Índice de Capítulo

    div

    — Não é tão longe daqui… — Os dedos de Alex deslizaram vagarosamente no couro curtido do mapa. O material já havia visto dias melhores. Estava desbotado nas bordas, com marcas de copos e queimaduras de vela, mas ainda bastava para se ter uma noção geral da geografia local — isso supondo que quem os fez fosse um bom cartógrafo.

    Ao fundo, a conversa, geralmente tão animada, havia cessado por completo. Eles tinham, finalmente, uma pista concreta da capitã. Não rumores. Não boatos esfarrapados colhidos em cais esquecidos. Uma pista

    — Você tem certeza que é ela? — perguntou Alex, sem pressa, enquanto se espreguiçava.

    Ignácio, sentado à mesa com a postura rígida, torceu os lábios antes de responder. Não porque não tivesse resposta, mas porque odiava quem a estava perguntando. Desde que chegara a Mare Euphoria — encharcado, febril e com o orgulho desintegrado pela água salgada —, não dissera muito. Foi resgatado por dois piratas que pareciam estar mais interessados em esvaziar garrafas do que encher redes na beirada do grande porta-aviões.

    Sobreviveu a viagem mais por sorte do que por competência. Sorte essa que, após entregar um relato em pedaços ao delegado, cada um saindo como dentes podres de sua boca, o levou diretamente ao escritório de Catarina. Para seu desgosto, encontrou Alex de pé junto à mesa de reuniões.

    Com os dentes trincados, quase se recusou a continuar. Mas continuou. A pressão da taverneira que o encarava o instigou.

    — Fiquei meses naquele porão. Sem sol, sem chão firme, ouvindo cada um dos meus homens gritar enquanto eram devorados por aquelas… coisas. — A voz saía tensa, como se engasgada em espinhos. Ele ameaçou cuspir no chão, mas uma leve pigarreada de Catarina, acompanhado pelo tilintar de seus brincos, o fez reconsiderar o gesto. — Sim, desgraçado. Tenho certeza que era ela.

    Alex trocou um olhar com Luiz. Discreto. Não houve gesto, nem comentário. Apenas aquele tipo de comunicação silenciosa que se desenvolve entre duas pessoas que conheciam bem a sua líder.

    Ana era Ana – imprevisível, teimosa, e mais do que capaz de fazer algo do tipo. 

    — Qué cara de bunda es esa, hein? — Catarina inclinou-se para frente, os dentes de pedra brilhando sob a luz fraca. — Não tá feliz que la loca sigue viva? Mais pirada que antes… pero viva.

     Alex ignorou o tom provocativo. Passou a mão no pescoço, olhando de volta para o mapa.

    — Mesmo assim… se estão usando o Collectio, não vai ser fácil alcançá-los. Vamos precisar dos aviões.

    — ¡Ni fodendo van a usar mis aviões! — Catarina bateu a mão na mesa.

    — Na verdade, parece que não estão voando. — Luiz interrompeu, jogando os relatórios na mesa. — Não é isso, Ignácio?

    Os olhos de todos se voltaram novamente para o homem sentado no canto direito da mesa. Ele respirou fundo.

    — Sim. — Pigarreou, desconfortável. — Desde que Jack subiu a bordo, atacaram algumas pequenas ilhas, mas sempre pelo mar.

    — E esse tal de Jack é o suposto capitão dos navios fantasmas?

    — Não sei o que querem dizer com “fantasmas”. Houve uma batalha, disparos, muitos disparos. E então tudo parou. No dia seguinte, esse cara estava no comando. Ele… ele olhava pros meus homens como se estivesse escolhendo frutas num mercado. — Pausou. Um tremor percorreu seus ombros quando os olhos se perderam no vazio por um instante. — E quando começou a pegar… quando ele começou a pegar…

    O resto não veio. E talvez tenha sido melhor assim. Luiz grunhiu ao lado.

    — A Ana não é de aceitar qualquer um. E entregar o Collectio? Tem coisa errada aí. Muito errada.

    — Ranger.

    — Oi?

