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    Protótipo de capa Volume 1 – Ironia Divina

    Capa Volume 1

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    — Ela está acordando.

    A voz profunda de Garm, mesmo baixa, se destacou na quietude da floresta.

    A neblina fina que se erguia do solo úmido misturava-se com o cheiro de folhas molhadas e um resquício distante de fumaça, um lembrete persistente do que havia sido deixado para trás.

    O grande lobo, sua pelagem negra salpicada de cinzas secas, manteve-se atento, seus olhos brilhando na penumbra.

    Lucia cruzou os braços, observando com cautela a jovem ruiva que ainda respirava pesadamente no chão.

    — Ela não vai me atacar, né? — perguntou a garota, inclinando levemente o corpo para frente, como se estudasse uma criatura prestes a reagir.

    — Não. A Eva não é assim — respondeu Garm, a voz carregando uma calma inabalável. — Deve ser a única pessoa normal que conheço.

    Lucia bufou imediatamente.

    — Ei! Eu sou normal também!

    O lobo soltou uma risada curta, um som estranho vindo dele. Mas logo cessou, pois um grunhido rouco se ergueu no ar.

    O corpo de Eva tensionou-se subitamente, como um fio esticado ao máximo.

    Seus olhos se abriram em um estalo, movendo-se rápido, tentando processar onde estava.

    — Merda… — murmurou ela, a respiração ofegante.

    O instinto assumiu antes da razão.

    Com um salto ágil, Eva se ergueu, rolando para longe de onde estava. Seu corpo reagia antes de sua mente compreender a situação.

    Seus olhos analisaram o ambiente rapidamente, seu coração martelando no peito. Sem esperar resposta, agarrando a primeira coisa que viu, pegou uma pedra e assumiu uma postura de ataque.

    — Onde eu tô? Quem é você?! Conselheiro Garm? 

    O lobo rapidamente se colocou entre as duas garotas, sua imensa silhueta escurecendo parte da luz que se infiltrava entre as folhas.

    — Calma, pequena — seu tom era paciente, mas inegociável. — Essa é a Lucia. — acrescentou, com um leve movimento do focinho em direção à menina. — Não é uma inimiga.

    Lucia, que até então apenas observava, caminhou hesitante para o lado da pata do lobo, sua presença mais contida do que o normal.

    “Só um pouco mais velha que eu!”, pensou enquanto analisava a jovem ruiva, agora acordada, à sua frente. Por fim acenou de forma breve, quase mecânica, seus olhos evitando contato direto com Eva.

    A ruiva franziu o cenho, a confusão ainda nítida.

    — Lu… cia? — repetiu, tentando encaixar o nome na memória desorganizada. — A aprendiz da rainha?

    Lucia piscou.

    E então… ficou completamente vermelha.

    — A Ana me apresentou como aprendiz?

    Seu tom saiu mais alto do que pretendia, com um inesperado toque de orgulho presente em seu tom.

    A ideia de que Ana falava dela para os outros fez sua mente girar por um segundo.

    Mas sua expressão logo mudou.

    A empolgação deu lugar a uma carranca emburrada, como se sua própria reação a tivesse irritado.

    — Mais que isso — acrescentou Garm, com um tom de voz mais leve. — Ela disse que você é a melhor manipuladora de mana que conhece. Mesmo na sua idade.

    A jovem abriu a boca para responder, olhou para Garm, olhou para Eva, mas fechou novamente, sem emitir som algum.

    Seu corpo tensionou-se visivelmente, e, em um movimento brusco, virou-se de costas, resmungando palavras inaudíveis com um tom rabugento.

    Foi sentar-se sob uma árvore, cruzando os braços, o olhar perdido na escuridão da floresta.

    Garm suspirou pesadamente.

    — O que tá acontecendo? — perguntou Eva, ainda confusa, esfregando a têmpora como se tentasse organizar os próprios pensamentos. — A última coisa que lembro foi aquela mulher estranha invadindo o salão real…

    — Bom… Quando eu entrei, você já estava desmaiada. Mas a Jasmim foi derrotada também.

    — Jasmim? — Os olhos de Eva brilharam brevemente com surpresa. — A irmã da Ana?

    — Sim, mas não acabou aí. Invadiram o castelo — Garm continuou. — Então trouxe vocês duas para fora.

