupo muito grande? — Karoline perguntou, olhando brevemente para Tyx com os olhos atentos.

    — Este esquema já deve existir há décadas, para chegar a este ponto, eles já devem ter uma vasta e sólida teia de conexões e muitos colaboradores. — Tyx respondeu, acenando lentamente com a cabeça para a garota.

    — Entendo, mas você ainda não explicou o que Black tem a ver com isso. — Karoline pegou novamente a pasta que continha informações sobre o jovem.

    Tyx parou por um momento, encarando minuciosamente a forma que Karoline observava a ficha de Black. Então virou de costas para ela, e encarou a estante de livros.

    — Acredito que o jovem pode ter informações sobre essas pessoas que recebem o contrabando.

    — Sério? — Karoline encarou a figura de Tyx.

    — Sim, porém ele não consegue se lembrar de nada no momento. — Tyx respondeu passando a mão sobre um livro. — Uma maneira de vencer esse jogo é: ele tem que ser capaz de mostrar as peças do outro lado do tabuleiro. 

    — Não poderíamos informar ao Júpiter sobre isso?

    — Não… pelo menos não até termos algo concreto; lembre-se: Júpiter não é apenas um símbolo para essa cidade, é para o mundo todo. — Tyx disse ao se dirigir novamente para sua cadeira, sentando-se e se inclinando nela. — Ajudantes cometem erros, heróis podem errar, defensores são julgados quando erram, mas ele…? Ele não erra…

    Karoline encarou Tyx em silêncio, absorvendo cada palavra que ele disse. Então, entrelaçou os dedos e os manteve sobre suas coxas.

    — Então eu serei a Dama porque você quer alguém que possa cometer erros…?

    — Não, eu quero você porque confio em seu potencial e, depois de tudo que você ouviu, consegue entender o quão isso é importante. — Tyx se inclinou para frente em sua cadeira. — Se conseguirmos parar o que está acontecendo, você não apenas salvará vidas; também mostrará ao seu pai que é capaz de ser mais do que ele imagina.

    Karoline baixou a cabeça, encarando suas mãos que lentamente se abriram. Então seus olhos verdes fixaram-se em Tyx e seus punhos se fecharam com força.

    — Tudo bem, então serei sua Dama.

    Tyx sorriu, acenando com a cabeça e tragando seu cigarro já pela metade. Então Karoline se pronunciou novamente.

    — Mas tenho uma condição.

    — E quando é que você não tem? — Tyx suspirou deixando o cigarro descansando no cinzeiro. — O que é?

    A jovem se pôs de pé novamente, encarando Tyx de baixo para cima.

    — Quero que você me prometa que não vamos agir apenas considerando os fins; nossos meios também importam…

    Tyx se manteve imóvel por um momento, mas finalmente com um sorriso, concordou com a cabeça.

    — Tudo bem, eu prometo que vou considerar os meios, não apenas os fins. — Tyx levantou o olhar, mas Karoline ainda mantinha seu semblante sério, embora com um sorriso no rosto.

    Tyx deu de ombros. 

    — O que foi?

    — Acha que eu vou aceitar apenas sua palavra? Aqui! — a jovem disse ao apoiar uma mão sobre a mesa e oferecer o dedo mindinho com a outra.

    — Você não pode estar falando sério…

    Ela não respondeu, apenas gesticulou com o mindinho e exibiu um sorriso com os olhos afiados. Tyx suspirou, coçando levemente a lateral do couro cabeludo, até que finalmente cedeu e também usou seu mindinho para firmar o juramento.

    — Viiiu? Não foi tão difícil, foi? — Karoline exclamou, apoiando as mãos nos quadris e inclinando-se levemente para frente.

    — Só não… mencione que fiz isso para ninguém… muito menos para o Shinji… — Tyx respondeu, escondendo levemente o rosto com o chapéu.

    — Ah, ainda tenho uma dúvida: geralmente uma equipe de apoio é formada por três pessoas ou mais. Quem serão ou será o outro ajudante? — Karoline perguntou, levantando levemente uma mão em sinal de dúvida.

    — É um rapaz meio marrento, mas tem bom coração. Mas o mais importante de tudo é que você se lembre: esta conversa é confidencial. Você não pode contar sobre o que conversamos aqui para ninguém, nem mesmo para seu pai.

    — Eu entendo; não precisa se preocupar.

    — Ótimo! Vocês irão atuar possivelmente em três meses, então prepare-se.

    Karoline pegou sua bolsa e se dirigiu para a saída. Porém, antes de alcançar a porta, ela se virou para Tyx.

    — Uma última pergunta antes de ir: você disse que também é uma peça nesse jogo, não é? Então o que seria você?

    — Eu sou uma simples peça menor que avança no início do jogo, abrindo caminho para que nossa estratégia funcione. — Tyx respondeu de forma sucinta e clara.

    — Você é um Defensor; como pode estar se comparando a um peão?

    — Hey, não subestime um peão; é a única peça do jogo que, ao chegar ao fim do tabuleiro, pode também se tornar uma Dama.

    Karoline sorriu, mas ao notar que Tyx estava prestes a alcançar o cigarro no cinzeiro, então um brilho em suas pupilas cintilou na cor azul-claro e o cigarro queimou e se transformou instantaneamente em cinzas. Tyx paralisou, virando lentamente a cabeça na direção da garota.

    — Como você disse: isso faz mal para a sua saúde. Ser um aprimorado não te torna imune a coisas como o câncer. 

    A jovem disse com um leve sorriso, enquanto o brilho em suas pupilas desapareceu. Então, ela piscou com o olho esquerdo antes de atravessar a porta. 

    — Já que sou sua dama, você deveria saber que não se fuma na presença de uma. Bye bye!

    A porta se fechou, e agora Tyx estava sozinho na sala. Ele agarrou sua carteira de cigarros e percebeu que não havia mais nenhuma unidade não usada.

    — É por isso que eu não tive filhos… — ele reclamou, inclinando-se na cadeira e encarando a luz branca do teto.

    Ele retirou novamente uma moeda de seu bolso; era uma moeda comemorativa das Olimpíadas em Nova Atlântida, datada de 2012. Encarando-a contra a luz do teto, ele refletiu.

    — Acho que não tenho sido um homem de palavra nos últimos anos…

    Retomando a postura na cadeira, encarou o cinzeiro à sua frente, jogou a moeda para cima e agarrou-a com a mão.

    — Vocês duas se dariam bem até demais… — ele sussurrou, guardando novamente a moeda no bolso do seu sobretudo. 

    Em seguida, retirou o cinzeiro da mesa e o guardou na gaveta, pegando a carteira de cigarros e amassando-a com o punho.

    — Acho que é hora de começar a cumprir com minha palavra…

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