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Protótipo de capa Volume 1 – Ironia Divina
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Capítulo 200 - Piedade no Convés
Todos esperavam gritos. Afinal, um ataque pirata costumava vir com certa pirotecnia auditiva. Mas naquele caso, apenas o silêncio acompanhou a primeira e única gota de sangue. Um silêncio incômodo, quase constrangedor, como o silêncio presente em um elevador repleto de desconhecidos.
— Eu não vou fazer isso… — disse Alex, baixando a lâmina que estava encostada no pescoço de um homem magro, semi-desmaiado e claramente mais perto do mundo dos mortos do que dos vivos. Quando a morte imediata se afastou, ele não reagiu. Não agradeceu, não chorou, não fugiu. Só piscou lentamente, confuso.
A faca voltou para sua bainha, com a relutância de quem guarda um presente indesejado. O guerreiro não era fã da arma. Muito menos da missão. Entrar, matar, roubar, sair. Parecia simples no papel. Mas ali, olhando para um punhado de comerciantes em farrapos, aquilo não tinha gosto de vitória.
Se virou, olhos faiscando, em direção à figura que o observava com um sorriso que não era exatamente reconfortante. A capitã, equilibrada entre os dois navios como quem contempla a própria obra de arte — ou uma explosão prestes a acontecer —, estava entretida.
— Não vai? — perguntou Ana, a voz doce com uma borda de caco de vidro.
— Não. Essas pessoas não merecem um fim assim.
O sorriso dela se alargou, mas não de aprovação. Seus olhos se estreitaram levemente, e por um breve instante, Alex teve a impressão de que ela estava calculando algo — não sobre o inimigo, mas sobre ele. Ela saltou para a fragata com leveza ensaiada, como se o convés fosse palco e o salto, parte da coreografia. Ao aterrissar, não disse nada. Só andou. Devagar, direto, e ergueu o braço.
O vice-capitão sabia o que viria em seguida. Sabia também o que significava decepcioná-la — não em termos de punição, mas do tipo de desprezo que Ana conseguia aplicar com um único olhar. Ainda assim, manteve-se firme.
— Gosto de você, Alex. — A mão apoiada no ombro do homem efervescente começou a trazer um sutil, e talvez um pouco repugnante, cheiro de carne queimada. A pressão a princípio parecia cordial, gentil, até, mas logo sua pele afundou com o aperto. Alex resistiu ao impulso de recuar. Já era tarde demais para isso. — Espero que se responsabilize por suas escolhas.
— Farei isso.
Dando um tapinha em seu rosto, um gesto quase maternal se não fosse o contexto, ela voltou para o Collectio. Subiu devagar, sem pressa, sem se dignar a olhar para trás, sumindo em sua cabine com naturalidade.
Alex ficou ali, parado. Respirou fundo, só então percebendo que estava prendendo o ar há minutos;
— Algo não tá certo com essa mulher — disse uma voz feminina às suas costas.
Madame estava ali com os braços cruzados e a arma apoiada na lateral do quadril, como se qualquer coisa pudesse ser resolvida com um suspiro e um tiro bem-dado — embora, no fundo, não fosse fã de tiroteios desnecessários. Seus olhos analisavam Ana à distância com um tipo de expressão indescritível.
— Você devia falar com ela — completou.
— Não vai adiantar — respondeu Alex. — Eu conheço aquele olhar. O problema é que ela tá com fome.
— Com… fome?
O vice-capitão abriu a boca para responder, mas hesitou. Era um pensamento incômodo e talvez nem fosse correto, então desistiu de explicar. Quando o som dos vômitos — ainda parte da consequência previsível da falta de mana no ar — cessou, ele se aproximou do capitão do navio adversário.
O homem não era velho o suficiente para ser ignorado, nem jovem o suficiente para não estar cansado. Os cabelos grisalhos lhe davam um certo ar de sabedoria, mas o joelho fincado no convés tirava parte da autoridade. Mesmo assim, o olhar seguia firme. Não desafiador, mas orgulhoso — do tipo que já viu sua cota de derrotas e aprendeu a conviver com elas.
— Você. Como se chama?
— Ignácio — respondeu o homem, levantando o rosto. — Capitão Ignácio, da Aurora…
— Não se preocupe com títulos, não conheço nada por aqui. — cortou Alex, abaixando-se sobre um joelho e estendendo um pedaço de couro. — Levante-se, senhor.
Ignácio riu de forma hesitante, mas aceitou a ajuda. Havia algo no sorriso de Alex, algo entre exaustão e gentileza, que o impedia de recusar.
— Vou ser franco com você — disse Alex, enquanto o ajudava a se firmar. — O quanto eu vou conseguir te manter vivo a partir de agora depende exclusivamente do quão útil você é.
