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Protótipo de capa Volume 1 – Ironia Divina
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Capítulo 192 - Céu Rasgado
Um horizonte sem fim. Um abismo invertido.
Era com isso que se parecia o céu que se estendia como um oceano, um azul profundo onde o sol pairava alto, lançando reflexos dourados sobre a imensidão.
E, deslizando por ele, como um predador sem rivais, o Collectio rasgava as nuvens.
Seu casco negro era uma cicatriz corrompida naquela vastidão imaculada, as velas escurecidas tremulavam como sombras vivas, absorvendo a luz ao invés de refleti-la. O motor pulsava de forma sutil, quase como um coração ansioso por guerra.
O vento rugia, o mundo tremia e o convés vibrava sob os passos daqueles que ousavam caminhar ali.
Não era um lar, e não pretendiam que se transformasse em um. Era um trono ambulante, sustentado não por ouro, mas por sobrevivência. Lá, na proa do monstro aéreo, Ana segurava o leme com uma mão firme, os dedos envoltos em luvas gastas.
A capitã, rainha sem reino, pirata sem oceano, caçadora sem presas.
Seu rabo de cavalo chicoteava, os fios rebeldes se soltando ao sabor da ventania, enquanto o casaco longo se agitava em furiosas ondas de tecido. O sol esculpia sombras afiadas em seu rosto, e seus olhos, fixos no horizonte, carregavam o peso de quem vê além da linha do visível.
Então, ela mordeu uma barrinha de cereal.
O som seco da mordida foi a única ruptura na cena grandiosa.
— Vai ser um inferno achar esses caras sem um mapa — murmurou, mastigando devagar, sem nenhuma pressa.
A trilha épica que existia apenas na cabeça de qualquer um que a observasse morreu na hora.
— Com certeza — respondeu Madame, ao lado dela, apoiada contra a grade do convés. — Por sorte ainda temos tempo até Leviathan chegar.
— Pois é… pois é…
Ana deu a última mordida em sua pequena refeição, e logo estalou a língua, como se aquele gosto sem graça fosse mais ofensivo do que o próprio desafio à frente.
O papel laminado deslizou entre seus dedos e foi lançado ao vento.
Num instante, a rajada o tomou. O invólucro prateado girou em espirais erráticas, subindo e caindo como um fragmento de história descartado. No momento seguinte, se perdeu no azul, devorado pelo céu.
Ana observou sua partida como se esperasse que algo de significativo acontecesse. Nada aconteceu.
Suspirou.
— Tem certeza que eles vão cooperar?
Madame ergueu uma sobrancelha.
— Com pagamento suficiente, é claro que sim… Catarina, a dona da taverna mercenária da região, é quem manda em tudo por lá. A convença, e terá suas frotas pirata à disposição.
Ana girou o pulso, mexendo distraidamente a espada negra que estava presa frouxamente em suas costas.
— Já conheci alguns deles anos atrás, durante o festival.
— Imaginei que sim — Madame não parecia surpresa. — Tentar conquistar a famosa cidade móvel se tornou uma tradição. Já chegaram perto algumas vezes, mas é pouco provável que tenham sucesso algum dia.
Ana girou o pescoço, estalando as articulações.
— Deviam só explodir tudo com aqueles aviões.
Foi sutil. Mas o silêncio que veio depois da fala carregava um toque de mistério. A expressão de Madame não mudou imediatamente. Mas a luz não refletia mais em seus olhos da mesma forma.
— Não — a voz saiu quase como um sussurro, mas o peso daquela única palavra fez o próprio vento parecer hesitar por um instante. — Não se irrita a baleia.
Ana ergueu uma sobrancelha, intrigada. Madame acreditava naquela frase, não parecia ser apenas um ditado.
O vento continuava a soprar. As nuvens passavam, indiferentes. O Collectio cortava o céu, carregado por sua pulsação constante. Mas o ar parecia mais espesso, como se algo invisível pairasse logo além do alcance da visão.
Pegando mais uma barrinha de cereal, Ana lambeu os dentes, prestes a perguntar o motivo da intensa frase, quando notou de canto de olho uma das tripulantes ajustando as amarras de uma das velas.
Nada incomum. Apesar da natureza enigmática do Collectio, a tripulação já havia aprendido que certas coisas ainda exigiam trabalho manual. Cordas, ângulos, velas – tudo isso, em alguma medida, ainda precisava de toque humano.
Voava, sim, mas carregava o espírito de um navio.
No entanto, a pessoa que fazia isso era incomum. Uma mulher. Cabelos castanhos ondulados, longos o suficiente para serem rebeldes, curtos o bastante para não serem inconvenientes.O rosto era suave, o tipo de rosto que pertenceria a alguém gentil. Mas as mãos eram treinadas, os gestos calculados.
Uma pura.
E, presa à sua cintura, havia uma lâmina incomum.
Um florete.