    Ignácio tremeu, como se a própria palavra fosse um fio cortante puxado de uma ferida.

    — O capitão disse que o navio negro se chamava assim. Se vocês querem saber, algo também não tá certo com a filha da puta da sua amiga. Por mais desgraçados que fossem, vocês não pareciam que iam nos matar.

    Alex não ergueu os olhos do mapa.

    — E não íamos.

    Estavam prestes a continuar quando o zumbido leve de algo molhado entrou pela pequena janela de ventilação. Em um nado sem pressa, a lula voou direto para Catarina, que ergueu um dedo para recebê-la. Com um movimento instável, o pequeno animal se enrolou nele com clara familiaridade. Depositou ali um pedaço de papel amassado antes de ser dispensada com um balançar de mão.

    A taverneira desenrolou a mensagem com um movimento, os olhos escaneando as linhas antes que os lábios se franzissem.

    — Ranger… Un navio negro, dijiste tú?

    Ignácio confirmou com um aceno mudo.

    — Parece que já tenemos uma confirmação de que lo que dijo no era mentira. — Catarina jogou o papel de lado e tomou um gole de sua cerveja rala. — Outro hombre. Mais um “último” sobrevivente.

    Luiz inclinou-se para frente, entendendo antes mesmo que ela continuasse.

    — Já estão em Barbados?

    — Quase allá. — O dedo dela caiu sobre o mapa, marcando um ponto entre Martinica e Santa Lúcia com a ponta da unha. — Fizeram un masacre num pedágio ilegal que rodava por esa zona.

    Alex esfregou o rosto com uma mão áspera.

    — Mas que merda, não vamos conseguir chegar a tempo… — Os dentes cerraram-se. — Vai deixar de ser egoísta e nos dar a porcaria dos aviões?

    — No, hombre. Mas con dinero suficiente, posso te dar algumas araras.

    O guerreiro corrompido, irritado, estava pronto para questionar que diabos eram “araras”, mas Luiz ergueu a mão, os olhos fixos no papel descartado por Catarina.

    — E essa última parte? Por que não nos disse nada?

    — Os rumores? — Ela revirou os olhos. — Eso es cosa de pirata, no hay que darles atención.

    — Rumores? — Alex perguntou, mas já sentia o peso no ar, como se o próprio quarto estivesse segurando a respiração.

    Luiz esfregou as têmporas antes de ler, devagar, como se cada palavra fosse um prego sendo martelado.

    — “Quando os cânticos chegam aos seus ouvidos, jogue uma moeda, reze para o mar e se ajoelhe para o deus da sorte. Mas mesmo assim, não fugirá da desolação.”

    Em outra situação, talvez tivessem rido, ou, quem sabe, também ignorasse o relato.

    Mas estando relacionado a Ana, o riso não veio. O mentalista olhou para o companheiro, que o olhou de volta.

    Nenhum dos dois gostou do que ouviu.
    div


    Quer apoiar o projeto e garantir uma cópia física exclusiva de A Eternidade de Ana? Acesse nosso Apoia.se! Com uma contribuição a partir de R$ 5,00, você não só ajuda a tornar este sonho realidade, como também libera capítulos extras e faz parte da jornada de um autor apaixonado e determinado. 🌟

    Venha fazer parte dessa história! 💖

    Apoia-se: https://apoia.se/eda

    Discord oficial da obra: https://discord.com/invite/mquYDvZQ6p

    Galeria: https://www.instagram.com/eternidade_de_ana


    div

    Ficaremos sem imagens por um tempo, mas logo volto a postar!

    Estou meio sem tempo e não estão saindo resultados bons…

    Curtiu a leitura? 📚 Ajude a transformar Eternidade de Ana em um livro físico no APOIA.se! Link abaixo!

    Regras dos Comentários:

    • ‣ Seja respeitoso e gentil com os outros leitores.
    • ‣ Evite spoilers do capítulo ou da história.
    • ‣ Comentários ofensivos serão removidos.
    AVALIE ESTE CONTEÚDO
    Avaliação: 100% (5 votos)

    Nota