Capítulo 27 - Bibliotecário
*Essa é uma prévia da reescrita! Ainda está crua, sem o polimento final, mas logo ganha forma. Se notar algo fora do lugar, toda ajuda é bem-vinda!
Uma atmosfera serena permeava os silenciosos corredores daquele lugar. Serena, mas não acolhedora.
— É diferente do que pensei… — murmurou Ana, torcendo os lábios, o polegar acariciando distraidamente a lateral do indicador.
Não era exatamente decepção, mas um reconhecimento tardio de que esperava demais. A realidade, com sua teimosia habitual, sempre fazia questão de lembrar que não se dobrava às fantasias da mente.
As estantes se erguiam até quase tocar o teto alto, imponentes, mas vazias. Grandiosas apenas na forma, como templos erguidos para deuses esquecidos. A quantidade real de livros era… triste. Três fileiras. Apenas três.
Um punhado de capas desgastadas, de tamanhos e espessuras variadas. Muitas feitas de couro — e não de um único animal, pelo que pôde notar. Algumas, marcadas pelo tempo; outras, pelo descuido de mãos apressadas, impacientes, dedos que viraram páginas demais, rápido demais.
Não era algo sem sentido. Afinal, quem teria tempo para escrever num mundo como esse?
Poucos loucos, com certeza.
Uma pontada incômoda se acomodou em seu peito. Mas pouco era melhor que nada. Então, se aproximou.
O chão de madeira absorvia o som dos passos cautelosos dos poucos visitantes espalhados pelo salão. O ar era seco, carregando o leve perfume de papel de má qualidade e tinta desbotada. Raios solares atravessavam os buracos no teto — vestígios, talvez, de alguma falha na mesclagem dos mundos, pois duvidava que deixassem um lar de livros em tal estado. A luz se espalhava pelo ambiente de forma desigual, iluminando o espaço de forma inconsistente, pintando sombras estranhas entre as prateleiras, um jogo sutil entre calor e abandono.
Deslizava o olhar pelas lombadas, murmurando mentalmente os títulos conforme passava os dedos por elas.
“A Arte de Moldar o Invisível: Um Tratado Simplificado Sobre a Manipulação de Mana“
“Bestiário 3: Criaturas Que o Tempo Quis Esquecer“
“Fragmentos de uma nova era: Relatos da Região Sul“
“Cartografia das Terras Queimadas: Um Guia para Exploradores Desesperados“
“Primeira batalha?“
“A Rota dos Errantes: Memórias de Um Viajante Entre Mundos“
“Encantamentos e Desencantamentos: Um Relato Sobre o Fim das Tradições”
“A Cidade Que Nunca Existiu: Descobrindo Vestígios de Korthia“
“Guia Prático Para Evitar Catástrofes do Dia a Dia“
Os títulos pareciam zombar de sua compreensão limitada do mundo atual. Eram uma mistura de conhecimento e devaneio. Alguns pareciam ter saído da mente de estudiosos meticulosos. Outros, da mente de lunáticos. Ou talvez, os dois fossem a mesma coisa. Pareciam fantasias que, ironicamente, haviam se tornado não tão fantasiosas assim.
Ana nunca tinha visto esses livros antes.
Eram todos escritores pós-Grande Vazio. Novos olhos, novas vozes, novas palavras. Uma fagulha de algo inédito. Mais do que deveria, isso a animou.
Pegou um dos livros. O peso da obra nas mãos era reconfortante, quase convidativo. As páginas eram ásperas sob seus dedos; as letras tortas denunciavam que fora escrito à mão. O esforço impregnado ali era palpável, como se cada palavra tivesse sido cravada na fibra do papel com mais do que apenas tinta — com intenção, com necessidade.
Sentar-se ali, no chão mesmo, e devorar cada página parecia a melhor ideia do mundo. E é o que estava prestes a fazer, quando ouviu algo de suas costas.
— Posso te ajudar com algo?
O som rompeu o silêncio como uma pedra atirada num lago calmo. Ana piscou, desfazendo-se do torpor literário. Virou-se devagar, os olhos buscando o dono da pergunta.
Havia um homem ali.
Jovem, talvez na casa dos 24 ou 25 anos. Rosto anguloso, expressão tranquila. A pele ostentava um tom profundo, tal como seus curtos cabelos negros. Um pequeno piercing adornava sua sobrancelha esquerda, capturando o brilho de forma sutil, como um detalhe inesperado em uma pintura monocromática.
Seu corpo parecia magro, mas era difícil dizer com certeza sob o grande casaco de tecido pesado. A peça escondia sua forma, tornando-o quase uma extensão das sombras ao redor. Era um exagero, considerando o calor abafado do lugar. Mas quem era ela para questionar as escolhas térmicas de um estranho?
De qualquer forma, ele não combinava com aquele lugar. Mas, ao mesmo tempo, combinava.
