Capítulo 237 - Um salto

— Um. Dois. Três…
No fim, tudo se resumiu a um salto.
Não precisava — o avião era rápido o suficiente —, mas seu corpo ainda amava decisões que o mundo chama de erro.
— Maldita baleia…
O vento estalou em seu rosto com um tapa. As cordas que emergiram do nevoeiro se aproximavam um metro de cada vez. Eram menos do que antes, muito menos — cinco, não mais.
A primeira cruzou diante dela com a elegância cansada de quem sobreviveu mais do que devia: fibra dura, início puído. A lembrança do período sozinha veio com a visão, assim como o luxo perverso de quando voltou a envelhecer outra vez.
A segunda partiu antes mesmo que pudesse apreciá-la; abriu-se no ar e foi embora no branco. O arrepio veio automático conforme desaparecia no vazio abaixo. Ela conhecia a dor de atingir o chão.
A terceira estranhamente parecia impecável, mas faltava algo nela, a coisa fundamental que fazia uma corda ser… uma corda. Balançava sem motivo e logo ficava parada. Com a brisa, a loucura recomeçava.
A quarta era estável e obediente. Ana não gostou, tinha o gosto exato de Insídia. Desviou o olhar.
A quinta foi o que sobrou. Se movia de forma honesta. Não perfeita, mas algo mais confiável que as demais.
— Vai ser você. — Ana sorriu.
O mundo abaixo perdeu importância e o aço do avião cantou atrás dela. As sobrancelhas franzidas pensaram que mais memórias viriam, afinal, lembrava com clareza da primeira vez que esteve ali: horas pendurada, braços quase virando lama, respirações de um grupo que estava à beira de um colapso — literalmente.
Ao invés disso, o que a encontrou foi a dor. A pele chiou nas palmas quando travou a fricção. Estava preparada, mas não foi menos incômodo por isso. Torceu os dedos em gancho, punhos firmes. A espada e o alaúde bateram com força nas suas costas. Apesar disso, o sorriso se alargou.
— Uau…
A exclamação veio baixa e inútil, mas sincera. Deu mais um puxão e voou para cima com força. Um braço, outro, um agarrão. A distância até o dorso da baleia morria rápido. Nunca percebeu tão claramente como estava mais forte quanto agora, e isso a animou.
Pensou que demoraria pelo menos alguns minutos, mas duas dezenas de fôlegos depois alcançou as passarelas inferiores. Subiu mais dois metros e logo a sola atingiu as tábuas.
Isso sim foi como da primeira vez. Não havia ninguém ali.
— A cidade mais irresponsável do mundo. — Bufou e o meio sorriso saiu sozinho.
O aperto no peito veio na sequência. Leviathan foi um dos raros lugares que ela realmente gostou da sua nova vida. Infelizmente para o povo dos céus, o um ano que passou ali não foi o suficiente para fincar suas raízes.
Foi quando viu o avião pousar na parte oposta. Ana alinhou a roupa que o vento bagunçara e deu um passo. Parou no segundo. O nariz coçou e ela puxou o ar fundo. Deixou o gosto descer pela garganta.
— Cheiro de morte.
Não a recém-parida, mas a morte acomodada. O tipo de cheiro que se vê em um cemitérios com covas recém cavadas e flores morrendo após cansarem dos velórios. Morte que se esconde nos cantos.
Apressou-se. Alex saltou do avião e veio em ritmo parecido. Falou antes de chegar, como se apostasse corrida com a própria notícia.
— Tem alguma coisa estranha.
O mapa de couro foi ao chão; as marcas escurecidas dos dedos saltavam no desenho torto. As luvas de metal seguravam o humor do fogo, mas não todo o calor que vazava de dentro. Ana se agachou ao lado, escutando.
— Essa faixa inteira tá deserta. — Ele riscou do miolo até o sul, onde estavam. — Não deu pra ver tão bem lá do alto, mas tá tudo largado pela rua. Parece abandonado.
— Não é por causa do ataque da bêbada?
— Não. Na verdade, nem tá tocando o alarme.
Os lábios de Ana se fecharam num traço curto. Dali não viam o outro lombo da criatura colossal, e isso era um grande problema. Esperavam invadir quando a cidade estivesse começando o caos.
O resto do grupo chegou. Dois biplanos velhos — ambos Beriev Be-12, o tipo de avião que atualmente só voa porque não foi informado de que não deveria — beijaram a passarela com respeito. Três dúzias de guerreiros saltaram sob o comando de Miguel. O secretário mascarado leu as caras antes de ouvir as bocas e veio trotando.
— Mudança de planos?
Ana ergueu as mãos e varreu o cabelo pelos dois lados ao mesmo tempo. Soltou a fita que prendia o cabelo e refez o rabo de cavalo. Repensou um segundo e mudou para um coque. Estava grande demais e não queria espadas enroscadas “acidentalmente”.
— Não. Mantemos o combinado. O grupo da Catarina não vai demorar, esperaremos na taverna.
Miguel assentiu. Alex, porém, cambaleou um passo — não por drama, mas pela mana que murchou no ar de repente. Junto disso, desceu um casco. No leme, Niala sorriu e acenou. Ana apertou as têmporas e levou um segundo a acompanhar o gesto com o rosto.
— O que você tá fazendo aqui?
A capitã aracnídea deu de ombros e balançou a cabeça. Logo, como se flutuassem, dois guardas foram baixados do navio com toda a delicadeza possível para quem está amarrado com força demais. Caíram de joelhos diante do mapa ainda aberto, encarando o trio que os encarava de volta com curiosidade. Não havia medo em seus olhos, apenas uma calma exausta.
— Tá. Pelo visto os planos vão mudar sim… — Ana grunhiu.
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Ficaremos sem imagens por um tempo, mas logo volto a postar!
Estou meio sem tempo e não estão saindo resultados bons…

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