Capítulo 17
Os olhos marrons escuros se abriram lentamente ao som do despertador do celular, que tocava uma melodia calma com sons de pássaros. A figura magra e curvada de um jovem com altura um pouco abaixo da média, sentou-se na cama. Seu cabelo era longo, liso e negro com mexas que quase cobriam completamente seu rosto.
Ele agarrou um celular que estava na cômoda simples ao lado de sua cama com colchas desbotadas, tentando olhar para o despertador que exibia um alarme escrito: ‘6:00 – Acorde para mais um dia!’
— Nada ainda… — ele sussurrou para si, com a voz um pouco rouca.
Ele passou o dedo na tela trincada do celular para desativar o alarme e, em seguida, olhou para a barra de notificações.
Coçando a cabeça, se levantou e calçou suas sandálias, bocejando e passando uma mão sobre o cabelo, revelando apenas uma parte de seu rosto quase pálido, com os olhos parecendo os de um peixe morto, enquanto se punha cabisbaixo.
— Hoje é dia 06…? Já faz mais de dois meses. — sussurrou para si mesmo, olhando para uma mensagem de um número desconhecido que dizia: ‘Entrarei em contato.’ — Entrar em contato é o cacete…
Ele virou-se para a cômoda de madeira antiga que continha um porta-retratos ocultando a foto. Levantou a mão em direção a ele, tentando alcançá-lo, mas rapidamente desistiu e encarou sua mão antes de suspirar profundamente.
Ele se retirou lentamente do quarto, cujas paredes eram pintadas de cinza desgastado e a janela parecia estar emperrada.
Ao sair do quarto, ele encontrou a sala de estar integrada à cozinha, onde móveis antigos e eletrodomésticos básicos dominavam o espaço, decorado de forma escassa. Um cheiro forte de detergente barato invadiu suas narinas, fazendo-o tapá-las com dois dedos enquanto se dirigia ao banheiro com uma expressão incomodada.
— Urgh, mãe… por que sempre essa fragrância? — murmurou ao adentrar no banheiro e fechar a porta atrás de si.
Era um banheiro pouco espaçoso, que contava com uma pia com uma torneira que gotejava levemente, um espelho com manchas na borda que refletiam a luz fraca do teto, um suporte para toalhas e um chuveiro de canto delimitado por uma cortina de patinhos amarelos.
Ele se dirigiu até o espelho e o abriu, revelando diversos remédios, uma pasta de dente e duas escovas. Seus olhos se focaram nos remédios; suas pálpebras caíram e seu olhar se manteve opaco por um instante. Mas logo ele pegou sua escova, colocou creme dental e fechou o espelho, dirigindo-se para o chuveiro e ligando a água que jorrou com baixa temperatura.
— Meu dia de sorte. — ele se queixou, mas ainda assim encarou o banho.
Um tempo depois, ele já estava vestido com uma blusa preta de mangas longas que tinha a estampa de uma banda de rock chamada Knights of The Dark Realm, uma calça jeans desbotada com rasgos no joelho, um tênis preto e uma mochila marrom-escuro. Seu cabelo agora estava mais arrumado, com mechas que caiam sobre seus ombros; ele também fez uma franja que ocultava parcialmente seu olho direito.
Ele se dirigiu para a mesa que continha um bilhete, onde estava escrito: ‘Deixei seu café da manhã pronto no balcão. Tenha um ótimo dia querido! 😀
P.S.: Demian! Por favor, não esqueça de pôr o lixo para fora; sabe como a nossa danadinha é!’
Um leve sorriso tomou conta de seu rosto ao ler a nota. Ele olhou para o balcão e, notando que não havia nada lá, coçou a cabeça e logo abriu a boca, deixando a gravidade puxar seu queixo para baixo.
— Eu não acredito… — ele disse dirigindo-se para trás do balcão, onde encontrou uma frigideira no chão, com uma tampa longe dela, e uma gata-preta lambendo as patas. — Pantera!
A gata nem sequer olhou na direção do garoto e continuou a se lamber. Ele se agachou, agarrou-a por debaixo das patas dianteiras e a encarou.
— Você comeu meu café da manhã? — Demian questionou olhando diretamente nos olhos da gata, que o encarou e apenas miou. — Você se tornou uma garota com péssimos modos…
A gata piscou os olhos e colocou uma pata sobre a boca do garoto, que apenas abaixou a cabeça e disse com uma voz forçada de tristeza: — Tem cheiro do meu bacon… Se você acha que vai sair impune desta vez, está muito enganada; hoje você conhecerá minha ira.
A gata continuou a encará-lo, inclinando a cabeça com seus olhos esverdeados e pupilas dilatadas.
— Você… você… tem sorte de ser muito fofa e de eu estar atrasado. — o jovem levantou a cabeça ao suspirar. Colocou a gata no chão e fez um carinho em sua cabeça enquanto ela voltava a se lamber. — Mas essa é a última vez que você sai impune!
Rapidamente, ele pegou a frigideira e a tampa, colocando-as na pia, em seguida retirou seu celular, que marcava seis e quarenta e três da manhã.
— Ah merda… — Demian se expressou ao olhar para a gata, que parecia não se importar com sua presença. — Vou ter que comer no caminho; espero que você se sinta culpada!
Ele respirou fundo e suspirou, rapidamente se dirigindo para a saída do apartamento. Abriu a porta com dificuldade e a fechou, enquanto a gata continuava a se lamber e miou mais uma vez.
Demian correu pelo corredor do prédio antigo, que continha diversos outros apartamentos além do seu. No fim do corredor, havia um elevador com um aviso escrito: “Permanentemente em manutenção”. Ele se dirigiu para as escadas, passando por alguns moradores; um varria a frente de seu apartamento e outro trancava a porta, verificando se realmente estava trancada.
O bairro apresentava uma mistura de culturas, com comércios locais, pequenos restaurantes e lojas que começavam a abrir por volta desse horário. As ruas estavam movimentadas; havia pessoas conversando, outras abrindo seus negócios, e Demian corria em direção à parada de ônibus, que já contava com passageiros embarcando.
— Acho que alguém me amaldiçoou… — ele murmurou para si mesmo, correndo rapidamente em direção ao ônibus.
Ele foi veloz, mas acabou esbarrando levemente em um homem que estava embarcando, acenando a cabeça em sinal de desculpa.
— Presta atenção, moleque! — disse o homem, revirando os olhos e negando com a cabeça.
— Foi mal…
Logo, todos adentraram, e Demian se dirigiu para o fundo do ônibus, evitando a troca de olhares com os passageiros. Colocou os fones de ouvido e começou a olhar o exterior pela janela.
O ônibus urbano partiu pelo distrito. O sol estava nascendo, mas era ocultado pelos prédios residenciais. Seu olhar se focou nas propagandas nas paredes e outdoors; muitas eram sobre produtos e pessoas, mas sobre principalmente a Convergência.
Havia um homem e uma mulher, ambos sorrindo e posando com brilho nos olhos. Atrás deles, estava a silhueta de um homem voando com uma capa, e o título dizia: ‘Se descobriu um Humano Biologicamente Aprimorado? Sirva ao seu país! Torne-se um herói também!’
Seus olhos seguiram o anúncio com certa admiração, mas logo ele voltou ao normal. Olhando novamente para a mensagem ‘Entrarei em contato’, suspirou enquanto o ônibus partia de Aurora Oriental para seu destino: o distrito de Tlamanalli, o coração de Nova Atlântida.
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