— Útil? — Ignácio tossiu, tentando organizar os pensamentos. — Não são só saqueadores? Peguem o que quiserem e nos deixem de uma vez.
Alex bufou. Um som simples, direto, carregado com aquela paciência curta e já muito desgastada.
— Não recomendo que fale assim na frente da capitã Ana, Ignácio.
— Aquela jovem não merece tal título. Um capitão respeita o código de conduta Mare Euphoria. Temos princípios! — Cuspiu no chão, mirando em nada e atingindo apenas o próprio orgulho. — Não viram a merda da bandeira branca?
— Já disse que não somos daqui, droga. — Alex recuou dois passos e se espreguiçou com a naturalidade de quem está tentando convencer os próprios músculos de que vale a pena continuar. — Não me tira a paciência, homem. Isso é só um conselho. Quer ignorar? Ótimo. Só espero que esteja confortável com a ideia de ver todo mundo aqui morrer.
Ignácio apertou os olhos, mas ficou em silêncio. Talvez ponderando se era mais sensato manter a postura ou os dentes.
— Vamos ao que interessa. Tudo nesse navio, de onde meus pés tocam pra baixo, pertence a nós. Suas vidas também. Pelo menos por enquanto. Entendido?
— Sim, seu merdinha.
— Ótimo. Tem alguém lá embaixo?
— Não no momento.
Ouvindo a resposta, o vice-capitão acenou para uma parcela dos tripulantes do Collectio que estavam a bordo. Já haviam alinhado com antecedência, então sem hesitação, baixaram para o depósito do navio.
— Quanto tempo até Mare Euphoria?
— Algumas horas. Com esse vento, talvez menos.
— Ana vai gostar de saber disso. Você fica conosco. Vai ser nosso guia. Seus homens… bem, eles vão esperar nas celas. — Alex sorriu. Outro gesto, e a ordem se espalhou.
Os tripulantes capturados foram levados sem resistência, embora um ou outro tenha hesitado em se afastar de suas armas, apesar de já estarem no chão. Não que tal hesitação durasse muito tempo, sabiam que estavam vivos por cortesia, então o melhor a se fazer nessa situação era se deixar levar.
— Madame, se importa de avisar que já está tudo certo? Preciso saber o que fazer agora.
A mulher, encostada na amurada como quem observa um teatro ruim, levantou uma sobrancelha.
— Ela ainda está brincando de esconder os planos?
— Na verdade, acho que ela não tem porcaria de plano nenhum. Só tá improvisando com estilo.
— Discordo. Ela passou horas revisando aqueles mapas e papéis mofados. Não finge tão bem assim.
Alex deu de ombros, os olhos vagando por um momento em direção à cabine fechada antes de suspirar profundamente.
— Já não sei de mais nada…
Madame o observou em silêncio. Para ela, Alex sempre teve esse ar de alguém que carregava mais do que devia — e não por bravura, nem por nobreza, mas por teimosia mesmo. Era jovem, tecnicamente, mas sempre que lia sua mana podia ver que ela gritava outra coisa. Era uma mistura desorganizada, tensa, desconfortável de sentir. Uma bagunça que dizia muito sem precisar de palavras. Quase um pedido de ajuda. Ou, no mínimo, de pausa.
No entanto, a velha taverneira escolheu não responder. Não por frieza. Apenas… por sabedoria prática. Já tinha vivido o bastante para saber que nem todo mundo quer ser salvo. Às vezes, são as rachaduras que impedem certas pessoas de desmoronar de vez.
Girou a alça da arma presa à coxa, ajeitando-a com um gesto automático, quase reconfortante. Seu olhar se perdeu por um instante no horizonte, não em busca de inimigos, mas de qualquer coisa que não exigisse envolvimento emocional. Havia embarcado para beber cerveja e aproveitar uma boa aventura, com sangue só o suficiente para manter o tédio afastado. Não estava ali para mergulhar de cabeça na insanidade que cercava Ana — e, por extensão, todo o resto.
Caso se envolvesse demais, deixaria de ser espectadora. E espectadora era o papel que ela havia decidido assumir.
Claro que não era fácil. Aqueles jovens a lembravam demais do passado. Das escolhas erradas que pareciam certas. Da liberdade que vinha sempre acompanhada de dor. Ah, uma bela nostalgia… do tipo que dá gosto lembrar — e muito mais gosto em manter enterrada.
Enfim, dessa vez ela cederia. Falaria com a capitã.
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Ficaremos sem imagens por um tempo, mas logo volto a postar!
Estou meio sem tempo e não estão saindo resultados bons…
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