Tinha pouco mais de um metro, tão delgada que quase desaparecia ao olho nu. Mas conforme ela se movia, o metal brilhava com um tom esbranquiçado, sutil e traiçoeiro.
Com um gesto curto, Ana levantou a mão para Madame, pedindo um momento, e saltou da plataforma onde estava sem hesitação, caindo no convés abaixo em um impacto controlado. Os calcanhares tocaram a madeira, absorvendo o impacto, e sem sequer ajustar a postura, ela já caminhava em direção à mulher.
A tripulante não notou sua aproximação até ser tarde demais. Num movimento fluido, a capitã deslizou a mão até a cintura da desconhecida e puxou a espada da bainha sem cerimônia ou permissão.
O som do metal deslizando foi um sussurro cortante, no entanto, a tripulante por reflexo girou o corpo, fazendo seu pé escorregar na superfície do convés, e acabou por tombar para trás.
— Tsc — resmungando, Ana deixou a lâmina cair para um lado enquanto a segurava pela gola com a outra mão, impedindo que caísse pela amurada do navio.
A mulher piscou, chocada demais para reagir, as mãos meio erguidas como se sua mente ainda estivesse tentando decidir se deveria lutar ou agradecer.
Ana, por outro lado, apesar de ainda segurá-ça, já não parecia interessada nela. Voltou a pegar a arma e girou a lâmina no punho, sentindo o peso – ou a falta dele.
Tocou a superfície com a ponta dos dedos. Minúsculas runas brilharam suavemente antes de se apagarem.
“Fria. Fria como neve recém-caída.”
O queixo de Ana se inclinou levemente, e deu uma precisa estocada de teste, sentindo sua leveza absurda. Fez um corte no ar. Depois outro. A arma praticamente não oferecia resistência.
Satisfeita, ergueu os olhos para a pura à sua frente. Agora que a via de perto, a imagem se formava por completo. A postura impecável. Os movimentos controlados. Os sutis músculos que se moviam em seus braços, claramente desenvolvidos para o combate.
Ana girou a lâmina uma última vez antes de devolvê-la num movimento relaxado para a bainha de onde havia saído.
— Boa arma.
— A-agradeço, capitã…
Os olhos da tripulante brilharam com um misto de choque e embaraço, mas sua compostura se restaurou quase imediatamente.
Engoliu em seco, mas não desviou o olhar.
Ana não respondeu de imediato. Não conhecia aquela mulher.
E isso não acontecia com frequência.
Cada tripulante no Collectio era alguém que tinha um motivo para estar ali. Corrompidos. Sobreviventes de Insídia. Velhos mercenários que tinham perdido tudo. Mas uma pura?
A capitã cruzou os braços e começou a rodeá-la, analisando-a vagarosamente.
— Não te vi antes. Como se chama?
A mulher se endireitou.
— Amélia.
— E o que exatamente uma pura está fazendo no meu navio?
Houve um breve silêncio, e Amélia passou os dedos ao longo da lâmina, como se buscasse conforto nela antes de responder.
— Me deixaram entrar…
Ana ergueu uma sobrancelha, mordendo a ponta da barrinha de cereal, mastigando devagar.
— Isso não responde muita coisa.
O canto da boca da mulher tremeu num sorriso breve – um sorriso sem humor, sem vida.
— E o que eu deveria ter feito? Ficar? Esperar? Continuar como se nada tivesse acontecido?
Ana a encarou de novo, tentando entender se perdeu algo na conversa, mas logo chegou a uma conclusão.
— Não faço ideia de que porra você tá falando.
— Eles me fizeram matar meus próprios soldados. Aquelas… Plantas — a voz dela não tremia, mas era pesada. — Então eu vim. Eu não podia mais voltar — Amélia desviou os olhos para o céu. — Aqui… pelo menos, ainda há um caminho.
Ana ouviu atentamente, e cruzou os braços, pensativa.
Conhecia aquele olhar. Já o tinha visto muitas vezes antes.
Nos mascarados que a seguiam.
Nos corrompidos que haviam encontrado um lar em Insídia.
Nos guerreiros que haviam se erguido no campo de batalha para morrerem sorrindo.
Nos espelhos de sua própria alma.
A capitã sorriu, ignorando todas as motivações emocionadas que acabara de ouvir.
— Gosta de lutar?
Amélia hesitou.
Seus dedos tocaram a bainha do cabo, como se respondessem antes dela mesma, mas sua resposta foi contida.
— Lutar é necessário.
— E você luta bem?
A tripulante hesitou de novo. Então, seus olhos mudaram, e Ana percebeu que ali não havia apenas hesitação – havia orgulho.
— Sim.
O vento soprou ao redor delas.
Ana deu um passo para trás, e seus dedos desfizeram o nó que prendiam sua longa arma.
— Ótimo. Então me mostre.
Amélia manteve o olhar fixo por um instante, antes de abaixar levemente a cabeça, um sorriso sutil surgindo em seus lábios.
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