Carregava um novo punhado de volumes, seus dedos deslizavam com familiaridade pelos livros, recolocando-os nas prateleiras sem pressa, sem parecer esperar resposta à pergunta que fizera.
— Na verdade, não. — Ana respondeu, apertando o livro em suas mãos.
Pensou em perguntar algo, pedir alguma recomendação, mas com aquela quantidade de livros, não achava que demoraria mais do que um dia — do novo mundo, é claro — para ler tudo.
O homem riu da recusa rápida, um som breve, sem julgamento.
— Certo. Meu nome é Brayner, vou estar lá na frente caso precise de algo.
Ana hesitou por um segundo antes de retribuir a cortesia.
— Me chamo Ana. Você é o bibliotecário?
— Mais ou menos — Brayner sorriu de lado. — Meu chefe não foi transportado pra cá, então ouso dizer que, enquanto um dos desgraçados de alguma guilda não aparecer aqui com algum papo de fiscalização, sou o dono.
Havia um humor seco naquilo, mas também uma verdade incômoda.
— E tudo bem eu ler?
Não que ela realmente ligasse para a resposta. Se ele recusasse, leria da mesma forma, por bem ou por mal.
— Claro. Mas se está interessada em engenharia mágica, temo que esse livro não vai te ajudar tanto.
“Engenharia mágica?” Ah, sim.
Foi só então que se deu conta do título em suas mãos. “Engenharia Mágica: Um Estudo das Aplicações de Mana em Tecnologias Emergentes“. O pegou por impulso, lembrando-se da prótese mencionada por Felipe anteriormente.
— Posso saber o porquê?
— Defasado. As tecnologias emergentes de que ele fala são de uns seis ‘anos antigos’ atrás, ainda estávamos engatinhando nesse assunto.
Seus olhos vagaram lentamente por Ana, mas não da maneira intrusiva ou impertinente que ela estava acostumada. Ele parecia analisar. Focar nos detalhes. E seu olhar parou na armadura semi-destruída que cobria seu braço.
— Mas me surpreende que não saiba disso tendo uma peça tão sofisticada.
Ana revirou levemente os olhos antes de responder.
— É uma armadura normal com enfeites.
O jovem arqueou uma sobrancelha.
— Sério? Então é um ótimo trabalho. Quem a fez tem uma mão firme, se daria bem na área.
Ele falava com a voz calma de quem já havia discutido aquele assunto antes e gostava dele. Parecia pronto para continuar, talvez detalhar técnicas ou materiais, mas se interrompeu. Suspendeu a respiração por um instante, como se ponderasse se valia a pena se alongar.
Suspirou.
— O que temos de mais avançado no assunto no momento é aquilo ali — disse, apontando com o queixo para um livro vermelho sem nome, no fim da primeira fileira. — Mas também é meio antigo. Se quer algo bom de verdade, recomendo que fale com os vendedores ambulantes do centro. Saquearam boa parte dos livros antes que eu chegasse aqui.
A menção ao saque fez sua mandíbula se retesar por um breve segundo. O ranger discreto dos dentes foi suficiente para Ana notar que não era só um detalhe irritante para ele. Era algo pessoal.
Ela instintivamente gostou do homem. Não tinha como desgostar de alguém que levava livros tão a sério.
— Obrigada — disse, guardando a informação. — Vou passar lá em seguida.
Terminando sua organização, o homem não disse mais nada. Apenas acenou lentamente para ela, um gesto econômico, sem pressa, e voltou à sua mesa próxima à porta.
Ana acompanhou o movimento com o olhar, sem realmente pensar nisso. Ele se sentou com familiaridade, como se aquele canto fosse uma extensão de si, e então, sem cerimônia, retomou o que estava fazendo: transcrevia textos.
O som rítmico da caneta rústica contra o papel parecia ecoar naquele vazio. Os dedos seguravam o instrumento com firmeza, a postura ligeiramente inclinada, uma concentração que beirava o obsessivo.
Mas foi o que veio depois que fez Ana franzir o cenho.
Ele murmurava.
Baixo. Discreto. Tão sutil que qualquer outra pessoa ignoraria, atribuiria ao som ambiente ou à própria mente cansada. Mas Ana ouvia.
E não era apenas ouvir — aquilo parecia reverberar dentro dela. Como um som que não pertencia apenas ao mundo externo, mas também ao interno.
Palavras soltas. Sem nexo. Sílabas deslocadas, como fragmentos de frases que nunca se completavam. Não parecia ser um hábito inconsciente, algo tão automático quanto respirar. Havia um peso ali, um ritmo estranho, como se cada palavra escrita precisasse ser dita para existir de verdade.
Não gostou da sensação.
Desviou os olhos, deu de ombros.
Não era problema seu.
Suspirou baixinho e voltou-se para o livro.
As páginas ásperas sob seus dedos eram um convite silencioso, e Ana decidiu aceitá-lo. O resto, fosse lá o que fosse, podia esperar.
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REESCRITA – TEMPORARIAMENTE SEM IMAGEM
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