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    Protótipo de capa Volume 1 – Ironia Divina

    Capa Volume 1

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    Havia algo melhor a se fazer naquele momento do que levantar a faca?

    Se sim, Ana não fazia ideia do que seria. E sinceramente, não tinha energia para considerar alternativas mais criativas. A lâmina já estava em sua mão — um detalhe importante que muitas pessoas só lembram depois que precisam — então bastava erguer e torcer pelo melhor.

    Assim o fez.

    Foi um golpe de sorte, mas sorte bem aplicada ainda era eficácia. Brutal, direto, quase primitivo… mas funcionou. Com a ajuda do próprio impulso e da gravidade, que sempre parecia mais simpática quando envolvia ferir o outro, a lâmina negra deslizou por entre a carne de uma só vez, ignorando a armadura como se ela fosse pouco mais que papel decorativo.

    Um suspiro escapou da Sombra, que tombou com todo seu peso por cima de Ana, derrubando-a no chão em um amontoado desconfortável de dor e surpresa.

    A caverna, até então viva de ruídos, silenciou. Um segundo que pareceu se alongar como um discurso que se recusa a terminar. Ana permaneceu ali, debaixo do corpo pesado, com os braços ainda agarrados ao cabo da arma, e foi só quando o sangue começou a escorrer até seus cotovelos que ela percebeu o quão real tudo aquilo era.

    Tinha um cheiro doce.

    Ou talvez não fosse. Talvez fosse só sua mente começando a escorrer por suas orelhas, mas a sensação não era ruim. Na verdade, havia algo de reconfortante naquilo. O calor, a viscosidade, o contraste com a frieza da morte… quase como se o sangue dissesse “você ainda está viva“. Sem pensar, esticou levemente a língua, só por curiosidade. Parte dela queria saber o gosto. Parte queria sentir que tinha vencido.

    Esse pensamento a preocupou. Um pouco mais do que deveria.

    Mas antes que pudesse levar o impulso adiante, sentiu um tremor, e sorriu por ter mantido a faca apertada com força. A Sombra, de forma repentina e violenta, ergueu-se em um só movimento. Cambaleante, como quem acorda de um sonho ruim, olhou para o próprio abdômen, onde o sangue escorria sem pressa, marcando o metal e a pele com aquela ferida tão bem aberta.

    Curiosamente, ela não parecia nem furiosa, nem apressada. Havia apenas… análise. Primeiro, olhou para Ana. Depois, para a faca — muito mais para a faca, na verdade. E então, com um sorriso que parecia menos uma reação e mais uma nota mental, agarrou sua espada e recuou apressada. Taticamente, alguns diriam. Como quem diz “por hoje é só, pessoal”.

    Na entrada da caverna, lançou um último olhar sobre o ombro — cheio de perguntas que provavelmente jamais seriam respondidas — e desapareceu.

    — Não vai atrás dela? — Ana perguntou, meio brincando, meio não. A linha entre sarcasmo e seriedade era muito tênue naquele momento.

    A mulher metálica não respondeu de imediato. Observou o vazio deixado pela inimiga por tempo suficiente para parecer poético. Em seguida, retirou o casaco com movimentos pragmáticos, cortou uma tira e amarrou no braço danificado, onde o estranho líquido branco-azulado fervia em bolhas. Algo entre graxa e magia. Ana adoraria saber os detalhes.

    — Se eu corresse atrás de todo lunático que resolve fugir no fim da luta, não teria mais joelhos — respondeu enfim, com um tom de exaustão prática, quase cínica.

    Não deu chance para Ana replicar. Em vez disso, se aproximou com passos decididos, como quem tem algo importante a dizer e não quer ser interrompida por alguém com o nariz quebrado. Parou à sua frente, encostou nos óculos tortos com leveza surpreendente, e encarou diretamente a baioneta ainda manchada.

    — Olha só… no fim, a Maria tinha razão. Uma faca bem estranha. Cresceu, não foi?

    Ana pensou em recuar, mas não havia espaço para isso. Também não pretendia responder. Mas havia algo nos olhos daquela mulher que fazia parecer que ficar calada seria potencialmente perigoso para sua integridade dentária. Ainda assim, tentou escapar pela tangente.

    — Maria? A vendedora de livros?

    — Essa mesma. Um conselho entre conhecidas: pessoas não são inofensivas só por venderem papel. Mas… e a arma?

    Maria andou falando de mim… Parece que vamos ter uma conversa interessante no futuro“, pensou Ana, sentindo os ombros enrijecerem por um instante. Ela os balançou, tentando expulsar preocupações futuras. Primeiro sobreviver. Depois, o drama.

