Os olhos marrons escuros se abriram lentamente ao som do despertador do celular, que tocava uma melodia calma com sons de pássaros. A figura magra e curvada de um jovem com altura um pouco abaixo da média, sentou-se na cama. Seu cabelo era longo, liso e negro com mexas que quase cobriam completamente seu rosto. 

    Ele agarrou um celular que estava na cômoda simples ao lado de sua cama com colchas desbotadas, tentando olhar para o despertador que exibia um alarme escrito: ‘6:00 – Acorde para mais um dia!’

    — Nada ainda… — ele sussurrou para si, com a voz um pouco rouca. 

    Ele passou o dedo na tela trincada do celular para desativar o alarme e, em seguida, olhou para a barra de notificações.

    Coçando a cabeça, se levantou e calçou suas sandálias, bocejando e passando uma mão sobre o cabelo, revelando apenas uma parte de seu rosto quase pálido, com os olhos parecendo os de um peixe morto, enquanto se punha cabisbaixo.

    — Hoje é dia 06…? Já faz mais de dois meses. — sussurrou para si mesmo, olhando para uma mensagem de um número desconhecido que dizia: ‘Entrarei em contato.’ — Entrar em contato é o cacete…

    Ele virou-se para a cômoda de madeira antiga que continha um porta-retratos ocultando a foto. Levantou a mão em direção a ele, tentando alcançá-lo, mas rapidamente desistiu e encarou sua mão antes de suspirar profundamente. 

    Ele se retirou lentamente do quarto, cujas paredes eram pintadas de cinza desgastado e a janela parecia estar emperrada.

    Ao sair do quarto, ele encontrou a sala de estar integrada à cozinha, onde móveis antigos e eletrodomésticos básicos dominavam o espaço, decorado de forma escassa. Um cheiro forte de detergente barato invadiu suas narinas, fazendo-o tapá-las com dois dedos enquanto se dirigia ao banheiro com uma expressão incomodada.

    — Urgh, mãe… por que sempre essa fragrância? — murmurou ao adentrar no banheiro e fechar a porta atrás de si.

    Era um banheiro pouco espaçoso, que contava com uma pia com uma torneira que gotejava levemente, um espelho com manchas na borda que refletiam a luz fraca do teto, um suporte para toalhas e um chuveiro de canto delimitado por uma cortina de patinhos amarelos.

    Ele se dirigiu até o espelho e o abriu, revelando diversos remédios, uma pasta de dente e duas escovas. Seus olhos se focaram nos remédios; suas pálpebras caíram e seu olhar se manteve opaco por um instante. Mas logo ele pegou sua escova, colocou creme dental e fechou o espelho, dirigindo-se para o chuveiro e ligando a água que jorrou com baixa temperatura.

    — Meu dia de sorte. — ele se queixou, mas ainda assim encarou o banho.

    Um tempo depois, ele já estava vestido com uma blusa preta de mangas longas que tinha a estampa de uma banda de rock chamada Knights of The Dark Realm, uma calça jeans desbotada com rasgos no joelho, um tênis preto e uma mochila marrom-escuro. Seu cabelo agora estava mais arrumado, com mechas que caiam sobre seus ombros; ele também fez uma franja que ocultava parcialmente seu olho direito. 

    Ele se dirigiu para a mesa que continha um bilhete, onde estava escrito: ‘Deixei seu café da manhã pronto no balcão. Tenha um ótimo dia querido! 😀
    P.S.: Demian! Por favor, não esqueça de pôr o lixo para fora; sabe como a nossa danadinha é!’

    Um leve sorriso tomou conta de seu rosto ao ler a nota. Ele olhou para o balcão e, notando que não havia nada lá, coçou a cabeça e logo abriu a boca, deixando a gravidade puxar seu queixo para baixo.

    — Eu não acredito… — ele disse dirigindo-se para trás do balcão, onde encontrou uma frigideira no chão, com uma tampa longe dela, e uma gata-preta lambendo as patas. — Pantera!

