Capítulo 33 - Acordo
*Essa é uma prévia da reescrita! Ainda está crua, sem o polimento final, mas logo ganha forma. Se notar algo fora do lugar, toda ajuda é bem-vinda!
A sala era aconchegante da forma desorganizada que só lugares cheios de propósito conseguem ser. Pilhas de papéis, livros gastos, alguns mapas amarelados, objetos de valor indefinido, e, para a surpresa de Ana, uma quantidade anormal de peças de ouro.
— Você é a Madame?
A mulher, sentada atrás da escrivaninha como se fosse parte da mobília há séculos, apenas ergueu os olhos. Um aceno curto com a cabeça confirmou o que Ana já suspeitava, mas não tirou a tensão do ar.
Sem pressa — e talvez apenas por gosto da encenação —, ela desembainhou a arma que descansava ao seu lado. O gesto era firme, mas sem urgência, como quem faz questão de dar tempo para a plateia imaginar o pior antes de realmente mostrá-lo. A lâmina saiu com um leve som metálico, revelando o brilho opaco de um metal avermelhado, não polido, mas intimidador.
Não era uma espada. Nem precisava ser. Era uma peixeira anormalmente grande, daquelas que cruzaram gerações no sertão brasileiro, passando de mãos calejadas em silêncio, sempre com a promessa muda de que serviriam para cortar qualquer coisa que ousasse se intrometer — mato, gado… ou gente. Larga, reta, com um fio que parecia ter sido forjado junto da raiva de quem a empunhava.
Não era feita para duelos elegantes ou exibições de bravura. Era feita para acabar com problemas. Rápido.
Colocou-a deitada sobre as coxas, os dedos ainda repousando no cabo, como quem não pretende usá-la — mas mostrando que usaria se necessário.
— Vou ser direta. Que diabo tu é, hein? — A voz veio firme, seca, como uma pergunta que não queria resposta. — Num lembro de ter autorizado monstro entrando no meu canto.
— Monstro? Do que você tá falando? — Ana deu um passo para o lado, não por medo, mas por puro desconforto. Como se estivesse tentando se alinhar com alguma lógica invisível que tornasse aquela conversa menos absurda.
Madame, no entanto, não respondeu. Apenas continuou a encará-la, os olhos fixos, como se esperasse que Ana explodisse espontaneamente em verdade. Os dedos brincavam com a peixeira de forma metódica, e o brilho em seus olhos aumentava, assim como o arrepio que subia por suas costas sempre que focava em Ana.
E então, após longos minutos de silêncio que pareciam mais castigo do que pausa dramática, a Madame finalmente falou:
— A vida num nasce onde não tem mana. Tu é o quê, uma Sombra?
Ana piscou. Aquilo foi tão direto, tão estranho e tão absurdamente específico que quase achou que era uma piada. Mas o tom não era de quem costumava brincar.
Uma Sombra? Não tinha ideia do que era isso.
Sem mana? Ah, isso já era interessante.
Não sabia como responder, mas o comentário serviu como uma peça de quebra-cabeça que não sabia que estava faltando. Uma que, ao encaixar, revelava várias outras que nunca haviam feito sentido até então.
“O mundo parece ter me fodido novamente.”
Suspirou fundo. Seus ombros relaxaram, não por resignação, mas porque continuar tensa já não parecia útil.
— Não faço ideia do que você tá falando — disse, com uma sinceridade rarefeita. — Mas só descobri que não tenho mana por sua causa. E olha… isso explica muita coisa.
A reação de sua mãe. O fato de não sentir a estranha energia da qual havia lido. O detector quebrado que, curiosamente, não era tão quebrado assim.
De repente, tudo parecia… coerente. Agora era oficialmente anormal.
— Supondo que seja verdade, veio fazer o quê aqui, então? — perguntou a mulher, com um tom que misturava descrença e leve tédio.
— Preciso de dinheiro.
— Dinheiro?
— Pelo jeito, virar caçadora tá fora de questão. — Ana deu de ombros — Tenho menos mana que o necessário pra ser rank F. Claro, agora entendo por quê.
A Madame arqueou a sobrancelha. Havia desdém, sim, mas também uma pontinha de interesse.
— E por que tu não vai fazer pão, hein? Ou cuidar de galinha? Trabalhar num balcão, sei lá… qualquer coisa que num envolva arrancar dente de monstro no tapa?
Ana tremeu. Não por frio ou nervosismo, mas por ser uma sugestão muito semelhante aquela maldita palavra.
Administração.
Era só lembrar e o corpo dava um pequeno choque. Tinha tentado, claro. Pensado nisso. Considerado. Talvez até se forçado um pouco. Mas não conseguia.
O medo da rotina, do passado, era mais forte que ela.
