Capítulo 4

— Sabe, Black? Eu conhecia uma garota… — ela disse com um leve sorriso no rosto, amassando o guardanapo com uma mão e deixando-o sobre a mesa. — Inicialmente eu a odiava, afinal, ela era o completo oposto de mim: elegante, notável, sociável e uma boa pessoa. 

Black apenas ouvia tudo o que era dito, sem virar em momento algum.

— E eu era apenas uma garota ressentida que não conseguia ver além das feridas que impedia de sarar. — Emma sorriu, uma mistura de nostalgia e arrependimento. — Eu tinha deixado de ser uma adolescente há pouco tempo, mas já estava sob os cuidados dos Convergentes há alguns anos.

Black apenas virou lentamente a cabeça, mas ainda se mantinha de costas. Emma passou a olhar para as telas no teto que simulavam a luz do sol com um olhar distante.

— Meu supervisor nunca conseguiu me encaixar em uma equipe de ajudantes porque, apesar de querer ajudar, eu tinha raiva e sempre estragava tudo por causa disso… — um leve sorriso se formou no canto de sua boca enquanto apertava gentilmente o dedão em sua mão. — Eu sempre comia neste refeitório porque nunca foi o local mais frequentado e eu estava sempre fugindo de tudo, porque acreditava que todos me odiavam.

As pálpebras de Black caíram, demonstrando um olhar triste.

— Então um dia ela veio aqui coincidentemente; acho que estava fugindo dos jornalistas das redes sociais que estavam sempre atrás dela. He he…

Ela então abraçou uma mão com a outra, sorrindo enquanto encarava seu gesto. Black se sentou de costas para Emma, cabisbaixo e apoiando os cotovelos sobre as coxas.

— Até hoje lembro do que ela disse para mim naquele dia: “Antes de tentar fazer algo por outros, você deve reconhecer que precisa fazer algo por si mesma.” — Emma disse abrindo um sorriso amplo e negando levemente a cabeça. — Naquele momento eu a odiei ainda mais, pensando que ela se achava superior. Mas depois percebi que ela só queria me ajudar e no fim foi ela quem sempre ficou ao meu lado.

Black lentamente olhou para Emma por cima dos ombros, virando-se devagar até ficar de lado no banco. Emma apenas conseguia ver metade do rosto dele.

— Então você sabe como eu me sinto… — ele disse ainda cabisbaixo, encarando as telas no teto. — é por isso que não posso ficar parado!

— Eu entendo como você se sente; afinal, quando conhecemos alguém capaz de mudar nossa vida, queremos fazer tudo por essa pessoa. — Emma fechou os olhos entrelaçando os dedos.

— É isso que estou falando, para você é mais fácil porque essa a pessoa que fala não está em perigo! — Black se exaltou, virando completamente o rosto em direção a Emma.

— Ela foi assassinada… — os dedos entrelaçados se apertaram quando ela respondeu e um leve tremor nos lábios tornou-se evidente.

“Oh merda…”

Black desviou o olhar de Emma ao notar pela primeira vez que ela franziu os cenhos enquanto tentava manter um sorriso ofuscado pelo descontentamento.

— Eu sinto muito…

— Eu também… — ela respondeu ao respirar fundo e suspirar enquanto desviava o olhar. — Mas no fim eu também tenho uma parcela de culpa; se eu tivesse pensado antes de agir, talvez ela ainda estivesse viva.

Black voltou seu olhar para Emma, agora virando-se completamente de frente para ela.

— O que quer dizer? — ele questionou, com as sobrancelhas levemente arqueadas.

— Eu agi sem pensar e ela pagou por isso, se eu apenas… — ela disse com um sorriso forçado, encarando novamente Black. — Eu só não quero que você faça o que fiz. E acredite, eu quero te ajudar.

“Ela está certa…?”

Black se pôs cabisbaixo novamente, encarando os guardanapos sujos da comida que derrubou, observando o leite espalhado pelo chão após ter sido arremessado com a bandeja.

“E se eu agir de maneira estúpida, será que eu posso acabar ferrando com tudo…?”

— Então, o que eu faço?

Emma parou por um momento, ela parecia dividida, mordendo o lábio inferior com uma expressão de insatisfação.

— Siga com Tyx por enquanto; ele sabe o que está fazendo. — ela respondeu demonstrando claramente insatisfação, fechando os olhos brevemente.