    — Bom… cresceu, sim — respondeu por fim, e começou a caminhar lentamente. Cada passo era mais arrastado que o anterior, mas ela contava. Era importante contar. Um, dois, três…

    Ao final de vinte e oito passos — uma caverna de cento e setenta e cinco metros não era exatamente um trajeto curto, mas ainda era melhor do que uma de duzentos. Mantendo o alerta, chegou à mulher caída.

    Afastou o cabelo grudado na testa e confirmou o que queria ver: Margareth ainda respirava. Um alívio silencioso, nada dramático. Só uma confirmação prática de que não teria que enterrar a mãe naquele momento. Com a certeza estabelecida, sua mão escorregou naturalmente em direção à bolsa. Depois de tudo aquilo, merecia ao menos dar uma olhada no objeto responsável por tanto caos.

    Estava dispersa, exausta demais agora que as coisas estavam se acalmando, tanto que não percebeu a bota esmagando seus dedos até os ouvir estalando como gravetos.

    Filha da puta.

    O pensamento veio antes da dor, como um instinto mais velho que a civilização. E então, sim, a dor veio. Quente, precisa, horrível.

    É, eu sei.

    Não fazia sentido ter baixado a guarda. Aquela mulher não era companheira de missão, não estava lá por causa da Sombra e nem tinha sido mencionada por Madame. E mesmo se tivesse sido, confiar em alguém só porque apareceu no momento certo era o tipo de coisa que levava personagens secundários a morrerem cedo demais.

    Não que Ana fosse exatamente uma especialista em interações humanas — mil anos de isolamento tendem a atrapalhar um pouco o tato social —, mas confiar que alguém salvou você, sua mãe, sua equipe inteira e depois ficou ali, como se fosse uma heroína desinteressada? Isso era um nível de otimismo que beirava burrice.

    Claro, ainda era sua salvadora. Então, sim, quebrar alguns dedos era um preço razoável. Estava sendo firmemente imobilizada, e não era nem uma questão de reação, mas sim do seu corpo conseguir fazer algo a respeito. Natalya, com toda a delicadeza de uma serra elétrica, pegou a faca da mão de Ana como quem tira um brinquedo de uma criança muito convencida.

    Ana abriu a boca, mas nada saiu. Sabia reconhecer quando perder era o único movimento possível.

    — Curiosa… — disse a mulher metálica, girando a lâmina uma vez nos dedos antes de jogá-la de volta ao chão ao lado de Ana. — Mas não digna in meo Collectio. Por enquanto.

    E então seus olhos se voltaram para o verdadeiro prêmio.

    — Agora isso aqui, garota… isso fica comigo. Tem um motivo pra me chamarem de Colecionadora — falou com um sorriso largo, girando o objeto devagar. Deu um breve aceno com dois dedos e, tal como a guerreira anterior, virou as costas, partindo com a confiança de quem sabia que ninguém ali teria forças — físicas, emocionais ou narrativas — para impedi-la.

    Ana a observou ir, ainda com os dedos em chamas, ainda tentando montar a cronologia de tudo que havia acontecido nas últimas horas. Precisava de tempo para processar, mas o mundo não dava esse tipo de luxo. Escorou-se contra a parede, ao lado do corpo adormecido da mãe, e sentiu o frio da rocha passar pelas costas e se infiltrar. Era uma frieza antiga, firme, sem julgamento.

    Com a mandíbula apertada, puxou um dedo de cada vez, ouvindo o estalo de retorno como pequenas punições. Não era um som agradável. Mas havia algo reconfortante no simples ato de consertar o que havia sido danificado.

    — Ela foi gentil — murmurou, com uma risada seca. Gentil, sim, se quebrar só três dedos era um gesto de misericórdia. — Mas ainda assim, uma desgraçada…

    Deixou a cabeça cair para trás até encontrar a pedra, o olhar fixo na escuridão do teto da caverna. Lá em cima não havia nada. Nenhum sinal de justiça, de recompensa, de consolo. Nada que explicasse por que tinha passado por tudo aquilo. Dias de caminhada, uma amiga morta — talvez mais que uma — e a vaga certeza de que havia algo se quebrando dentro dela que ainda não tinha nome.

    E pra quê?

    Pra porra nenhuma.

    Sentia o peso das escolhas nas costas como se carregasse um cadáver que não podia largar. Se pudesse, voltaria para o isolamento. Voltar à paz do silêncio, onde ninguém exigia nada, onde a única dor era o tédio, e o tédio era confortável. Mas isso também era mentira. Não podia voltar. Nem que quisesse.