    Eva passou a mão na testa, respirando fundo.

    — E por que ela tá assim? — perguntou, sua atenção se voltando para Lucia, que continuava de costas para os dois, as pernas dobradas contra o peito.

    O lobo não respondeu de imediato. Então, com um tom direto, mas sem crueldade, explicou.

    — A Ana matou o namorado dela.

    — Ele não era meu namorado! — gritou Lucia, de longe. Porém, apesar da negação fervorosa, ela desviou o olhar imediatamente para o chão, sem convicção. — Mas ela não precisava matar ele… — murmurou, sua voz quase inaudível agora.

    Garm a encarou de cima.

    Seus olhos escuros estavam impassíveis.

    — Aquele garoto fedia da mesma forma que a mulher caída. Você está se fazendo de cega.

    Lucia se virou bruscamente, a raiva transparecendo em sua voz:

    — Você virou um chato agora que começou a falar!

    Apesar de rosnar, a fúria da garota desapareceu rápido demais.

    Após um breve momento, voltou a se encolher, cruzando os braços novamente e enterrando o rosto nos joelhos.

    A situação era sufocante.

    Eva viu tudo acontecer, sem dizer nada no início, mas não pôde deixar de soltar um riso curto e nasalado. Largou a pedra de sua mão e, sem pressa, se sentou em outra árvore, seus olhos observando o céu entre as copas das árvores.

    — De que adianta voltar? — perguntou de repente.

    Podia ver a fumaça ainda subindo no horizonte.

    Insídia queimava.

    — Encontraremos algo lá?

    Havia algo sombrio e pensativo em suas palavras, e Garm não respondeu de imediato. Ele também olhou para a fumaça que se dissipava lentamente no céu.

    E então, deitou-se, suas patas se cruzando sobre a terra úmida.

    — Não sei.

    Foi uma resposta sincera.

    O silêncio voltou.

    Apenas o som do vento balançando os galhos preenchia o espaço entre eles.

    — Ana seguiu com o Renovatio… — murmurou Garm.

    Eva fechou os olhos lentamente, soltando um suspiro profundo.

    — Foi o que imaginei…

    A conselheira ruiva nunca concordou totalmente com aquele plano, mas sabia que, se Ana o ativou, não foi sem razão.

    Seus dedos se apertaram levemente contra a terra fria, pensativa.

    O cansaço pesava em seus ombros.

    Nenhum deles queria admitir, mas, naquela noite, estavam sem rumo.

    Finalmente, Garm quebrou o silêncio.

    — Vamos esperar a fumaça baixar.

    Sem mais ânimo para continuar, se preparou para adormecer.

    — Amanhã veremos o que restou.

    O peito do grande animal estava subindo e descendo em um ritmo lento.

    Mas a sonolência durou apenas um momento.

    Um segundo de descanso.

    Um erro.

    Seus olhos se arregalaram subitamente.

    Seus músculos se tensionaram como aço, e suas orelhas ficaram em pé, captando um som quase imperceptível.

    Lucia e Eva não perceberam a mudança de imediato.

    Mas então, ele se moveu.

    Antes que a ameaça pudesse ser compreendida, se jogou para frente, o corpo massivo cobrindo ambas as garotas.

    — Fiquem abaixadas! — rosnou ele, a urgência em sua voz soando como um trovão.

    E então veio o som real.

    Agudo. Penetrante. Um assobio cortante no ar.

    Algo rápido.

    Rápido demais.

    Eva ergueu a cabeça no reflexo. Lucia mal teve tempo de piscar.

    O tempo desacelerou.

    E então, a dor.

    Não para elas.

    Para ele.

    O impacto foi instantâneo.

    A carne se rasgou antes mesmo que o som da destruição pudesse ecoar.

    O corpo de Garm tremeu violentamente, mas ele não caiu.

    Sua força descomunal ainda sustentava seu próprio peso para que não esmagasse as garotas que protegia, mesmo com a cortina de sangue que explodiu no ar, espalhando-se como uma rajada escarlate pelo chão, pela grama, pela pele das garotas.

    Lucia sentiu o líquido quente salpicar seu rosto, e seu coração disparou em pânico, batendo contra o peito como se tentasse escapar de dentro dela.

    Mas nada podia ser feito.

    A floresta, de repente, parecia muito, muito mais fria.
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