— Você não passou muita firmeza em sua resposta. — Black disse, cruzando os braços e franzindo os cenhos.

Emma levantou-se e apontou em direção à saída com uma mão. Black a fitou, mas logo levantou-se, mantendo-se de pé em frente a ela.

— Você vai descobrir que muitas pessoas têm algo contra o Tyx. — ela respondeu, passando por trás dele e empurrando-o levemente em direção à porta. — Mas eu reconheço que ele também é capaz de fazer o trabalho dele muito bem.

Black concordou levemente com a cabeça enquanto era guiado até a porta, no caminho ele olhou para o objeto oval e percebeu que não havia mais aquele brilho constante em vermelho, então ele semicerrou os olhos e olhou para Emma.

— Então é isso? — Black questionou, levantando uma sobrancelha e arqueando levemente os lábios.

— Por enquanto, sim. Vá até seu dormitório; pedi para entregarem algumas roupas mais casuais para você. Então vista-se e me espere lá!

Emma disse, empurrando Black para fora sem dar chances para ele responder e fechou a porta logo em seguida, colocando-se de costas contra ela e apoiando a cabeça na superfície.

— Ah…! Que situação complicada eu me meti… — Emma sussurrou para si mesma, encarando um aparelho fino semelhante a um smartphone que retirou do bolso da calça. — Você iria querer isso, não é, Eve?

Ela olhou para uma mesa específica no canto mais distante da sala com um olhar distante como se pudesse ver algo que não estava ali. Então ligou para um número, cruzando um braço para apoiar o cotovelo e colocando o celular na orelha.

‘Umbra, e então? Algum progresso?’

A voz no telefone era de Conrad e demonstrava claro descontentamento. Emma fechou os olhos e negou levemente a cabeça.

— Não consegui descobrir nada; ele ainda não parece lembrar de nada e parece disposto a seguir Tyx. — Emma respondeu ao apertar a base de seu nariz e franzir o cenho, em seguida fechando a mão e apenas deixando um pequeno espaço aberto.

O brilho sobrenatural surgiu em suas pupilas novamente, e da sombra de sua mão surgiu aquele talher negro, que ela manipulou entre os dedos.

‘Chegou até mim a informação de que ele se exaltou; os serventes saíram do local, e quando foram checar as câmeras, elas “misteriosamente” haviam parado de funcionar.’

— Apenas tivemos uma conversa amigável, ele se exaltou em um momento, mas você sabe como são esses jovens, sempre arremessam as coisas para criar um efeito dramático. — ela disse, olhando para o objeto oval no teto. — Em relação às câmeras, é sempre bom pedir manutenção preventiva dessas coisas.

‘Você está agindo igual aquele idiota do Tyx. Emma; esse garoto tem envolvimento com algo grande que não envolve apenas a vida dele, mas talvez a de centenas ou milhares de pessoas. Você não pode estar pensando seriamente em confiar que Tyx vai ser capaz de lidar com isso.’

— E por que você acha isso? Ele também é Defensor no fim das contas não é?

‘Você acima de qualquer um deveria saber… Tyx, ele é como uma raposa, ardiloso para caçar um rato, mas não para lidar com um lobo.’

— Entendo Conrad, então precisamos de um Dragão para lidar com o lobo? — ela questionou sarcasticamente. 

‘O que eu quero dizer é que Tyx não vai tomar as decisões certas, para começar esse garoto, ele não deveria, de forma alguma, ser um Convergente. Isso é um erro e você sabe disso! Ele deveria estar sob nossos cuidados, mas de maneira controlada!’

Emma fechou os olhos, apertando o talher em sua mão e arqueando os lábios.

— Eve não iria querer que aprendêssemos alguém desta forma…

‘Droga Emma! A Evelyn morreu exatamente porque cometemos esse maldito erro de confiar e dar liberdade em alguém que não conhecemos! E você está aqui prestes a cometer o mesmo erro novamente! Quantas pessoas vão ter que morrer para que…’

Ao ouvir essa fala, ela desligou o celular, deixando cair o talher e o aparelho no chão. Ela fechou os olhos e respirou fundo, escorregando na porta até o momento que caiu sentada no chão. Então lágrimas começaram a escorrer de seus olhos, ela abraçou as próprias coxas, chorando em silêncio. O talher estava no chão, rodeado por aqueles fios negros que agora lentamente se desfaziam, revelando a estrutura quebrada do objeto.