    Precisava de mais força.

    Força pra viver nesse mundo que parecia rir de suas fraquezas sempre que ela ousava respirar mais alto.

    Força pra morrer do jeito certo, na hora que escolhesse, e não pelas mãos de alguém mais forte, mais cruel ou mais rápido.

    Força, sobretudo, pra tomar o controle de tudo isso. Pra dominar, e só então, talvez, descansar.

    Os votos que fez não saíram em voz alta. Ficaram ali, mudos, ecoando só dentro dela. Palavras sem som, promessas sem testemunhas.

    Era hora de seguir em frente. O relógio não parava, e a estrada ainda prometia muitos dias confusos pela frente.

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    A noite envolvia a cidade como uma desculpa esfarrapada para os segredos que ela insistia em esconder. A taverna, bem abaixo das ruas ruidosas e das luzes piscantes, permanecia alheia ao mundo acima — uma cápsula de fumaça, madeira velha e vozes abafadas. Lá dentro, Natalya e Maria dividiam a mesma mesa e o mesmo desinteresse pelo ambiente, mas não exatamente o mesmo propósito.

    — Então, você conseguiu o que queria? — perguntou a comerciante, girando preguiçosamente um copo meio vazio com mais intenção cênica do que sede real.

    — Consegui — respondeu Natalya, erguendo o braço e mostrando, sem pressa ou cerimônia, onde sua mão deveria estar. — Mas não foi barato. E, veja bem, isso vale pra você também.

    A frase mal terminou e já havia um saco de moedas pesadas repousando sobre a mesa. Ele caiu com um baque satisfatório, que fez Maria soltar um gritinho contido — o tipo de som que acontece quando o bolso fala mais alto que o orgulho. Ela nem disfarçou. Reclinou-se na cadeira como quem ganhou a noite e acenou para o garçom com um dedo só. Pediu mais duas bebidas, porque uma era para disfarçar o momento e a outra era para confirmar que não se importava.

    — Sabe, Maria — disse a Colecionadora, ainda com aquele tom impassível que sempre parecia esconder alguma ameaça em segundo plano —, eu não gosto de você. Não por causa das mentiras, ou das meias verdades, ou dos seus preços absurdos. É só… essa sua flexibilidade ética me incomoda. Nunca sei de que lado você vai cair.

    — E eu gosto de você, por acaso? — A jovem respondeu com um suspiro que já vinha embebido em álcool e cansaço. — Você me paga. Isso basta…

    O bar continuava funcionando, com seu ritmo murcho de fim de noite. Algumas pessoas riam alto demais, outras cochichavam como se conspirassem contra o tempo. Havia ali uma tensão branda, do tipo que cresce quando todos sabem que algo está para acontecer, mas ninguém tem coragem de perguntar o quê.

    — Eu contei pra Ana que foi você quem vendeu as informações da missão. 

    O comentário veio sem aviso, mas o efeito foi imediato. O rosto de Maria endureceu como pedra recém-moldada, e seus olhos, que até então dançavam entre ironia e tédio, acenderam-se com uma mistura de raiva mal contida e medo antigo.

    — Você fez o quê?

    — Ela vai sair de lá com uma reputação ambígua — continuou a mulher metálica, agora encarando o copo à sua frente como se ele tivesse se tornado subitamente relevante. — Uma rainha de bronze que sobreviveu a uma Sombra. Tubarões vão farejar isso em segundos. E eu não posso permitir que você venda o nome dela antes que eu entenda melhor aquela pessoa. Mas sei que você vai tentar, então estou me antecipando.

    Maria não respondeu com palavras. Pegou o copo, ainda com metade da bebida, e atirou o conteúdo — e o vidro junto — contra a oradora. A bebida espirrou sobre o casaco elegante que cobria os ombros da mulher de pele escura, escorrendo preguiçosamente.

    Sua cadeira rangiu com violência quando se levantou de uma só vez, com olhos arregalados e punhos cerrados.

    — Você é louca. Uma desgraçada louca — cuspiu as palavras antes de virar as costas e sumir pela porta, deixando atrás de si um silêncio que parecia maior do que o bar comportava.

    Natalya continuou sentada. Puxou um lenço do bolso interno e limpou o rosto com a tranquilidade de quem já esperava por aquilo — e talvez até tenha desejado. Um sorriso lento, quase satisfeito, apareceu em seus lábios enquanto passava os dedos pelo pingente preso ao cabelo. Seu olhar permaneceu fixo no vazio por alguns segundos, e então terminou de beber.
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