Em contraste, outra lembrança se projetou com clareza. A luta recente. O cheiro metálico, os gritos, a dor viva no corpo e os músculos vibrando com excitação pura enquanto enfrentava a fera. Algo selvagem, quase indecente.
As feridas ainda repuxavam sua pele quando ela se movia, e mesmo assim… ela queria mais.
Não por violência. Mas por vivacidade.
Era ali que ela se sentia viva.
E com ou sem mana, isso tinha que valer de alguma coisa.
— Parece que num é só pelo dinheiro.
Madame observou o sorriso que se formava nos lábios da garota. Era radiante — não daquele jeito comercial de pasta de dente ou selfie com filtro, mas de um brilho específico, enviesado, que só aparece quando alguém encontra, enfim, um tipo muito específico de propósito. E isso, no caso, envolvia se enfiar em situações de vida ou morte com uma frequência preocupante.
Ela já vira aquele olhar antes. Gente assim aparecia por ali mais vezes do que gostaria de admitir. Quem vinha por grana era previsível — e previsível era gerenciável. Mas os outros… os que vinham atrás do calor da luta, do arrepio que antecede o impacto, do silêncio que acontece logo depois de matar alguma coisa — esses eram diferentes. Eram mais úteis. E mais perigosos.
Madame se recostou, enfim, com os braços apoiados nos descansos da poltrona. O sorriso que surgiu em seu rosto não era exatamente acolhedor, mas tampouco ameaçador. Era um sorriso de quem acabara de ver potencial em algo — ou alguém — e não sabia se isso a animava ou preocupava.
— Pois bem. Se é dinheiro que tu quer, vai ter que mostrar que presta pra alguma coisa. — A voz veio firme, mas sem pressa. — Aqui não tem lugar pra mercenário que cai duro no primeiro serviço. Temos uma reputação a manter!
Ana não hesitou.
— Tô interessada. O que preciso fazer?
O sorriso da Madame se alargou com a resposta rápida, recheado do tipo específico de satisfação que surge quando alguém entra de cabeça num acordo sem ter lido as letrinhas pequenas.
O ar da arena era espesso, carregado de poeira, tensão e cheiro de suor velho. A atmosfera que deixava claro que ninguém estava ali por diversão — ainda que muitos fingissem que sim. Luzes artificiais tremeluziam no alto do teto abobadado, e a multidão rugia, como multidões fazem quando acreditam que gritar altera o desfecho de uma luta que não é delas.
Era um mar de gente entediada, apostando mais tempo do que devia em batalhas que raramente saíam do lugar-comum. Ainda assim, havia expectativa. Afinal, alguém sempre sangrava no final.
Os dois lutadores se encararam. Máscaras cobrindo o rosto — não por estética, mas por pura conveniência. Menos expressão, menos distração. Cada um com o olhar fixo, pesando o outro, tentando prever se a dor viria da esquerda ou da direita.
Sem aviso, o combate começou.
Nada de contagem regressiva ou gongo dramático. Apenas um rugido e um soco — a linguagem universal dos desentendidos.
O da esquerda começou com força bruta. Punho fechado, passo firme, a sutileza de um aríete. Um golpe direto, honesto até demais. O padrão de movimento que resolveria muita coisa se o mundo fosse feito só de pessoas paradas.
Mas o outro — sempre tem um outro — era mais esperto. Esquivou com fluidez, quase sem esforço. Não era elegante, mas eficiente. Respondeu com precisão: chute baixo, cotovelo no estômago, um soco bem colocado que fez o público suspirar como se tivesse sentido junto.
Estalos. Muitos. O tipo de som que o corpo humano não deveria produzir com frequência. Os dois se embolavam, ora se afastando, ora se agarrando de novo, como se a luta fosse também uma conversa — e ambos quisessem sempre a última palavra. A cada novo impacto, gotas de sangue traçavam pequenos arcos no ar, marcando o chão com um padrão abstrato que nenhum curador de arte teria coragem de interpretar.
A plateia estava em transe. Um tipo bem específico de fascínio que só surge quando a dor é dos outros. E, no meio disso tudo, Ana.
Parada. Em pé. Observando a cena enquanto seu nome piscava no telão central da arena com um entusiasmo que só os sistemas automatizados sabem simular.
Próximo combate: A Eterna vs O Carnífice.
A jovem milenar suspirou. Não pelo adversário — que soava como um nome escolhido por um adolescente alimentado à base de proteína e delírio de grandeza —, mas por si mesma.
“Eu devia ter escolhido um pseudônimo melhor…”
O pensamento veio acompanhado de um leve constrangimento. “A Eterna” parecia ter soado incrível no momento em que preencheu o formulário. Mas agora, ali, diante de uma arena cheia, era simplesmente… cafona.
E infelizmente, era tarde demais pra trocar.
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