    A gata nem sequer olhou na direção do garoto e continuou a se lamber. Ele se agachou, agarrou-a por debaixo das patas dianteiras e a encarou.

    — Você comeu meu café da manhã? — Demian questionou olhando diretamente nos olhos da gata, que o encarou e apenas miou. — Você se tornou uma garota com péssimos modos…

    A gata piscou os olhos e colocou uma pata sobre a boca do garoto, que apenas abaixou a cabeça e disse com uma voz forçada de tristeza: — Tem cheiro do meu bacon… Se você acha que vai sair impune desta vez, está muito enganada; hoje você conhecerá minha ira.

    A gata continuou a encará-lo, inclinando a cabeça com seus olhos esverdeados e pupilas dilatadas.

    — Você… você… tem sorte de ser muito fofa e de eu estar atrasado. — o jovem levantou a cabeça ao suspirar. Colocou a gata no chão e fez um carinho em sua cabeça enquanto ela voltava a se lamber. — Mas essa é a última vez que você sai impune!

    Rapidamente, ele pegou a frigideira e a tampa, colocando-as na pia, em seguida retirou seu celular, que marcava seis e quarenta e três da manhã.

    — Ah merda… — Demian se expressou ao olhar para a gata, que parecia não se importar com sua presença. — Vou ter que comer no caminho; espero que você se sinta culpada!

    Ele respirou fundo e suspirou, rapidamente se dirigindo para a saída do apartamento. Abriu a porta com dificuldade e a fechou, enquanto a gata continuava a se lamber e miou mais uma vez.

    Demian correu pelo corredor do prédio antigo, que continha diversos outros apartamentos além do seu. No fim do corredor, havia um elevador com um aviso escrito: “Permanentemente em manutenção”. Ele se dirigiu para as escadas, passando por alguns moradores; um varria a frente de seu apartamento e outro trancava a porta, verificando se realmente estava trancada.

    O bairro apresentava uma mistura de culturas, com comércios locais, pequenos restaurantes e lojas que começavam a abrir por volta desse horário. As ruas estavam movimentadas; havia pessoas conversando, outras abrindo seus negócios, e Demian corria em direção à parada de ônibus, que já contava com passageiros embarcando.

    — Acho que alguém me amaldiçoou… — ele murmurou para si mesmo, correndo rapidamente em direção ao ônibus.

    Ele foi veloz, mas acabou esbarrando levemente em um homem que estava embarcando, acenando a cabeça em sinal de desculpa.

    — Presta atenção, moleque! — disse o homem, revirando os olhos e negando com a cabeça.

    — Foi mal…

    Logo, todos adentraram, e Demian se dirigiu para o fundo do ônibus, evitando a troca de olhares com os passageiros. Colocou os fones de ouvido e começou a olhar o exterior pela janela.

    O ônibus urbano partiu pelo distrito. O sol estava nascendo, mas era ocultado pelos prédios residenciais. Seu olhar se focou nas propagandas nas paredes e outdoors; muitas eram sobre produtos e pessoas, mas sobre principalmente a Convergência.

    Havia um homem e uma mulher, ambos sorrindo e posando com brilho nos olhos. Atrás deles, estava a silhueta de um homem voando com uma capa, e o título dizia: ‘Se descobriu um Humano Biologicamente Aprimorado? Sirva ao seu país! Torne-se um herói também!’

    Seus olhos seguiram o anúncio com certa admiração, mas logo ele voltou ao normal. Olhando novamente para a mensagem ‘Entrarei em contato’, suspirou enquanto o ônibus partia de Aurora Oriental para seu destino: o distrito de Tlamanalli, o coração de Nova Atlântida.

    Apoie-me

    Regras dos Comentários:

    • ‣ Seja respeitoso e gentil com os outros leitores.
    • ‣ Evite spoilers do capítulo ou da história.
    • ‣ Comentários ofensivos serão removidos.
    AVALIE ESTE CONTEÚDO
    Avaliação: 0% (0 votos)

    Nota